— Suba um pouco mais o coque! — Ordenou Stella analisando minha imagem pelo reflexo do espelho.
Estou há horas no seu ateliê onde já tive praticamente um dia de SPA. Estava nesse exato momento envolvida por um roupão macio enquanto um cabelereiro mexia no meu cabelo e a maquiadora dava os últimos retoques na minha maquiagem. Com tantas massagens e fluidos corporais para deixar minha pele com um viço solar e um brilho hidratante, eu me sentia flutuar. Nunca tirei tanto tempo para ser cuidada, e ao ver tudo finalizando, um brilho intenso não saia dos meus olhos, eu me sentia bem, me sentia bonita e me arrisco dizer, empoderada!
Meu cabelo estava preso em um coque despojado enquanto poucos fios propositais caiam contornando meu rosto. Minha maquiagem não era muito pesada, mas ainda assim, é muito mais do que já usei. Meus olhos foram evidenciados e mesmo que nem sejam claros, ganharam um tom amêndoa pelo contorno felino, que a maquiadora me explicou ser sua técnica de fox eyes, que deixavam meus olhos naturalmente sexys, felinos e com a lentidão da piscada Stella definiu como fatais.
— Prontinho, querida. — Finalizou a maquiadora guardando seu gloss.
— Obrigada. — Agradeci fitando minha imagem pelo espelho. Nunca me senti tão bonita.
— Está perfeita! — Disse Stella, erguendo meu queixo com delicadeza. — Não finalize o cabelo ainda Beni, a fita da máscara de dominó ficara presa dentro dos fios para ficar mais segura. — Beni assentiu torcendo mais uma mecha de cabelo para prende-lo.
A máscara estava no meu alcance de visão, estava ainda mais bonita do que quando provei, pois mais pontos de luz em pedrarias foram adicionados e quando Beni a colocou em mim, não conseguia me reconhecer no meu próprio reflexo, pois como Stella garantiu, eu só enxergava poder.
Não sei por quanto tempo me admirei diante daquele espelho, só desviei meu olhar quando Holly passou por mim com o vestido. Já estava na hora de me trocar.
— Disse a ele que vai estar de prata? — Perguntou enquanto me ajudava a se livrar do roupão. Eu não usaria sutiã essa noite, pois o vestido não permite, apenas uma calcinha de renda fina era considerado como lingerie, e o toque da minha pele estava tão suave, que a minha vontade era eu mesma me sentir.
— Disse, ele pediu para avisar quando chegasse. — Respondi. Holly estava mais ansiosa do que eu depois que contei sobre meu quase encontro com Joe, e me permitiu dizer somente para ele a cor do vestido que eu usaria, ele me respondeu com uma metáfora. "Entre o cinza e o preto, está o prata."
— Anya você vai dar tanto hoje que eu quero te ver chegar em casa descabaçada!
— Holly! — A repreendi por tanto.
— Cuidado com o b***a.
— Holly! — Protestei ainda mais séria.
— Não nesse sentido, eu vou subir o zíper, se não parar quieta vai beliscar. — Explicou rindo, para então puxar o zíper até o limite da minha lombar. — Prontinho.
Ela se afastou para admirar, no mesmo momento que Stella voltou para dentro do camarim improvisado.
— Holly o que vou te dizer é com muita franqueza. — Começou, circundando-me para analisar o vestido. — Nem eu faria uma obra de arte tão linda!
Os olhos da minha amiga se encheram de lágrimas, e um sorriso amplo nasceu.
— Obrigado Stella, sabe que isso é um sonho se realizando e eu serei eternamente grata pela oportunidade.
— Seremos uma dupla e tanto garota, muito em breve, seu nome estará no topo da lista de desejos, a começar por esse vestido. — Eu também estava emocionada, era o sonho da pessoa que mais me ajudou desde que cheguei a Seattle, e ajuda-la é o mínimo que eu faria para retribuir. — Anya, seu carro já está ai fora, lembre-se, vai ter um fotógrafo na entrada do hotel exclusivamente para mim, então não economize nos ângulos.
— Pode deixar. — Falei, descendo do palanque de prova. Os últimos instantes naquele ateliê foram de instruções e lembretes que eu de forma alguma poderia esquecer, como tirar a máscara, a parte mais importante dessa jogada de marketing de Stella, é que minha identidade permanecesse oculta. Holly me desejou boa sorte e uma ótima noite pós festa, garantindo que ela também teria uma, em uma balada com algumas amigas da faculdade.
