Quarto Dia por Diva: Memórias de Guerra

2852 Words
But I want to know my fate Eu gostaria de descobrir o meu destino Before my every hope fades away Antes que toda a minha esperança desapareça Take my breath away Tirando meu fôlego [...] In the silence you can listen to your own heartbeat No silêncio você pode ouvir o seu coração batendo, Just believe what you see and feel Basta você acreditar no que vê e sente. My Fate — Anna Tsuchiya Os braços ao meu redor se apertaram. Estava escuro e frio, principalmente por causa das minhas lágrimas. E mesmo depois de ter chorado tudo que podia, elas ainda insistiam em cair quase despercebidas pelo meu rosto corado. Se não fosse pelo frio, nunca as teria sentido. Estava terrivelmente fraca. O vento rugiu, sacudindo o que sobrou do carvalho. Apertei os olhos, ainda podia ver, mas as lágrimas nublaram minha visão e fez tudo parecer assustadoramente escuro. Quando consegui abri-los novamente, tudo ficou claro e nítido, porém o frio ainda permanecia. Estava tremendo, congelando até os ossos e a dormência se espalhava por todo meu corpo. Encarei o céu vermelho escarlate. Fiquei um bom tempo absorvendo a repentina volta à realidade. O forte e pungente cheiro de sangue e terra incomodou meu nariz. Com todo cuidado, Nero me colocou de pé mantendo-se perto para me dar suporte. Minhas pernas tremeram, mas consegui estabiliza-las. Tirei os restos de galhos e farpas das minhas roupas, que mesmo cortadas se mexia como se tentassem crescer e se reparar ali. Eu estava me sentindo absolutamente péssima. Meu corpo doía horrores e estava quase sem energia. Estava cansada tanto fisicamente quanto psicologicamente. Foi preciso muita força de vontade para ficar de pé. Nero me guiou para longe do que sobrou da arvore. A grande e assustadora arvore estava quebrada e fumegante como se um grande poder tivesse a esmagado e destroçado com voracidade e violência. Essa tinha certeza que fora Nero que fizera isso. Olhei para o Devil Bringer e agradeci internamente por estar com o verdadeiro Nero. Depois de tudo, — e mesmo tendo uma ínfima parte minha queira um pouco de normalidade mais do que qualquer coisa — me acostumei a viver intensamente nesse mundo cada dia, pois nele todo dia era uma luta. No qual não havia espaço para temores e nem para se esconder em ilusões, essa é a verdadeira realidade que faço parte agora. Tenho a chance de salvar Dante. Nero pegou minha mão me tirando do transe. E devo mais uma para ele. Alexander se aproximou de nós, os olhos púrpuras estreitos em apreensão. Ele tocou meus ombros e beijou minha testa, os lábios macios roçando delicadamente. Aproveitei aqueles breves segundos com a doce e gentil sensação de estar acolhida, ser amada. O calor da aura de Alexander me envolveu, espantando o frio e dando-me forças. Ele deu um sorriso e recuou um passo para dar caminho a outra presença. A figura que arrastava um longo vestido pelo chão em sua volta, claro e cintilante. Uma escultura de gelo da mais imaculada perfeição, isso que pensava enquanto a admirava. Ela ergueu lentamente a cabeça para que pudesse vê-la completamente. Para minha surpresa pude ver meu próprio rosto, ligeiramente mais velho, pálido e bonito. Havia muitas diferenças como os longos e ondulados cabelos castanhos que caiam em ondas pelos seus ombros, os olhos castanhos claros em um misto de verde lago e avelã — uma cor que nunca vira antes —, e os lábios carnudos e rosados. Ela era um palmo mais alta que eu e movia-se com graciosidade mexendo a nuvem escuras que eram seus cabelos. Frente a frente a ela, senti-me intimidada e constrangida. Era a... — Arya? — arquejei, perplexa. — Diva! — ela sorriu, deixando-me desnorteada. — Estou feliz em vê-la bem, sei que me ver aqui é estranho, somos a mesma pessoa afinal. — Mas como? Se somos a mesma pessoa, porque esta aqui? — Eu sou apenas uma manifestação de seu subconsciente e memórias. — explicou, em tom sereno e firme. — Uma forma criada para te guiar até seu objetivo. — Nossa! — suspirei, estupefata. — Então é como se estivesse guiando a mim mesma? Arya concordou. — Ela nos trouxe até aqui — Alexander expôs, tomando a frente. — Onde você estava. — Oh! — exclamei, surpreendida, então