Terceiro Dia por Diva: O que não era pra ser P2

936 Words
Naquela manhã, acordei bem mais cedo que pretendia. O sol não havia nascido e o céu estava nublado, como um amanhecer meio melancólico. Por incrível que possa parecer, Tony também levantou cedo. Assim que terminamos de tomar café, ele me levou para faculdade e seguiu para o escritório. As aulas passaram voando, embora não estava tão atenta a ela. A única coisa em que pensava era na festa de Tony. Fui diretamente para casa de Grue depois das aulas, para ajudar em tudo que era necessário. Junto com as meninas mais novas, enfeitamos a sala e a cozinha. Enchemos tudo de bexigas — embora não acredite que Tony goste, isso era para agradar mais as meninas do que o próprio aniversariante — e fitas coloridas e todo tipo de coisa. Não parecia exatamente uma festa de um homem, mas de um menino. Grue pediu que eu fosse ao mercado para comprar uns ingredientes que faltava para fazer as guloseimas. Peguei a lista que ele fizera e parti para o mercado. As ruas estavam com os habituais tumultos do cotidiano. O céu estava limpo e a temperatura amena e agradável. Na rua que antecedia o caminho do mercado, notei que tinha uma livraria. Sempre adorei livrarias e mesmo quando não tinha nem um tostão, entrava para ficar babando. Acho que não teria problemas se eu entrar um pouquinho. As variedades de livros eram impressionantes e tudo tão perfeitamente organizado. Andei por entre as prateleiras e me chamou bastante atenção entre todos os outros, peguei e comecei a folheá-lo. — Bom dia Diva! Procura algo? — para minha surpresa, quem conversava comigo era Nero. — Nero? Oh, que bom que te encontrei! — peguei suas mãos, apertando entre as minhas. Ele tentou se afastar envergonhado. — Estávamos no Inferno, agora todos... Parecem estar no meu mundo! — a ficha tinha caído, a mão de Nero que devia ter a Devil Bringer, estava humana. Uma mão humana. — Nero o que houve com sua mão? Cadê seu Devil Bringer? — Do que você esta falando? Bebeu ou algo do tipo? — ele colocou a mão na minha testa para certificar se não estava com febre — Pelo menos não está doente! Tentei absorver todas as informações com cuidado, para que minha mente pudesse administrar e ter uma lucidez mental. Cada minuto que passava, cada momento que se seguia tudo parecia não fazer nenhum sentido. — E a Kyrie? — Ela deve estar fazendo trabalho voluntario, logo esta aqui. — Ah, esta bem. — Vai levar esse livro? — agora lembrei que ainda segurava o livro. — Ah, não sei... Talvez — É um bom livro! — afirmou, fazendo sua — que considero — marca registrada, que era coçar o nariz quando ficava constrangido. Nero pegou delicadamente o livro e o folheou. — Ele é sobre mitologia, sei que adora esse assunto. Sorri, transigente. — Bem — fiz Nero parar em uma determinada parte do livro, onde havia uma figura de um enorme pinheiro cujas raízes pareciam pernas grotescas que estendiam pelo chão. Para pessoas comuns seria imagem de uma arvore qualquer, mas alguma coisa no meu interior se agitou bruscamente. — O que é isso? — Ah, é uma Ikhon. — Ikhon? — É a singular arvore e a única "viva" do inferno, ela suga energia espiritual e manipula e incapacita suas vitimas. Dizem que apesar dessas estranhas capacidades, ela não é perigosa. Sabe-se que elas concedem desejos, porem não é muito certo que já que é uma arvore demoníaca. — Nero deu de ombros. — De qualquer forma, são somente lendas, não é? Demônios e todo esse tipo de coisa não existem. — Claro... Só lendas! — concordei, distraída. — Vou indo, até mais Nero. Acenei e sai apressadamente da livraria. Consegui comprar tudo que era necessário. Chegando à casa de Grue, fui direto para cozinha ajudar Jessica a fazer doces. Ela, por sua vez, m*l conversava comigo e quando falava algo era exclusivamente sobre nossas tarefas. Com toda convicção podia afirmar que nenhuma de nós estava à vontade. Eu deixava bem claro minha antipatia e ela tentava não se cruzar tanto comigo. Finalizamos o trabalho e nos preparamos para receber Tony. Eu m*l via a hora dele chegar para abraça-lo e desejar um bom aniversario. Eram quase duas da tarde quando Tony entrou na casa, não muito contente. Ele reclamava sobre algo relacionado com uma pirralha que não o deixava cochilar em paz e uma montanha de dividas. Grue reprimiu uma risada e foi recebê-lo. Tony observou todos os enfeites extras que Tiki e Nesty acrescentaram antes do meu retorno, a parede estava cheia de desenhos de bichinhos fofos e ursinhos. Tudo cor de rosa. Ele torceu o nariz, depois soltou um suspiro cansado e resignado. — Parabéns, tio Tony! — disseram em uníssono. — Obrigado, principalmente pelos