Mirela Narrando
As coisas pra gente que vem da favela nunca foram fáceis, e parece que a vida às vezes acaba dificultando ainda mais o processo nesse caminho. Nisso tudo que eu vivi até chegar nos dias de hoje, a única coisa boa que me aconteceu foi ter um pai maravilhoso que sempre esteve disposto a fazer tudo por mim e me dar o mundo.
Eu sempre amei tanto o meu pai, que não tenho nem palavras para explicar o sentimento que eu tenho por ele. A minha mãe nos abandonou assim que eu nasci, meu pai disse que ela nunca quis ser mãe e quando descobriu que estava grávida ela praticamente surtou e só não abortou porque ele deu muito dinheiro para ela para manter a gravidez, porém na primeira oportunidade que ela teve de se livrar de mim, ela pegou o dinheiro que o meu pai deu e sumiu o mundo a fora me deixando ainda recém-nascida com ele.
Meu pai sempre fez de tudo por mim e nunca me deixou faltar amor. Em todos os momentos da minha vida ele estava presente, e quando eu comecei a namorar com o Luiz, claro que como um bom pai teve aquela ameaça básica, mas ele super levou numa boa. Comecei a achar que a vida realmente estava olhando por mim e eu finalmente tinha motivos para dizer que eu tinha tudo o que uma pessoa poderia dizer que sempre quis.
O dia que encontramos a Maria Teresa aqui perto do Morro, eu percebi no olhar dela que ela tinha os seus traumas e também muito medo. Fui me aproximando aos poucos dela e hoje ela é uma das pessoas que eu mais amo nessa vida e agora eu entendo porque Deus colocou ela no meu caminho. Ele sabia que eu precisaria de alguém para me segurar quando a vida me tirasse as duas pessoas que eu amava.
Sofri muito com a morte do meu pai e do Luiz ao mesmo tempo, mas a todo momento a Maria Tereza estava segurando o meu mundo para não desabar, mesmo o dela precisando ser segurado também. A vida me deu de presente uma irmã e todos os dias eu faço questão de lembrar a ela o quanto eu a amo e o tanto que eu amo o Bento também e deixo bem claro que ela sempre vai poder contar comigo e com a May pra tudo que ela precisar.
Nós duas estamos feridas e precisamos recomeçar, porém eu ainda não tô pronta para entrar em um novo relacionamento porque eu amava tanto o Luiz, e perdê-lo me deixou em um luto eterno no qual eu não quero nunca mais passar novamente. Dedico totalmente o meu dia a minha filha e a minha creche. Eu amo estar rodeada pelos pequenos, a inocência deles me encanta e me traz toda a paz que eu preciso para acalmar o meu coração ferido.
Acordei cedo depois de um pesadelo, e levantei indo até a caminha da May pra ver se ela estava bem. Ela dormia como um anjo e então eu aproveitei para organizar algumas coisas aqui em casa porque hoje é dia de baile e eu vou trazer o Ben pra cá, para a Maria Tereza conseguir ir até o baile. Ela sempre diz que não faz questão, só que por ser de frente do Morro, às vezes ela precisa estar presente.
Terminei de organizar as roupas da May, passei uma vassoura na casa e depois um pano molhado e assim que tava subindo as escadas ouvi a vozinha dela me chamando.
May - Mamãe?- ela fala e eu abro a porta do quarto dando um sorriso para ela que me retribui.
Mirela - Bom dia meu amor, você dormiu bem?- eu pergunto para ela que balança a cabeça confirmando e coçando os olhinhos.
May - Quero o meu mama mamãe.- ela fala e eu confirmo pegando ela no colo.
Mirela - Primeiro vamos tomar um banho e arrumar esse cabelinho e depois nós descemos para tomar café juntinhas tá bom?! - ela balança a cabecinha dela confirmando.
Entrei no banheiro ligando o chuveiro e deixei a água bem quentinha pra poder colocar ela embaixo. Tirei a camisolinha dela, soltei o cabelinho dela porque vou aproveitar que está cedo para lavar e segurei na mãozinha dela que foi caminhando pra baixo da água. Coloquei um pouquinho de pasta na escova dela e escovei os dentinhos, enquanto deixei o creme de hidratação agindo, eu passei sabonete no corpinho dela e depois enxaguamos tudo junto.
Peguei um vestidinho para colocar nela, e fiz duas Marias chiquinhas deixando ela a coisa mais lindinha desse mundo. Fomos tomar café e eu já aproveitei e mandei mensagem para a Maria Tereza avisando que eu estava indo buscar o Ben e que era para ela ir aproveitar o baile hoje. Já eram quase 10 horas da manhã quando o rapaz que trás os nossos suplementos para a creche me ligou avisando que estava trazendo os alimentos da semana e eu confirmei dizendo que estava indo até lá para receber. Já aproveitei e passei na casa da Maria Tereza e peguei o Ben para ir comigo porque assim ela consegue fazer as coisas dela com calma.
A May assim que entra no carro já começou a cochilar, ontem ela acabou indo dormir bastante tarde, então, acho que ainda não descansou o suficiente. Fiquei com o Ben no meu colo porque rapidinho eu chegaria na creche e enquanto eu dirigia ele mexia no volante todo alegre.
Gosto de ficar com ele e com a May porque assim me mantém ocupada e não fico pensando somente no Luiz e na falta que eu sinto dele todos os dias. Depois que recebi as coisas na creche eu fui para casa fazer almoço para dar para as crianças. Assim que chegamos em casa a May acordou e ficou toda feliz quando viu o Ben, coloquei a caixa de brinquedo no chão para eles brincarem e um desenho na televisão para ir passando caso eles queiram assistir.
O dia passou rápido, a alegria de ter crianças em casa é meu acalanto, confesso que é cansativo, mas eu prefiro que seja assim. Fiz tudo que queria, ainda a tardinha voltei na creche com as crianças e elas ficaram brincando um pouco no parquinho que tem lá e eu fiz a minha vistoria, dia de sexta geralmente eu não fico muito aqui, eu fico mais em casa com a May e sempre pego o Ben pra ficar comigo também.
Voltei pra casa e fui dar um banho nas crianças e preparar o jantar, algo leve pra nós três e vou colocar um filme pra gente assistir, nosso melhor momento. Não sei quanto tempo depois eu acordei assustada, as crianças não estavam do meu lado, a televisão não estava mais ligada e eu estava sendo carregada.
O cheiro dele já tinha invadido o meu nariz e ali eu sabia que estava segura antes mesmo dele falar alguma coisa. Ele me colocou na cama com cuidado e eu sabia que estava segura, ele estava ali, o Chico sempre esteve ali e ele era o único que eu permitia se aproximar desse jeito de mim e só nele que eu confiava, era sempre ele, desde sempre ele.