Não muito tempo depois eu já estava a caminho do hotel onde aconteceria o evento. Meu nervosismo não era evidente, mas eu o sentia dentro de mim. Talvez, se eu tivesse vindo apenas como Anya, não estaria me sentindo assim.
Sustentando essa mulher sexy que Stella quis apresentar, eu me via em uma posição de atuar uma personagem. Uma mulher a altura desse vestido. E foi uma escolha minha concordar com essa postura, no momento em que o motorista estacionou de frente para o hotel.
Uma nuvem de fotógrafos apontaram suas câmeras para mim. Meus passos foram minimamente pensados e entre uma parada e outra, meu nome era perguntado. Uma segurança me guiou até a entrada principal com a fachada temporária da Archer, onde apenas fotógrafos credenciados podiam estar. Dentre eles, avistei a identificação do ateliê Stella Valencio e como ela pediu, não economizei nos ângulos. A pergunta que mais me fizeram era o que eu estava vestindo, e com orgulho anunciei a alta costura de Holly Price, assinada por Stella Valencio.
Como uma convidada qualquer, continuei meu caminho sendo guiada pela mesma segurança até a entrada do evento no salão de festas, e quando cheguei, atenta aos olhares ávidos sobre mim nos corredores em que andava, saquei rapidamente meu celular e avisei ao Joe que estava entrando. Não esperei pela sua resposta, pois de fundo já ouvia uma musica ambiente e os cenários ficando cada vez mais escuros. Todos, com exceção os seguranças, estavam de máscaras. As vestimentas variavam em uma tabela entre o cinza e o preto, dominados por brilho e pedrarias nas mulheres.
Prata é uma composição variável das duas cores, enquanto o cinza recebe o branco e o preto é a ausência de luz, o prata reluz a composição exata entre um e outro, antes da completa fusão, formando assim sua cintilação. E sim, eu me gabaria por saber disso sendo até agora, a única que escolhera essa cor.
Antes de atravessar o último ambiente que escondia o som envolvente, na voz de The Weeknd, suspirei e arrumei minha postura. Um rapaz estendeu sua mão para mim quando meus pés alcançaram a nuvem de fumaça artificial que pairava na superfície do chão, um gesto simplório e cavalheiro até o primeiro degrau da escadaria que eu teria de descer. Agradeci em um manear de cabeça e desci prevendo cada passo com contato visual.
Ergui meu olhar quase no fim dos degraus, onde encontrei dezenas deles sobre mim. Foi difícil fingir que eles não me afetavam, mas o fato de não saber quem estava me olhando era reconfortante, para mim, eles também eram desconhecidos, tudo o que eu via eram máscaras direcionadas na minha direção, enquanto a cada passo eu adentrava mais a multidão, conhecendo o ambiente.
A decoração foi completamente alterada. Capturei o conceito fúnebre, pois tudo remetia a uma obscuridão intrigante, sem muitos preceitos tecnológicos como eu me lembro de ter sido no último evento da Archer, por fotos é claro. Nada de futurista ou ostensivo, senão pelas pessoas que exibiam alta costura e joias em máscaras.
Passou por mim um garçom, oferecendo-me uma taça de champanhe e eu aceitei, continuando sem deixar de admirar todos os ambientes por onde passava, abrindo caminho nos grupos de pessoas que entre si conversavam. Tentava em vão procurar Joe, e penso que já posso até ter passado por ele, e não tê-lo reconhecido.
Uma loira de preto e máscara de renda surgiu no meu campo de visão. Pela má elaboração, Drizella era facilmente reconhecida, e cumprimentava quem passava por ela como se fosse anfitriã da festa. Era evidente que ela procurava por alguém, e vendo que estava vindo diretamente na minha direção, não desviei meu caminho.
Ao mesmo tempo, uma onda de nervosismo embrulhou meu estômago, encolhi os ombros involuntariamente.
Isso aqui não é pra gentinha como você, Anya!
Era sua voz na minha cabeça tentando me diminuir, mas um sorriso surgiu em seus lábios fitando-me de cima a baixo mesmo que eu estivesse barrando seu caminho, então percebi que ela não me reconheceu e o mesmo sorriso surgiu em mim. Drizella não parou, e ao contrário do que pensei, ela mesmo desviou.
— Finalmente! — Disse passando por mim. Meus olhos a seguiram e olhando por cima dos meus ombros, encontrei a figura de um homem caminhando em passos imponentes.