sorri agradecida: — Obrigada, Arya! Arya sorriu reconfortantemente. Um vento gelado espalhou meu cabelo pelo rosto e açoitou minha pele, estremeci pela brusca queda da temperatura depois de me afastar da aura quente de Alexander. Por um momento, o ar pareceu pesado e sufocante em minha volta, como se um peso esmagador fizesse extrema pressão pelo ar. Ignorei a estranha sensação, pois não valia de nada ficar preocupada. Empinei o queixo para olhar novamente o céu avermelhado num misto estranho de vermelho e cinza. Respirei profundamente e apertei os passos. A passagem estreita era um tanto íngreme, as pedras, pedaços de raízes e o lamaçal piorava e muito. Andei com rapidez, minhas pernas devorando a distância entre o além da árvore morta atrás de mim. Nero, Alexander e Arya me seguiram, podia ouvir seus passos firmes atrás de mim. Eu ainda me sentia fraca, mas isso não me impediu de continuar. Determinada, andei usando o cordão prateado para me mostrar o caminho. Seria apenas um destino possível, este, suponho que seja o de Dante. *** Paramos na beira de um vale, e uma cidade se estendia abaixo de nós. Ela estava devastada e em completa ruína; alguns prédios se elevavam sob nossos pés parecendo sombrios pilares, outros estavam caídos ou simplesmente desgastados e também veículos arrasados e em pedaços. O céu parecia uma cortina de chamas pela mistura de vermelho, laranja e um leve amarelo. Havia pessoas correndo de um lado para outro desesperados junto a elas tinha figuras com vestes negras portando foices, chicotes e todo tipo de arma de tortura. Outras criaturas grotescas imergiam e tomaram a frente do que supus ser uma batalha. Obviamente, as almas humanas estavam em patética desvantagem. Ouvi grunhidos ameaçadores bem distantes, aqueles sons fez um arrepio correr a espinha. De repente, o ar tornou-se amargo misturado ao forte cheiro de sangue, enxofre e decomposição. Gritos de agonia, gemidos e murmúrios foram jogados à brisa. Para descemos o vale, escorregando pelo chão arenoso até por fim estacarmos no terreno plano. Fomos cercados por um grande grupo de demônios assim que chegamos. Eles nos acuaram pela frente, muitos pares de olhos vermelhos brilharam sombriamente e debilmente com excitação assassina. No chão eclodiram vários zumbis, a carne podre e deformada alguns tinha a pele lívida e buracos nos olhos. Em outra direção, vieram outros cadáveres cobertos de sangue e com corpos retorcidos numa forma bestial, asquerosa e horrível. Preparamo-nos para atacar, porém Arya simplesmente levou a mão aos céus lançou uma poderosa onda de Poder. O brilho intenso e ardente varreu o campo, limpando qualquer rastro de demônios. Nada sobrou, nada além de rastros de energia, poeira e plumas. Ela jogou o sedoso cabelo castanho para trás e soltou um suspiro. Serio, vendo em primeira mão os poderes da Arya eram muito impressionantes. Por partes, estar no mesmo lugar que a Arya e vê-la usando suas habilidades — Será que poderia ser igual a ela algum dia? — e sabendo que sou a reencarnação dela é bizarro e confuso — isso atiçou minha curiosidade de uma forma que não podia controlar —, mas podia saber por ela um pouco mais sobre mim. Uma oportunidade única. Arya não disse nada quando tomou a frente na caminhada elegante por dentre as antigas ruínas, que aos poucos fora se tornando silhuetas escuras atrás de nós. Alguns prédios ainda de pé pareciam perturbadores, não somente por não conter vida nenhuma — que tornava tudo muito pior — mas por causa da densa energia que nela emanava. A terrível e sinistra escuridão. Pressentia que em algum lugar nas sombras estavam observando-nos, não dava para saber se era apenas impressão ou não. E mesmo com todos meus sentidos alertas não consegui distinguir o que era. Minhas pernas tremiam e minha respiração rasgava na garganta. Eu estava meio atordoada, quase com vertigem tanto pelo cansaço como pelo medo. Tudo bem, que não havia um real perigo, mas a energia por si só era pesada e acarretava a aversão. O ar estava carregado e o cinza soturno das nuvens dava ao céu uma aparência de letargo. Combinava bem com o assombroso cenário, ameaçador e de outro mundo — literalmente. Parecia que tinha sido lançada no