lindos enfeites — o tom de Tony reclinava em sarcasmo, as meninas não notaram e ficaram animadas com o elogio. — Parabéns, — antes que tivesse chance de abraçar Tony, uma figura tomou minha frente. Era Jessica. Ver ela se engalfinhando com Tony me deixou furiosa. Fiquei paralisada e não via mais nada além dos dois abraçados. Jessica sorriu abertamente, e estendeu a mão para tirar o cabelo de cima do olho dele. Meu coração disparou e busquei forças para não ficar enjoada. Respirei fundo algumas vezes para me acalmar. Mantenha o controle, rosnei para mim mesma, sentindo o sabor amargo do ciúme. Tony me olhou, talvez reparando na minha expressão endurecida. Como se lesse minha mente, ele me pegou em seus braços em um abraço apertado e quente. — Não fique assim, doçura! Sabe que só tenho olhos para você — sussurrou contra meus ouvidos, e piscou para mim. Aquilo fora o suficiente para derreter minhas barreiras. — Bobo! Feliz aniversário i****a! Durante toda à tarde, passamos comemorando com Tony que não estava tão animado quanto deixava manifestar. Sabia que por debaixo do sorriso de contentamento jazia um segredo muito profundo. Minha intuição falava mais alto e quando tive a oportunidade de ficar sozinha com Tony, poderia enfim interroga-lo para saber o motivo daquilo. A principio, ele não quis me dizer o que era, mas graças a minha insistência ele partilhou pra mim a falta que sentia do irmão, mesmo que segundo ele, não fosse tão unidos como deveriam. Eu o acolhi em meus braços e dei todo carinho que precisava. Ficamos abraçados até sermos interrompidos pelas garotas que nos apressavam para comermos o bolo. No pôr do sol, todos — incluindo o próprio aniversariante, que não estava tão cooperativo — se revezaram para arrumar a bagunça que ficou depois da festa. Eu decidi que lavaria a louça, mesmo que não gostasse nem um pouco de fazê-lo. Havia uma faca na pia, ela estava suja de glacê e a lavei deixando-a reluzindo. Por ele pude ver meu reflexo, mas não era exatamente o que deveria ser. Na imagem mostrava como eu estava no sonho, meu rosto estava com palidez quase mórbida e meus olhos sem vida e opacos, era quase como se visse um cadáver. Vendo a minha mesma em outra perspectiva, muito intimidante. Era terrivelmente assustador. Assimilei a imagem em silencio sombrio e sufocante. Eu estava quase enterrada em galhos. Esses galhos moviam-se e se entrelaçavam, prendendo minhas mãos e pernas e contorcendo-se ao redor deles. Cortando e rasgando com firmeza, deixando vergões vermelhos ou minúsculos ferimentos de perfuração. O mundo inteiro vacilou ao meu redor. Nero tinha me falado sobre isso; Ikhon a arvore demoníaca... Então tudo isso era um sonho? Se for, há somente um jeito de me libertar. Sonhos terminam quando se morre dentro deles. Apontei a faca diretamente para o meu coração. Mesmo de costas senti a presença de Tony. O olhei e vi uma corrente de expressões inteligíveis passaram rapidamente pelo rosto de Tony, até que seu semblante se contorceu em pura surpresa e inquietação. — O que esta fazendo? — indagou, perplexo. — Colocando um fim nesse sonho... — Não seja estúpida, não faça isso. — Isso é apenas um sonho, nada disso é real... Mas foi bom enquanto durou... — minhas lágrimas caiam sem controle, desfocando momentaneamente minha visão e um soluço irrompeu pela minha garganta. Com a discussão, logo apareceu Grue e as garotas. — Diva pare! — Nesty pediu, seus lábios tremeram pelo choro iminente. Todos tentaram me parar, mas estava convencida de que fazia a coisa certa. — Ilusões são apenas isso... Ilusões. Acho que isso não era concebido para ser! — pronunciei antes de me apunhalar. E foi assim que morri. Abrir os olhos e recobrar a consciência de que estava de volta à realidade era estranha. Fria e inóspita. Estava tremendo e senti algo tocar minha mão, um aperto quente e vivo. Meus olhos fracos captaram um para de olhos azuis. Estava coberta de fragmentos de galhos e farpas, que grudavam na minha roupa. Apertei os olhos tentando reconhecer a presença, tudo parecia novo e diferente para mim. Um toque foi quase como ser jogada de um precipício com todas as sensações a flor da pele. Quando puder ver com nitidez, compreendi que estava nos braços de Nero. Ele me embalava como uma criança que precisava ser protegida das coisas do mundo a sua volta. E era isso que senti que precisava, eu estava vulnerável. — Bem vinda de volta — ele sussurrou gentilmente. Apertei-me firme em seus braços, deixando a tristeza e a consternação se libertar em lágrimas. Lágrimas daquilo que perdi em outro lugar — em uma doce ilusão.
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