CAPÍTULO 1

1886 Words
NORA  6 meses depois... O pôr do sol costumava ser algo bonito quando eu tinha cinco anos e o assistia em um sofá velho com meu avô paterno, no alto do prédio antigo onde morávamos com meus pais. O apartamento era pequeno e ficava em uma região marginalizada da Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos. A nossa vida não era luxuosa, sequer confortável financeiramente, mas, ainda assim, eu me sentia feliz e sortuda por tê-lo. Mas tudo mudou quando vovô morreu após uma série de complicações no transplante de pulmão que recebeu um ano antes e fiquei sem sua proteção. Nada era pior do que lidar sozinha com a gritaria entre meus pais, principalmente quando a noite chegava e meu progenitor voltava bêbado, sem dinheiro e violento pra casa, eu era muito nova na época, mas consigo lembrar perfeitamente quais foram as últimas palavras dele quando mamãe arrumou nossos pertences, segurou minha mão e bateu a porta sem olhar pra trás. " Não volte. " Ele não me olhou, pediu um abraço ou seque se opôs com o fato de estarem levando sua única filha pra longe. Nunca houve uma ligação, mensagem ou abraço de despedida. Aquele foi o último dia que o vi. No começo foi difícil me habituar com a ideia de que minha família não existia mais, mas mamãe me garantiu enquanto descíamos a escada enferrujada do prédio que tudo ficaria bem, então, ignorei o aperto no meu peito e acreditei nela. Foram três meses morando de favor na casa de uma amiga sua e mais um mês nos fundos da casa de uma família rica onde ela trabalhou até juntar o dinheiro suficiente para sua vinda ao Brasil, eu não pude ir porque era necessário uma autorização do meu pai e ele havia sumido do mapa, fui deixada com sua amiga, mantendo contato apenas por mensagem durante seis meses. Eu chorava durante a noite e fingia estar bem pelo dia, a saudade se transformou em medo e comecei a pensar que tinha sido esquecida. Suzane era boa, no entanto, seu emprego como enfermeira em um hospital público exigia muito do seu tempo e eu era obrigada a me virar sozinha. Ela tinha um filho, um garotinho doente e que precisava de cuidados especiais. No meu aniversário de sete anos mamãe retornou diferente, seu cabelo estava longo e tingido de loiro, anéis nos dedos e joias pelo pescoço e orelhas, ela chegou na surdina pouco antes da meia noite e trouxe uma boneca com várias funções, deu um dinheiro para Suzane e me disse para esquecer a vida antiga, pois começaríamos do zero. Ela conheceu um homem rico, foi o que ouvi elas falarem quando conversavam baixo na cozinha. Não foi minha intenção ouvir, mas eu havia terminado meu banho rápido e estava saudosa de sua companhia, então peguei o pente e corri até onde elas estavam o mais rápido que pude. Na manhã do dia seguinte, fui levada para conhecer José Luiz, as minhas mãos tremiam, suando frio. Meu coração cheio de receio. Eu só conseguia pensar em qual seria a consequência se ele não gostasse de mim, no entanto, tudo foi esquecido quando meus olhos se bateram com os seus, ele sorriu, abriu os braços e me ergueu para o alto, não pude deixar de compará-lo com meu pai naquele momento. Ele era jovem, vestia roupas bonitas e prometeu que cuidaria tanto de mim quanto da minha mãe, jurou de mindinho que sempre estaria ao meu lado e eu nunca mais ficaria para trás. Ele nos trouxe para o Brasil sem nenhum problema, comprou uma casa grande em um residencial elegante, com poucos moradores e isolado na cidade de Águas mornas em Florianópolis, onde conheci minhas melhores amigas e cresci. — O que a minha boneca está pensando para sorrir dessa forma? — Meus olhos vão direto para as suas íris pratas. Meu sorriso se amplia e tento dizer pra mim mesma que é normal ter o coração acelerado em sua presença, não há nada de errado nisso. Nada. — Pensei que chegaria mais tarde hoje. — Comento, indo até ele e retirando seu blazer. — Sente-se. — Empurro seu tronco na direção do sofá e ele rir antes de fazer o que peço, incendiando meu corpo com sua risada rouca e barulhenta. — Fiquei preocupado depois que fiquei sabendo de sua amiga, ela está bem? — Indaga, adotando uma expressão séria e cuidadosa. Eu libero um suspiro e me ajoelho aos seus pés, retirando primeiro o par esquerdo de seu sapato para fazer o mesmo com o direito, com o canto dos olhos o observo me olhando atento, acompanhando meus movimentos, me dando todo o tempo do mundo. — Sim, Talia foi internada em uma clínica de recuperação para dependentes químicos, mas as visitas foram descartadas até segunda ordem. — Explico melancólica, afastando a lembrança do corpo de uma das minhas melhores amigas caído no chão do banheiro da universidade. — Ei, vem aqui. — Ele me puxa para seu colo, me pondo sentada de lado enquanto enxuga minhas lágrimas com a ponta dos dedos. — Sinto muito, baby. — Sussurra, dando beijos cálidos na minha testa. Meu choro aumenta e sem pedir permissão, encaixo a cabeça na curvatura do seu pescoço e fico por lá, aninhada ao seu corpo. — Tudo bem, pode chorar. Eu estou bem aqui. — Fala. — Ela ..eu Me atrapalho com as palavras e ele me aperta em seus braços. — Shiii ... — Eu deveria ter notado, ela andava estranha desde o enterro da Ari, achei que lhe dar espaço e respeitar sua forma de lidar com o luto seria o suficiente. Talia sempre gostou de curtir e experimentar coisas novas, nunca houve limites. Aumento o choro, começando a fazer barulho. — Tudo bem. — Ela poderia ter morrido, Zé. — Falo entre lágrimas, engolindo o soluço. Seus dedos percorrem minhas bochechas e recolhem o líquido salgado. — Ela poderia ter morrido e a culpa seria minha. Seu olhar se torna sombrio. — Não. — Ele me corta ríspido. — Se, Talia tivesse morrido de overdose a culpa seria inteiramente dela e dos pais, que são tão ocupados que não enxergam a própria filha. Você é só uma menina e já tem problemas demais. Nunca mais ouse se culpar, entendeu? — Mas... — Nunca mais, Nora. Nunca mais. — Ele praticamente rosna, me ordenando com os olhos. Afirmo com a cabeça. — Você estava estudando? — Pergunta ao virar o rosto e checar a pilha de livros pelo nosso largo sofá. — Tenho uma prova antes das férias, mas não consegui me concentrar. — Admito, voltando a apoiar minha cabeça em seu ombro. Ele me acolhe com os braços fortes e se aninha em mim, descansando a cabeça na minha. — Você é muito esforçada, boneca. Precisa se divertir um pouco mais, não tem como lidar com os problemas de todos. — Fala, invadindo minha camiseta larga com a palma da mão para iniciar um carinho gostoso nas minhas costas. — O que posso fazer? Os problemas me procuram. Isso tá gostoso. — Ele rir contra o meu cabelo e desliza a mão para dentro da minha blusa, tocando minha coluna com suavidade, indo até a região onde eu deveria ter um sutiã, mas não tenho, ele percebe e se torna tenso embaixo de mim. — Continua. — Uso um tom dengoso, precisando desse agrado depois do dia agitado de hoje. Ele demora alguns segundos, mas volta com o toque repetitivo, subindo e descendo em movimentos delicados. Fecho meus olhos e me permito relaxar, tendo a sensação de segurança que sua presença sempre me causa. Toco sua barba rala em retribuição e um riso nasalado o deixa. — Gosto do seu cheiro. — Falo, inspirando próximo ao seu pescoço. — Eu também gosto do seu, boneca. Você cheira como morango e chocolate, eu até poderia morder. — Senhor ... Mil desculpas, eu não queria incomodar. — Justine, a nossa governanta e empregada mais antiga diz, desviando os olhos do patrão como se tivesse acabado de fazer algo muito, muito, muito errado. José Luiz para com o carinho, mas mantém a mão dentro da minha blusa. — O que aconteceu, Justine? — Seu tom é grave, impaciente e deixa claro que não gostou de que ela tenha nos atrapalhado. Ele sempre age assim quando o assunto sou eu, apesar de não ser sua filha verdadeira, Zé sempre foi cuidadosa e extremamente protetor comigo. E, apesar de agir sempre com indiferença, tanto eu quanto ele temos ciência dos burburinhos pelos corredores da nossa casa, sabemos o que os empregados pensam sobre nossa relação e isso o irrita mesmo que não admita. — Queria perguntar sobre o jantar, Senhor. A senhorita Nora falou que não estava com fome, então pensei em mandar uma bandeja para o seu quarto. — A mulher fala com a cabeça baixa, evitando o olhar do padrão e fico com pena dela. — Ela vai jantar comigo na mesa, só preciso tomar um banho primeiro. — Sim, senhor. — A mulher diz antes de sair praticamente correndo. — Não precisava ser tão rígido, Zé. — Minha voz sai mansa perto do seu ouvido, ele gira a cabeça para alinhar nossos olhos e meu corpo treme com a intensidade das íris pratas. Esse homem será minha ruína. — Eu não fui rígido, apenas não gostei da forma que ela te olhou e não vou admitir que qualquer um a destrate. Essa também é sua casa e eles precisam te respeitar como tal. — Eu não sou a patroa de ninguém. — Resmungo e ele aperta minha coxa. — Você é minha herdeira, Nora. Reviro meus olhos. — Você fala como se fosse um velho prestes a morrer, mas só há quinze anos de diferença entre nós. Ele arqueia a sobrancelha e me estuda, como se minhas palavras significassem bem mais do que realmente devem significar. — Isso é muito, boneca. Só que não me importo, tenho trinta e sete com corpinho de vinte. — Brinca e nós dois sorrimos. Mordo meus lábios, incapaz de não notar seu corpo tão próximo. Tão duro e atraente. — Que olhar é esse? — Indaga com um sorriso de canto. Limpo a garganta e tento sair de seu colo, mas ele me impede. — Se alguém falar algo que te machuque sobre nós, não pense duas vezes antes de me falar, ok? — Segura meu queixo para que o olhe. — Sim. — Ótimo, agora me deixe tomar um banho. — Ele bate na lateral da minha perna e me põe de pé. Sobe as escadas e some de vista. Me volto para os livros e capturo Justine me encarando de longe com um olhar julgador, empino o nariz e a encaro de volta, ela cede a pequena disputa após alguns segundos, entendendo que não é uma boa ideia entrar nesse jogo comigo e toma o rumo da cozinha. Meu celular vibra avisando a chegada de uma mensagem, o encontro perdido entre as folhas de provas antigas, mas quando leio o nome no visor penso duas vezes antes de ler o conteúdo. Que se dane. Ela não vai desistir. "Cansei de esperar por você, se não vier me encontrar na casa dos Bragantino amanhã, farei isso sozinha." Isadora.
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