pesadelo mais apavorante de todos. Não só estava na escuridão, como também no completo silencio. Depois do ataque de Arya e da destruição em massa, não houve nenhum outro empecilho e ninguém ousou quebrar o tenso silencio imposto naquele momento. Os únicos ruídos audíveis eram o bater dos nossos pés no chão lamacentos e nossas respirações aceleradas. Principalmente minha e do Nero, já que nós estávamos vivos. Entre as ruas desertas encontravam-se restos mortais; sangue, partes de membros e vísceras. Cada um mais repugnante e grotesco que os outros. Havia também entulhos em toda parte. Passamos silenciosamente por entre os destroços ate chegarmos a uma estrada longa e sinuosa. O cheiro forte e enjoativo de gás inundou minhas narinas. A estrada principal estava bloqueada, havia muitas carcaças de veículos pegando fogo impedindo a passagem, — embora não houvesse rastros de vida ali — as altas chamas iluminavam o local enquanto crepitavam suavemente. Meu estômago apertou violentamente em náusea e recuei para perto de Arya. O calor da aura dela me envolveu de um modo familiar, nossas auras se mesclaram tornado-se novamente uma só. Cautelosamente desviamos por outro caminho que conseguimos encontrar em meio ao fogo crescente. Olhei distintamente para cada acompanhante; Alexander tinha uma expressão serena e inabalável, Nero estava serio e alerta como um tigre pronto para o ataque, Arya era sem duvida a mais alheia à energia, ignorando-a como se não a comprometesse em nada. Acho que de todos que estavam ali, eu era a mais afetada. Afinal, não tinha energia para me proteger da vibração negativa que o Inferno emanava. Aproveitei para estudar Arya um pouco mais. Fiquei um bom tempo reparando em cada respiração e movimento dela e até conseguia classificar cada diferença entre nós. Meus cabelos são mais escuros e não possuíam tantas ondas do que de Arya e eram curtos, enquanto os dela parecia chocolate derretido caindo em suas costas. O corpo de Arya era curvilíneo e perfeito, suas feições mostrava fragilidade ao mesmo tempo uma sensualidade e maturidade notáveis. Ela também se movimentava com classe e poder digna de uma dama do século XV. A forte presença e a confiança que emanava dela faziam que ficasse ainda mais bonita. Arya possuía uma beleza quase divina. Porque não sou como ela? Era para ser, não? Encolhi-me um pouco, e percebendo meu desconforto Arya sorriu amavelmente. — Tem algo errado? — ela indagou. — Hm, nada! — forcei um sorriso, resolvi mudar o assunto para algo que queria saber — Na verdade, gostaria de saber mais sobre você... — O que quer saber exatamente? — Sobre suas origens e seus poderes para começar — Bem, — houve uma longa pausa, tão longa que pensei que não seria respondida — explicar tudo sobre minhas origens é um tanto longo... — Conte-me tenho direito de saber! Arya virou-se para mim, fitando-me de frente e fixando sem pestanejar. Os olhos um pouco estreitos com determinação. Ela tombou lentamente a cabeça, talvez estivesse refletindo no que me diria. Ela começou. Ela falou calma e prudente escolhendo com cuidado as palavras. Contou sobre a família, o pai rígido que a amava e a mãe doce e meiga, segundo ela o pai era um grande líder do clã Lunier, Gael Lunier Von Swartlight — um dos grandes e principais Unchants da época —, contou um pouco sobre sua vida e educação, por fim contou sobre Sparda. — Sparda foi um grande amigo, um homem bom e de caráter — ela sorriu, deixando-se levar pelas memórias. — Ele, mesmo sendo um demônio, possuía um coração humano. E quando a guerra de dois mil anos se englobou para além do domínio humano e nosso clã teve que lutar, ele nos ajudou. — Você e Sparda não tiveram um romance...? — Oh, não! — ela exclamou surpresa, seus traços finos pareciam sutilmente ruborizados — Éramos apenas amigos. Alias, melhores amigos. Além disso, fiz um juramento na época que me impedia de ter esse tipo de relação. — Juramento? — Essa parte você não precisa saber, não é importante. Dei de ombros. — E a guerra? — Sparda liderou um grande exercito no começo, mas lutou boa parte da guerra sozinho. Claro que eu o acompanhei! Essa guerra foi tortuosa e muitas vidas foram perdidas... Foi terrível! Escutei completamente