Chico Narrando
Morro do Cantagalo, aqui nasci e me criei, tenho marcas no corpo defendendo o que sempre foi meu e continuarei tendo essas marcas e mais delas até o dia que o maior lá de cima permitir. Estou aqui no topo do morro, vendo de longe essa maravilha que se chama Rio de Janeiro e fumando o meu cigarro longe das reclamações da Patroinha, quem já viu? Dona de morro que não gosta de cheiro de cigarro e vende o que? Sorvete é ? Olhe, Maria Teresa e suas manias!
Daqui de cima parece tudo tranquilo, escuto de longe o som das motos subindo e descendo, um som de algum funk tocando em alguma laje por aí é aquela coisa, a normalidade de uma favela, mas, pra ela ser normal, está na paz, só Deus sabe os corre que a gente faz. É arrego pago pra polícia e acordo fechado pra ter uma certa proteção, é x9 no morro inimigo pra ter cada passo dele calculado, é segurança redobrada em cada canto dessa favela pra que os moradores consigam transitar e ter uma vida normal, a favela não para e a gente que tá de frente dela também não.
Que o diga Maria Teresa, que num susto pegou essa responsabilidade e desde então ela não para um minuto, além de tudo que já passou nessa vida antes de entrar no morro ela ainda iria levar uma rasteira aqui dentro. Foi a primeira morte dela, ela não teve pena ela só fez e fez bem feito, ali eu vi que ela não estava entrando pra o movimento pra brincadeira, ela tinha o morro no coração e ela iria fazer o melhor por ele, nosso chaveirinho forte como um touro e com sangue nos olhos vinte e quatro horas por dia.
Mas, apesar de eu ter uma admiração e um carinho enorme pela Maria, meu coração tem nome, dona de um sorriso lindo, de um gênio do cão e de uma personalidade fortíssima: Mirela! Filha do meu melhor amigo e mentor. Sou dez anos mais velho que ela, mas quem liga pra isso quando o coração já foi arrebatado, quando cada suspiro que eu dou eu penso nela e até o pai dela sabia disso e alguns dias antes dele falecer ele disse : Eu sei de tudo e se um dia eu vier a faltar aqui na terra cuida das minhas meninas e dos meus netos, eu só confio em você pra tudo e elas também e se a vida te der uma chance não desperdiça porque eu sei que teu coração é dela.
E sempre foi verdade, meu coração sempre foi dela! Um sentimento proibido, ela era casada, ele era nosso gerente, andava na linha e não vacilava com ela não, eles tinham acabado de ganhar a Mayra e estavam felizes e eu tinha que respeitar, eu nunca tive cocoragem de chegar nela, ela sempre foi diferente pra mim e eu não iria nunca furar o olho do parceiro.
Mas aí teve a tragédia e eu fiquei responsável por elas, por tudo, por treinar a Teresa, pra cuidar delas e das crianças, do morro e ela viveu um período enorme de luto e ela só vive a agora para a creche de onde ela é diretora e da May que tá crescendo e ficando sapeca e ainda tem o Bentinho que ela é apaixonada por ele. Eu tinha uma chance? Tinha! Ela não tinha mais ninguém, estava ali vulnerável, mas que merda de homem eu seria? Me aproveitar dela assim? Eu não sou assim e nunca serei, mas eu sei que meu momento vai chegar e enquanto não chega eu vivo minha vida de put. aria.
Já tinha resolvido as minhas coisas na boca, por um milagre a Teresa tinha ido pra o salão porque tinha resolvido ir para o baile, aquela dali só reza forte pra poder desacelerar viu, mas a vida sempre exigiu muito dela e ela sempre vai ser assim e só resta eu está sempre por perto pra proteger ela. Dei a última tragada no meu cigarro e joguei o resto num lixo que tinha ali, soltei a fumaça olhando o sol se pôr e isso era uma das vantagens de morar no morro, era um espetáculo a parte e nós éramos muito abençoados por isso.
subi na minha moto e fui dar um giro no morro e estava tudo fluindo bem, olhei as bocas e os moleques já estavam no corre da organização pras vendas do baile, já estava tudo frenético de novo, porque aqui nunca para pra nada. Recebi uma mensagem do Apolo, po.rra ele cresceu aqui, só não quis morar aqui e pra lascar foi ser policial, mas ainda sim fecha com nós. Ele nunca me pediu pra subir, sempre foi de boa, ele é filho da Sol que é muito querida por nós e p***a querendo ou não ele evita muito que tenha invasão da civil aqui e quando vai ter ele avisa logo. Acabei concordando e disse pra ele me avisar quando tiver chegando, vou buscar ele e ele vai ficar no reservado comigo e com a Maria, vai ser o jeito não posso prejudicar o cara desse jeito.
Subi pra minha casa e fui descansar um pouco, passei direto pra cozinha e fui bater um rango, já tava com fome. Tinha algumas coisas na geladeira e fiz um sanduíche e tomei um copão de suco, deixei tudo organizado e subi pra me organizar no quarto. Já passavam das sete da noite e estava cedo mas eu quero passar na casa da Mirela antes de ir, sei lá, quero ir lá pra ver se está tudo bem com ela e com as crianças já que hoje ela vai ficar com eles.
Tomei um banho demorado pra tentar relaxar, saí e fiz minhas higienes e fui pra o meu closet escolher uma roupa, escolhi uma beca toda preta, passei meu perfume e coloquei meu escapulário, meu relógio, minha glock na cintura e pronto. Sai de casa de moto e subi mais um pouco sentido a casa dela, assim que cheguei cumprimentei os vapores e fui entrando e dando de cara com eles dormindo no sofá com a televisão passando desenho, uma cena que me fez sorrir de lado e fiquei um tempo ali observando eles dois em cima dela dormindo serenos e ela segurando os dois como se eles fossem fugir a qualquer momento.
Com cuidado peguei o controle da televisão e desliguei ela, peguei primeiro a May nos braços e fui subindo as escadas colocando ela na cama dela, puxei a cama de baixo e coloquei a proteção da de cima e da de baixo. Desci e fui pegar o Bentinho e fiz a mesma coisa, coloquei ele na cama de baixo e depois liguei a luzinha do quarto e o ar condicionado, cobri os dois e dei um beijo em cada um.
Desci e fiquei olhando ela dormindo, dei um sorriso de lado e fui pegar ela nos braços e assim que ela sentiu que estava sendo carregada se acordou assustada.
Chico : Calma Mi, sou eu tá tudo bem! - falei tentando acalmar ela.
Mirela : Cadê as crianças? O que você está fazendo?- ela perguntou olhando ao redor e finalmente parou aqueles olhos lindos nos meus.
Chico : Está tudo bem, as crianças estão no quarto dormindo e estou levando você pra o seu, vamos! - falei com ela ainda nos braços e fui subindo as escadas com ela que se aninhou novamente no meu colo e eu sorrir de lado.
Entrei no quarto dela e coloquei ela na cama, fechei as cortinas, liguei o ar condicionado e fui cobrir ela.
Mirela : Obrigada por sempre está por perto! - ela fala baixinho de olhos fechados.
Chico : Eu sempre estarei! - falei dando um beijo na testa dela e eu juro que estava por um fio de desistir da p***a do baile e ficar aqui, mesmo que for sentado na poltrona velando o sono dela.
Mas, meu celular vibrou com uma mensagem que provavelmente seria do Apolo avisando que já tinha chegado e eu tinha que ir, porém, com o coração querendo ficar.