Farpas e Negócios

913 Words
David sentou-se à frente de Karen com a segurança ensaiada de quem passou anos acostumado a dominar reuniões. Mas, naquele momento, era ela quem conduzia tudo — com seu olhar firme, seu silêncio calculado, seu controle absoluto do ambiente. — Então — ela começou, cruzando as pernas com elegância. — Você precisa de mim. Ele engoliu seco. O tom dela não era provocador. Era factual, direto, como se estivesse apenas narrando o óbvio. E estava. — Preciso da sua empresa. — David respondeu, tentando manter a compostura. — Ambas as companhias atuam em setores complementares. Podemos crescer juntos. A proposta de aliança estratégica envolve um intercâmbio tecnológico, acesso ao nosso banco de dados e distribuição nos EUA. Karen não piscou. Apenas analisava. — Interessante. — disse ela, mexendo em um bloco de notas. — Mas por que eu investiria numa empresa à beira da falência? David respirou fundo. O ego queimava. Ele não estava acostumado a ser desafiado daquela forma — muito menos por alguém que um dia foi só uma sombra aos seus pés. — Porque, apesar das dificuldades, nossa empresa ainda tem valor de mercado. Temos tecnologia própria, patentes exclusivas, uma base sólida. Estamos com problemas de fluxo, sim, mas com a parceria certa... — ...vocês sobrevivem — ela completou, fria. — E vocês querem que eu seja essa parceria. — Você tem visão, Karen. Sabe que, com um plano bem estruturado, podemos lucrar muito. Ela sorriu. Pequeno. Suficiente para deixá-lo ainda mais desconcertado. — Não me chame de Karen — disse, firme. — Aqui, sou a presidente da K.V. Holdings. Você pode me chamar de Dra. Vieira ou Sra. Vieira. David assentiu lentamente, como se aquilo fosse mais um golpe. — Certo... Dra. Vieira. Silêncio. Um longo silêncio. Karen apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos. — Sabe, David, eu costumo tomar decisões baseadas em dados. Mas tem uma coisa que ainda me intriga. — O quê? — Você. — respondeu, direta. — Por que veio pessoalmente? Podia ter enviado um diretor, feito uma apresentação online... Mas preferiu vir até aqui, sentar-se à minha frente, e me encarar depois de tudo. David desviou os olhos por um breve segundo. — Porque eu sabia que não conseguiria convencê-la de longe. — Você acha que consegue me convencer de perto? Ele ergueu o olhar. Havia uma fagulha nos olhos dele. Parte desafio, parte algo que ela não conseguia identificar de imediato. — Quero tentar — respondeu com sinceridade. Karen o estudou por mais alguns segundos. Sabia jogar aquele jogo. Já enfrentara homens muito mais perigosos que David nos conselhos de administração. Mas aquele era pessoal. E por isso, mais delicado. — Vamos fazer o seguinte — disse ela, levantando-se e caminhando até a janela com vista para o mar. — Vou analisar sua proposta com calma. Minha equipe de finanças vai revisar os números. Se algo me interessar, voltamos a conversar. — E se não interessar? Ela se virou, o rosto iluminado pela luz do fim de tarde. — A porta é a mesma por onde você entrou. David riu de canto. A velha Karen teria chorado por essa frase. A mulher à sua frente a entregava com um tom gelado e sereno que ele nunca imaginou ouvir dela. — Você está diferente. — Eu sou diferente. — respondeu, categórica. — As dores fazem isso com as pessoas. Algumas viram vítimas. Outras, donas do próprio império. David a observou por longos segundos, como se tentasse enxergar vestígios da garota de antes. Mas ela havia sumido. No lugar, havia uma mulher que ele não conseguia decifrar — e isso o incomodava tanto quanto o fascinava. — Espero que considere a proposta — disse ele, levantando-se. — Eu também. Se valer meu tempo. Ele caminhou até a porta, mas antes de sair, virou-se. — Você se tornou poderosa, Karen. Isso é... admirável. Ela o encarou por cima dos óculos. — Eu não estou aqui para ser admirada, David. Estou aqui para comandar. A porta se fechou atrás dele com um clique seco. Karen sentou-se novamente, soltando o ar devagar. As emoções vinham em ondas, mesmo que o rosto permanecesse inexpressivo. Ela sabia que aquela história estava longe de terminar. Ele voltaria. Por negócios. Ou por orgulho. Talvez por algo mais. Mas agora, ela estava preparada. E pela primeira vez, não era ela quem corria atrás. Era ele. --- Nos dias seguintes, Karen mergulhou na proposta de David com sua equipe. Os dados eram sólidos, apesar das dívidas. Havia mesmo potencial. Um risco, claro — mas também uma oportunidade de expansão internacional sob controle brasileiro. E isso a seduzia mais do que qualquer lembrança. Enquanto isso, David permanecia no Rio, hospedado em um hotel de luxo. Passava os dias revendo relatórios, ligando para sócios, tentando manter a esperança viva. Mas, no fundo, pensava nela. Na mulher que o encarava com frieza. Na menina que ele destruiu com palavras que agora voltavam como um eco incômodo. E, ao anoitecer do quarto dia, o telefone de Karen tocou. Era sua secretária: — Dra. Vieira, o Sr. David Williams pediu para marcar uma nova reunião. Disse que deseja conversar... sem números. Apenas uma conversa entre vocês dois. Karen sorriu, um pouco surpresa. E um pouco curiosa. — Diga a ele que estarei disponível amanhã, às nove. Mas nada pessoal. É apenas estratégia. Mas no fundo, ela sabia. Nenhum dos dois conseguia mais separar o passado do presente. E a tensão entre os dois... estava só começando.
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