Capítulo 37. Coisas difíceis de dizer

1101 Words
— Você quer que eu fale? — Ela disse baixinho, a irritação escondida sob uma camada de mágoa real. — Então tá. Eu vou falar. Adrian ficou em silêncio, esperando. Eleonora cruzou os braços, erguendo o queixo. — Você age como se eu tivesse te abandonado. Como se só eu tivesse errado. Mas sabe o que sempre me irritou em você, Adrian? — Ela deu um passo pra frente, agora ela que reduzia a distância. — Você sempre me afastou quando eu tentava me aproximar. Os olhos dele se arregalaram. — Como é que é? — É isso mesmo. — Ela assentiu, firme. — Sabe quando você diz que eu ficava com meus amigos metidos e te largava sozinho? Pois é. Mas você esquece das vezes em que eu chegava perto de você e você dava uma desculpa esfarrapada pra ir embora. Ou das vezes que você ficava com vergonha de falar comigo na frente dos seus primos mais velhos, lembra? — Ela sorriu amargo. — Ou do aniversário do seu pai, quando tentei passar a noite inteira ao seu lado, e você fingiu que estava ocupado conversando com os adultos. Adrian ficou mudo. — Isso… — Ele começou, engolindo em seco. — Isso não é verdade. — Não é? — Eleonora arqueou uma sobrancelha. — Eu me lembro de você me evitar muito antes de vir pro internato. Você começou a se afastar primeiro. E sabe do que eu lembro também? Ela cruzou os braços mais apertado. — Eu lembro de você sempre me excluir quando o assunto era algo que você achava “sério demais” pra eu entender. Engenharia, mecanismos, tecnologia… você falava disso com os outros, mas quando eu me aproximava, você mudava de assunto. Como se eu fosse… sei lá. Burra. Ou fútil. A palavra “burra” atingiu Adrian como um golpe. — Eu nunca pensei isso de você — ele disse rápido, quase defensivo. — Mas fez eu me sentir assim. — Eleonora concluiu, sem hesitar. — Várias vezes. Adrian abriu a boca… mas não tinha defesa. Ele nunca tinha visto por aquele ângulo. Nunca tinha parado pra pensar que, no meio do próprio desconforto, poderia realmente ter afastado ela. Eleonora desviou o olhar, mas havia um brilho úmido ali, não lágrimas, só aquela raiva magoada que vem acumulada por anos. — Você fala tanto que eu te deixei. Mas a verdade, Adrian? — Ela respirou fundo. — Nós dois fomos nos afastando. E… eu me cansei de tentar manter algo sozinha, cansei de tentar te impressionar. Silêncio. Um silêncio dolorido. Ela voltou o olhar para ele, agora firme, decidido: — Então não vem me cobrar como se eu fosse a única culpada. Não vem agir como se eu tivesse destruído nossa amizade. Porque você teve sua parcela nisso. Uma grande, inclusive. Ela passou por ele, dessa vez sem esperar resposta. E Adrian… não conseguiu se mover. Ficou ali, parado no corredor, sentindo o golpe emocional que Eleonora tinha acabado de lhe dar porque nada do que ela disse parecia mentira. E pela primeira vez, ele percebeu: Ele também tinha machucado ela. E muito mais do que imaginava. Adrian ficou parado no corredor ainda por vários segundos depois que Eleonora se afastou. A respiração dele estava pesada, como se tivesse levado um soco no estômago e, de certa forma, tinha levado. Cada frase dela ecoava na cabeça dele como um martelo. “Você sempre me afastou.” “Você me fazia sentir burra.” “Eu tentei manter a amizade sozinha.” “Você teve sua parcela nisso.” Ele passou a mão pelos cabelos, frustração e culpa misturadas num nó apertado no peito. Ele era inteligente. Um dos melhores do internato. Mas pela primeira vez, percebia que naquilo em sentimentos, em pessoas ele tinha sido completamente cego. Andou até o pátio, tentando processar. Os amigos o viram chegar, mas Adrian se jogou num banco de pedra sem dizer nada. Miles foi o primeiro a se aproximar. — Cara… você tá estático. O que aconteceu? Adrian apoiou os antebraços nos joelhos e encarou o chão. — Eu fiz merda — murmurou. Ryan sentou do outro lado. — Vocês brigaram? Adrian soltou uma risada curta, sem humor. — Não… Ela só… — ele fechou os olhos, tentando organizar o pensamento. — Ela só me disse umas verdades. Os amigos se entreolharam. — Tipo? Adrian respirou fundo. — Tipo que eu sempre a deixei de lado. Que eu a fiz se sentir burra. Que… eu sempre trocava assuntos com outras pessoas, mas nunca com ela. — Ele esfregou o rosto com as mãos. — E pior… eu acho que ela tá certa. Miles deixou escapar um assobio baixo. — Isso é complicado. — Complicado é pouco — Adrian respondeu, amargo. — Eu fiquei tão preso na ideia de que ela tinha me abandonado que… nunca parei pra pensar no que eu fiz. E a memória voltou com força. Eleonora, pequenininha, tentando mostrar um desenho pra ele enquanto ele estava ocupado desmontando um brinquedo. Eleonora tentando acompanhar uma conversa dele com primos mais velhos e ele cortando o assunto. Ela chamando ele pra ficar com ela em festas de família e ele dizendo que ia “dar uma volta” apenas para ficar sozinho, desconfortável com a atenção dela. — Eu… sempre tive vergonha — Adrian admitiu. — Eu era tímido, travado, e ela… — respirou fundo — ela sempre foi incrível. Popular. Linda desde criança. Ela brilhava e eu… não queria parecer ridículo perto dela. Acho que… eu acabava fugindo. Ryan assentiu lentamente. — Então vocês dois se machucaram tentando se proteger. Adrian olhou para frente, perdido nos próprios pensamentos. — Ela tá magoada comigo, muito magoada— murmurou. — Tá. — Miles confirmou, honesto. — Mas ela falou com você, né? Mesmo que tenha sido brabo. Isso já é alguma coisa. A cabeça de Adrian caiu para trás, encostando no banco. — Não sei nem por onde começar. — Começa pedindo desculpa — Ryan disse. — De verdade. Não daquele jeito irritado e defensivo que você faz. Adrian franziu a boca. — Eu não faço assim. Os dois amigos o encararam com a mesma expressão. — Faz. — responderam juntos. Ele soltou um suspiro derrotado. Por um instante, ficou em silêncio absoluto, olhando para o céu azul do Arizona. E então, pela primeira vez em muito tempo, Adrian admitiu para si mesmo, e apenas para si mesmo: Ele sentia saudade de Eleonora. Da amiga que ela tinha sido. Da menina que sempre tentava se aproximar dele. E se odiava por só ter percebido isso agora.
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