absorta, e fiquei tão envolvida com a história que era como se estivesse presenciando e vivendo-a. E de fato era isso, as memórias começaram a se desdobrar na minha frente; Uma era de Arya estava com Sparda em um jardim e ela entregou a ele uma flor, ele a encarou por um breve instante e sorriu solene. A seguinte; Era Arya lutando em meio a cadáveres e cercadas por demônios. Apesar disso, ela parecia tranquila e imperturbável. Portando o Santo Graal, ela cortava tudo que atravessava seu caminho, saltou em frente ao um pequeno grupo e os talhou todos com violência até um pouco animalesca. A visão dela parecia diferente do que via agora. O sangue jorrava como cachoeira, mas isso não parecia intimida-la. Com rapidez e uma fúria devastadora — quase podia senti-la —, ela continuou abrindo passagem por entre aquele grupo de demônios. Um deles quase a pegou de surpresa, porém ela se adiantou. Atirou o peso para o lado enquanto desviava do ataque, aproveitando esses breves segundos para investir com furor contra seu oponente. Cortou o braço da criatura, derrubando-o contra o chão frio e lamacento. A ultima; Sparda e Arya. Ambos estavam feridos e sangravam, mas ainda lutavam com força e sagacidade, eles se moviam com uma sincronia quase perfeita. Eu podia ver tudo pelos olhos de Arya. Ok, já tive o suficiente! Experimentar essas memórias fora bem intenso. Em determinada parte do trajeto, Arya deu uma parada. — Acho que esse é o momento de deixa-los; Antes, Diva eu tenho um presente para você. Arya andou serenamente até estar diretamente em minha frente. A aura que irradiava dela era cheia de intensidade, ternura e paz ilimitada e incondicional que me fez estremecer e fechar os olhos. Ela tocou suavemente meus ombros, e nesse momento, abri os olhos para encará-la. Os olhos verdes avelã estavam radiantes como uma criança que ganha um doce. Senti meu rosto arder. Então, ela esticou os braços para mim. Não compreendi no inicio, mas aparentemente ela queria me abraçar. Com uma expressão pacífica e majestosa, ela me tomou em seus braços. Deixei que ela me guiasse para si, e foi tudo muito rápido, m*l pude me preparar para o impulso, apenas senti os lábios dela acertarem em cheio os meus. Permaneci parada, em choque. Digamos que ser beijada por uma garota era muito — muito mesmo — diferente e bizarro. E não era apenas um selinho rápido e quase despercebido. Era um forte e envolvente beijo, Arya enlaçou os braços ao redor do meu pescoço e me apertou firme. Não sabia o que devia fazer, meu interior estava em colapso. No entanto, não senti nada s****l naquele beijo, era casto e carregado de poder. Era isso, Arya estava retornando a forma original, que sou eu. Então estávamos no fim? Chegamos ao nosso objetivo? Consegui experimentar nossas mente se conectando, a turbilhão de emoções se ligando e nossas energias se unindo e tornando-se uma só. Retribui o beijo com mais intensidade — sei que é estranho, mas fazer o que se tudo era questão de necessidade. Quando meu corpo se encheu com Poder novamente, Arya tinha desaparecido e eu me senti mais forte que nunca. Esse deve ser o presente que Arya queria me dar. O Poder. Eu não senti mais frio ou fraqueza, estava plena e maravilhosamente bem. Sorridente, voltei minha atenção a Nero e Alexander. Eles desviaram o olhar de mim, constrangidos. Até o ponderado e enigmático Alexander estava com o rosto vermelho vivo. A cena deve ter sido muito constrangedora tanto para eles quanto foi para mim. Eu ri, internamente. Olhe pra frente!, a voz doce de Arya ecoou na minha mente. Meus olhos varreram o campo a adiante de nós e não consegui ver nada além da figura que estava ali. Em meio a espinhos que perfuravam agressivamente sua carne e pregado num cruz, ensanguentado e extremamente pálido e ferido, um Dante inconsciente. Havia demônios cercando o local. Poder vê-lo fez meu coração se encheu de mistos de sentimentos; alegria, compaixão, raiva, uma fúria animal e determinação. A cólera me inundou com força, juntamente com a felicidade quase imediata e a atitude protetora. — Dante, vou te salvar nem que tenha que destruir o Inferno no processo! — rosnei ao vento.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD