Acordei cedo. E nem foi despertador não, foi vontade mesmo. Não sei que bruxaria é essa, mas dia de malhar meu corpo já desperta automático. Desci pra academia do prédio, aquela coisa toda cheia de vidro, ar-condicionado no talo, uns coroas tentando puxar ferro e as novinhas mais preocupadas em tirar selfie do que em fazer abdominal. Eu malho sério, tá? Não é pra ficar postando não. Meu objetivo é outro.
Voltei suada, descabelada e direto pra cozinha.
E o que eu encontro?
Meus pais praticamente fazendo pornô caseiro encostados na pia.
— Que nojo, mãe… — resmunguei, com a maior cara de desgosto.
Meu pai, todo abraçado nela, beijando, apertando as partes tudo, parou só pra dar uns selinhos de leve e rir da minha cara.
— Vem cá, minha loirinha… Tá com ciúmes, é? — Ele largou minha mãe e veio na minha direção.
— Nem fodendo! — tentei fugir, mas ele me agarrou pelo pescoço e começou a encher minha bochecha de beijo, igual aqueles tios chatos de aniversário. Só que esse era meu pai. Um grude.
Soltei dele e corri pro meu quarto, bufando.
Aqui em casa é assim mesmo. Eles vivem dizendo que se amam como dois adolescentes. A verdade é que eles foram adolescentes juntos. Cresceram praticamente como irmãos, até que um dia o bagulho virou safadeza e não teve mais volta. Casaram, tiveram o Gui, depois eu. Família tradicional brasileira, só que com histórico criminal.
Meu pai já foi dono de morro, parceiro. O Gringo, apelido famoso, conhecido em mais da metade do estado. Mas um dia ele largou tudo, fez aquele papo de “vida nova”, abriu um boteco na Zona Sul, virou restaurante, virou franquia, virou dinheiro. Hoje a gente é o que chamam de abastado. Mas ninguém pode saber disso. Pelo menos não desse passado. Aqui dentro ele é o paizão grudento que já foi dono de morro. Lá fora? Empresário.de sucesso.
Depois do banho — pelando, do jeito que eu gosto — fui pro closet escolher o look do dia. Escolhi um shortinho branco bem curto, camiseta da escola, tênis branco também, cabelo preso num coque bagunçado. Porque eu sabia que a Sophia ia vir na mesma pegada. Somos amigas há anos, mas é aquele tipo de amizade cheia de segredo. Eu nunca contei pra ela que meu pai já foi o Gringo… Ela também nunca me contou quem é o crush dela. Mas, sinceramente? Eu meio que já sei. Mulher sente essas paradas.
E não vou mentir: eu curto esse jogo escondido.
Meu sonho mesmo? Morar no morro. Aquilo ali é outro universo. A vibe, a energia, a sensação de perigo. Não é só status, é viver como minha mãe viveu: a mulher do dono do pedaço. Primeira-dama da quebrada. Imagina eu, loirinha, dona do baile? p***a… é disso que eu gosto.
Peguei o carro emprestado do meu pai — ele deixa tudo pra mim, sou a filhinha dele, né? — e fui buscar a Sophia no morro. A mãe dela até acha estranho, mas finge costume. Gosto dela, mulher fina, mas com aquela pegada de quem sabe muito mais do que demonstra. Deve ter história ali. Aposto que tem.
Na hora que cheguei pra pegar a Sophia… quem tava lá?
Herus.
Meu Deus, Herus. Que delícia de homem. Não que eu seja dessas desesperadas, mas se a oportunidade vem, quem sou eu pra negar? O cara tem aquela cara de malandro, tatuagem, corrente, aquele jeito debochado que já me faz rir só de olhar.
Falei logo:
— Oi, gato — com sorriso e mordida no canto da boca.
Jogo limpo. Sem vergonha nenhuma. Flerto mesmo. Só que tem uma parada que nem a Sophia sabe: meu foco não é o Herus. Eu brinco, provoco, mas o prêmio é outro.
O prêmio é o irmão dela.
Zé Vicente.
Ah… o Zé. Ele finge que não me nota. Faz a linha sério, estudante de Direito, responsável, advogado em formação… mas quando olha pra mim, eu vejo o olhar dele pesar. Eu sinto. Homem não disfarça desejo com quem sabe ler olhar.
Na escola a vida tava corrida. Terceiro ano é pressão pura. Provas finais chegando, cabeça cheia. Mas minha cabeça tava mesmo era no coral. A escola sempre faz um evento em dezembro, final de ano, aquelas apresentações de pais babando e gente tirando foto. E eu quero o destaque, claro. Quero solo, quero palco, quero aplauso.
Mas no ensaio mesmo, eu tava com a cabeça em outro canto.
Não via a hora de sair dali e encontrar ele de novo.
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Saindo da escola, o dia já tava ficando aquele fim de tarde bonito, céu meio alaranjado. Sophia saiu primeiro da sala, mas foi pro banheiro, meio calada, meio aérea. Ela sempre dá essas viajadas quando tá pensando em alguém — e hoje eu sabia bem em quem era.
Só que o que me fez abrir um sorriso foi ver quem veio buscar ela.
Zé Vicente.
De moto, óculos escuros, camisa básica, aquele jeito largado que, vou te falar, me desmonta.
Aproximei devagar.
— E aí, doutorzinho, soltei, toda toda.
Ele olhou pra mim daquele jeito dele, meio sério, meio desafiador. Sabe quando o cara quer te beijar, mas não quer dar o braço a torcer?
— Veio buscar sua irmã ou veio me buscar também?
Ele deu um sorrisinho de canto.
— Quem sabe? — respondeu.
Fingi que não liguei, mas meu coração deu aquela acelerada marota.
— Me passa teu @ aí, advogado. Vai que eu preciso de uma ajudinha jurídica qualquer dia desses… — Falei piscando. Não perco viagem.
Peguei o celular dele e já salvei com estilo: “Zé Advogado emoji de fogo”.
Sophia, espertinha, já foi soltando:
— Imagina que sonho, a Milena sendo minha cunhada?
Rolei os olhos, mas por dentro já tava rindo.
— Calma, garota. Cada coisa no seu tempo.
Eles saíram na moto, e eu no carro, voltando pro meu apê.
Mas chegando em casa, deitada na minha cama king size, com o ar condicionado ligado e a playlist tocando baixinho, fui direto abrir o direct.
— E aí, advogado… Vai me defender ou vai me condenar?
Enviei com emoji de fogo.
Dois segundos depois: visualizado. Outro segundo: digitando.
“Depende… Cê costuma ser culpada?”
Aí eu sorri grande.
Agora começou de verdade.
Primeira-dama não nasce, se faz.
E eu tô pronta pra ser a dona desse morro.
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