Um arrepio subiu pela minha espinha quando seus olhos encontraram os meus.
Não sei se por delírio ou sorte, mas mais fumaça artificial chegou até nós, enquanto o homem andava na minha direção, sem hesitar seu olhar lascivo sobre mim. Ombros largos e a postura intimidante arrancando todo o ar do meu pulmão, enquanto meu peito subia lentamente prendendo o restante do mesmo.
Parecia um anjo da morte vindo ao meu encontro, poderoso e imponente. Não precisou mais do que alguns segundos para que eu reconhecesse o maxilar marcante e a boca em uma linha endurecida. Era Cohen.
Drizella o alcançou no meio do caminho, deixando-me em duvida se ele realmente estava olhando para mim. Ela entrou no meu campo de visão, seu cabelo escondendo o rosto de Cohen, quando tudo o que vi foram suas mãos a segurando pelo braço, como se a quisesse desviá-la do seu caminho sem parecer rude, foi quando obriguei meus pés a saírem dali.
Muitos não me reconheceram, talvez pelo fato de eu não passar de uma ratinha invisível perambulando poucas vezes pelo edifício. Na maior parte do tempo eu estava na sombra de Cohen, sendo nada mais que sua agenda viva, sendo assim ele é o único essa noite que pode me reconhecer, mesmo estando tão diferente.
Olhando uma única vez para trás, encontrei novamente os olhos de Cohen em mim, enquanto Drizella tentava chamar sua atenção.
Depois que me vi longe dele, e mais misturada aos convidados, comecei a vagar pelo salão a procura do Joe. Me distraia com uma exposição ou outra, todas contando um pouco da trajetória da Archer, como quadros, fotos, os primeiros negócios, e me dei conta de que nada do que era relatado ali eu já não sabia.
Como a manchete do ano em que o pai do Cohen se aposentou, deixando tudo aos cuidados dele. Eu ainda morava em Minessota quando isso aconteceu, lembro do meu pai falando sobre suas expectativas pessoais, naquela época nenhum de nós tinha a menor esperança de um dia eu virar secretária pessoal de Cohen. E ao contrário das previsões pessimistas, Cohen ergueu um império encima do que foi deixado pelo seu pai.
— Eu gosto de exibir essas manchetes. — Assustei-me com a voz rouca e potente perto de mim. Olhando para o lado encontrei ninguém menos que Cohen, admirando seu perfil debaixo da máscara preta enquanto ele fitava a mesma matéria que eu. Seu maxilar marcado estava bem delineado, e uma covinha era evidente próximo a sua boca, enquanto um sorriso de canto a ressaltava. — Mas não pense que sou orgulhoso, é mais uma questão de deboche mesmo.
Eu não sabia o que dizer, tampouco se deveria dizer alguma coisa.
— Eu faria o mesmo. — Foi a única coisa que consegui dizer. Aproveitando que ele estava no seu momento de admirar a breve exposição no corredor, eu me direcionei para a próxima matéria do outro lado, contando sobre o sucesso na administração de Cohen.
Uma foto da capa da Forbes, seu primeiro de muitos reconhecimentos, ao lado de centenas de matérias com tema em tecnologia e desenvolvimento, como a parceria da Archer com o Google e f*******:.
— Prata é uma escolha interessante para um evento cinza e preto. — Suspirei com sua voz na minha nuca, não vislumbrei sua sombra pela visão panorâmica, apenas sentia sua presença atrás de mim.
— Interessante ou Inteligente? - Questionei curiosa.
— Inteligência é um termo específico demais. Mas, se você prefere. — Deixou no ar.
— Interessante. — murmurei, deixando um sorriso nascer.
— Não vai descobrir muita coisa olhando essas matérias. São meramente exibicionistas, se quer saber mais sobre Cohen Archer, pergunte. — Um arrepio subiu pela minha coluna, como se eu já não soubesse quem ele é. Então ponderei sobre a possibilidade dele não saber quem eu seja, e de certa forma me incomodei, pois no mesmo lugar, o reconheceria até de olhos vendados.
Talvez eu esteja muito, mas muito diferente. Ou talvez Cohen não me conheça tanto assim.
— Eu já sei o suficiente. — Respondi apenas. Quando ia sair, o toque na minha pele desnuda causou um calafrio quase paralisador.
Um arrepio violento subiu pela minha espinha lentamente, ouriçando minha nuca, me fazendo esquecer até como respirar.
Com a ponta dos dedos, ele traçou uma linha invisível nas minhas costas, lento e demoradamente.
