A noite ainda não havia terminado quando Elisa e Eduardo chegaram à cobertura. O carro deslizou silencioso pelas ruas iluminadas do Rio de Janeiro, mas o clima dentro dele era sufocante. Elisa manteve o olhar fixo nas luzes da cidade que passavam velozes pela janela, como se quisesse se agarrar àquele movimento para não pensar no vazio que a esperava. Eduardo, por outro lado, permanecia calado, rígido no banco ao lado, como se cada palavra fosse um peso que ele não estava disposto a carregar.
Ao chegarem, o porteiro abriu as portas com respeito exagerado, refletindo o prestígio de quem habitava aquele prédio. O elevador os levou em silêncio até o último andar, onde as portas se abriram para revelar a cobertura de Eduardo. O espaço era amplo, moderno e impecavelmente decorado. Cada detalhe revelava luxo e sofisticação, mas também a frieza de quem transformara o lar em um cartão de visitas. Não havia calor, não havia vida.
Elisa entrou devagar, como quem invade território inimigo. O salto fino ecoava sobre o mármore polido, e ela sentiu uma pontada de desconforto. A grandiosidade daquele lugar a oprimia, e ao mesmo tempo, deixava claro que não pertencia ali.
Eduardo tirou o paletó e o largou no encosto do sofá, sem se preocupar com ela. Serviu-se de um uísque no bar da sala e bebeu um gole demorado antes de se virar para a recém-esposa.
— Este é o nosso lar agora — disse, sem emoção. — Espero que saiba se comportar à altura.
Elisa ergueu os olhos para ele, tentando decifrar se havia alguma provocação escondida em suas palavras. Mas encontrou apenas a máscara fria que ele sustentava desde o altar.
— Não precisa se preocupar, Eduardo. Não tenho intenção de envergonhá-lo. — Sua voz saiu firme, mas por dentro o coração batia descompassado.
Ele assentiu com um meio sorriso irônico e se afastou em direção ao quarto principal, deixando-a sozinha em meio ao luxo gelado da sala. Elisa respirou fundo, tentando conter a angústia que crescia dentro de si. Naquela noite, não era apenas o silêncio que a sufocava, mas a certeza de que, mesmo casada, estava sozinha.
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A manhã seguinte chegou pesada, anunciada pelo toque insistente do telefone. Elisa, ainda deitada na cama de hóspedes — pois não tivera coragem de dividir a cama com Eduardo —, atendeu com a voz embargada de sono.
Do outro lado, a notícia caiu como um raio: Francisca Santos havia falecido durante a madrugada.
Por um momento, Elisa ficou muda, como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. O coração se apertou e uma dor profunda tomou conta dela. A avó fora sua única referência, sua fortaleza silenciosa, e agora se fora sem sequer despedir-se.
As lágrimas vieram em silêncio, escorrendo pelo rosto enquanto ela apertava o telefone contra o ouvido.
— Como… como assim? Eu falei com ela ontem… — murmurou, sem acreditar.
— Foi rápido, Elisa. O coração não resistiu. Ela se foi em paz — respondeu a voz do outro lado, cheia de pesar.
Eduardo entrou na sala ao ouvir o choro e parou à porta, observando-a sem se aproximar. O copo de café ainda em mãos, ele parecia um estranho diante da dor dela. Quando Elisa desligou a ligação, os olhos vermelhos e a respiração entrecortada, ele apenas perguntou, sem emoção:
— O que aconteceu?
— Minha avó… — a voz dela falhou. — Ela morreu.
Um silêncio pesado se instalou entre os dois. Elisa esperava, talvez, um gesto mínimo de consolo, uma palavra de apoio. Mas Eduardo apenas baixou os olhos e deu mais um gole no café.
— Sinto muito. — A frase saiu seca, como uma formalidade que ele precisava cumprir. — Providenciarei o carro para o enterro.
E foi embora.
Elisa sentiu o peito arder. A ausência de empatia era tão dolorosa quanto a própria perda. Sozinha na sala luxuosa, ela chorou como não fazia desde criança, abraçando-se como única forma de consolo.
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O enterro foi discreto, mas carregado de emoção. Elisa vestiu-se de preto e ficou ao lado do caixão, observando o rosto sereno da avó uma última vez. As palavras do padre pareciam distantes, abafadas pela dor surda que tomava conta de seu peito.
Eduardo estava lá, é claro, cumprindo o papel de marido exemplar diante da sociedade. Suas mãos estavam firmes, sua postura impecável. Mas não havia nada além disso. Ele não tocou Elisa, não ofereceu o ombro, não disse nada além de frases protocolares a conhecidos e amigos da família.
Para os presentes, ele parecia um homem forte, sustentando a esposa em um momento difícil. Mas Elisa sabia a verdade: estava completamente só.
Quando o caixão foi descido à terra, uma parte dela pareceu ser enterrada junto. Era como se tivesse perdido não apenas a avó, mas também a única ponte que ainda a ligava ao passado, ao lar, ao afeto.
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De volta à cobertura, a frieza de Eduardo tornou-se ainda mais evidente. Ele se trancava no escritório por horas, mergulhado em papéis e negócios, como se nada tivesse acontecido. Elisa vagava pelos corredores amplos, perdida entre paredes de vidro e móveis caros, tentando se acostumar a uma vida que mais parecia uma prisão dourada.
No primeiro jantar após o luto, sentaram-se à mesa longa e imponente, mas o silêncio era tão cortante que Elisa m*l conseguia engolir a comida. Eduardo, com o olhar fixo no prato, quebrou o silêncio apenas para dar uma ordem.
— Amanhã teremos um jantar com investidores. Quero que esteja presente.
Ela o encarou, surpresa.
— Minha avó foi enterrada hoje, Eduardo. Eu não estou em condições de...
— A vida não para, Elisa. — Ele a interrompeu com frieza. — Você precisa entender isso se quiser viver ao meu lado.
As palavras dele soaram como facas, mas também despertaram algo dentro dela. Um misto de raiva e determinação. Elisa não respondera naquele momento, mas em seu íntimo prometeu que não deixaria que Eduardo a esmagasse.
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As noites seguintes foram de silêncio. Elisa chorava baixinho em seu quarto, enquanto Eduardo permanecia distante no dele. Mas mesmo na arrogância dele, havia algo estranho: em alguns momentos, quando pensava que ela não percebia, o olhar dele se demorava sobre ela. Havia curiosidade, talvez até um resquício de humanidade, mas logo ele se escondia atrás da máscara de frieza.
Elisa, por sua vez, começava a descobrir que sua maior força seria justamente o silêncio. Não o silêncio da submissão, mas o silêncio que guarda promessas. Promessa de resistir. Promessa de, um dia, quebrar as barreiras que Eduardo erguia.
Naquele primeiro dia de vida juntos, marcado pelo luto e pela distância, ficou claro que a convivência seria uma guerra silenciosa. Eduardo com sua arrogância, Elisa com sua resiliência. Dois mundos opostos, forçados a dividir o mesmo teto.
E no fundo, sem perceber, algo começava a germinar no coração de ambos. Não era amor, não ainda. Mas era a semente de uma história que nenhum deles conseguiria controlar.