O toque me desarmou por inteira. Tive que reforçar a lembrança de quem eu era, e de quem nós somos fora daqui. Cohen jamais me tocaria dessa forma, então acredito que mais um minuto perto dele seria um risco de descobrir quem eu era, e consequentemente meu emprego já era, pois a linha de profissionalismo foi mais do que invadida, ela foi quebrada e erotizada.
— Se contenta com o que os outros dizem de mim? — Sua voz soprou no meu ouvido. Senti o calor do seu corpo muito próximo.
— Me contento com minha falta de interesse, em saber mais do que já sei. — Não sei como encontrei forças para dizer isso, mas disse, e lutando contra a quase necessidade que eu adquiri de ter mais daquele toque, decidi deixa-lo ali, lançando uma última olhada por cima do meu ombro, me arrependendo logo que fiz.
A ponta do meu nariz encostou na pele da sua bochecha, sua boca estava a milímetros da minha, e seus olhos estavam baixos, olhando para a pele desnuda dos meus ombros, como se estivesse sentindo meu perfume.
— Mas eu não, na verdade, me incomoda o fato de não saber muito sobre a Dama de Prata que desceu aquelas escadas enlouquecendo cada maldito.
— Isso soa mais como ego ferido. Com licença. — Obriguei meus pés a saírem do lugar.
Cohen não é o tipo de homem que leva um fora, tampouco um homem que desiste fácil, portanto me apressei em procurar pelo Joe.
No momento, eu concentrei minhas energias em somente andar sempre ao lado oposto do dele, quando por um descuido me esbarrei com um rapaz.
— Desculpe. — Pedi educadamente. Vi sua expressão endurecida relaxar gradativamente ao me fitar mais apuradamente.
— Não foi nada. — Sua postura mudou, seu peito largo estufou e um sorriso discreto surgiu. Uma máscara cinza me impedia de ver melhor seu rosto, mas sua beleza era algo indiscutível, pois somente a imensidão n***a dos seus olhos me prenderam ali. Os cabelos tão pretos quanto as asas de um corvo. Ele é lindo. — Na verdade, eu acho que fui atingido em cheio.
Ironizou com um sorriso galanteador.
— Eu sinto muito.
— E eu sinto que já nos conhecemos. — Disse ele, virando finalmente todo seu corpo para mim.
— Eu sinto isso de todos por quem já passei, mas descobri que não tenho uma memória fotográfica tão boa assim.
— Adoraria te fazer lembrar, você certamente sabe quem sou. — A voz é realmente familiar, lembro vagamente de já ter esses mesmos olhos sobre mim, mas a máscara me confunde.
— Esse é um jogo que hoje eu não posso participar.
— Ah vamos, vai ser interessante ser tratado como um qualquer.
— Qualquer? — inquiri rindo. — Desculpe, mas mesmo com o uso das máscaras eu consigo distinguir convidados de funcionários.
A diferença estava na postura, modo de conversar e agir, de comer e até nas vestimentas. O trio que dançava na pista de dança próximo a nós nem precisava dizer, Hannah, Andrea e Ruby. É, até que era legal essa brincadeira de tentar descobrir.
— Se for assim, você só pode ser alguma sócia ou socialyte na qual eu não estou lembrado. — Foi inevitável não rir. — Por que está rindo?
— Porque hoje me disseram que eu poderia ser quem eu quiser.
— Maravilha, eu não sou ninguém pra você, e você está na minha falha memória distante, sendo assim, é o que estão dizendo sobre você, a Dama de Prata. Aceita dançar com um ninguém?
— Estou procurando por alguém.
— E quem garante esse alguém não seja eu?
— Porque quem eu procuro é loiro e tem os olhos claros como o dia, você parece a própria noite. — Outro sorriso de canto nasceu no canto dos seus lábios.
— Gostei da minha definição, mas senti ciúmes da descrição do outro. E já que não temos nada em comum, eu me declaro seu oponente mais perigoso.
É porque ele não conhece o Cohen.
Meu celular vibrou.
"Se eu não te encontrar em alguns minutos, vou anunciar seu nome no palco como uma criança perdida."
Ri sozinha dando ao Joe a vantagem de ser engraçado mesmo quando não queria.
— Eu preciso ir, mas prometo continuar tentando me lembrando de você. — Falei.
— Se lembrar, vai saber aonde me encontrar. — Assenti em um último sorriso, me afastando sentindo o olhar dele me seguir.