Estava na clínica do meu pai, atendendo os pacientes dele porque o meu velhinho ficou doente.
Sorte a dele que eu sou um prodígio, né?
Tenho só 23 anos e já me formei em medicina, agora tô fazendo especialização. Mas, sei lá, trabalhar aqui no lugar dele tá me fazendo questionar se é isso mesmo que eu quero pra minha vida.
A clínica tava cheia, como sempre. Meu pai é bonzinho demais — metade dessas pessoas nem paga, e ele nunca reclama.
Respirei fundo e chamei o próximo paciente.
— Próximo! — gritei, folheando a ficha sem muita vontade.
A porta se abriu e entrou um senhor de uns 60 anos, arrastando os pés. Parecia cansado, e a camisa dele tava amarrotada, como se tivesse dormido nela.
— Doutora Melissa? — ele perguntou, hesitante.
— Isso mesmo, pode sentar — respondi, tentando soar profissional, mesmo com a cabeça a mil. — O que traz o senhor hoje?
Ele tossiu antes de falar:
— Essa dor nas costas não passa, doutora. E agora tá subindo pro peito...
Franzi a testa. Dor nas costas que irradia pro peito não era bom sinal.
— Faz quanto tempo que tá assim?
— Uns três dias... mas hoje piorou.
Peguei o estetoscópio e me aproximei.
— Vou escutar seu coração, ok? E o senhor tem pressão alta?
— Tenho, mas não tomo remédio direito...
Clássico. Suspirei por dentro.
— Senhor João, né? Olha, pode ser só muscular, mas com esses sintomas, a gente não pode bobear. Vou pedir um eletro e encaminhar pro cardiologista, só pra garantir.
Ele fez uma cara preocupada.
— É grave, doutora?
— Não quero assustar o senhor, mas é melhor prevenir. E, por favor, volte a tomar os remédios direitinho.
Ele concordou com a cabeça, e eu preenchi a requisição, pensando como a maioria dos problemas aqui poderia ser evitada se as pessoas seguissem um tratamento direito. Mas, no fundo, sabia que muitas nem tinham escolha.
Enquanto ele saía, me peguei olhando pro teto, imaginando se ia passar a vida inteira nessa rotina. Será que era isso mesmo que eu queria?
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Já era fim de tarde, e eu ainda ali, atendendo sem hora pra acabar. A fila parecia que nunca diminuía — faltavam uns dez pacientes ainda. Respirei fundo, levantei da cadeira e saí da sala pra tomar um café, tentando espairecer um pouco.
Foi quando ouvi a porta da frente bater com força.
Olhei pra recepção e vi um rapaz alto, magro, com os olhos arregalados e uma pistola na mão. O meu coração disparou antes mesmo de eu processar o que estava acontecendo.
— Cadê o doutor Meyer? — ele perguntou, já invadindo a sala do meu pai, onde eu estava atendendo.
A recepcionista, uma moça nova que m*l tinha começado na semana passada, ficou branca.
— E-ele tá doente... não veio hoje — ela gaguejou, os dedos tremendo em cima do teclado.
O cara revirou os olhos, impaciente.
— Tem outro médico?
A recepcionista olhou pra mim, hesitante, mas não disse nada. Eu congelei.
Os olhos dele vieram direto pra mim, escaneando meu jaleco.
— Tu é médica? — ele jogou a pergunta como se já soubesse a resposta, fechando a distância entre a gente em dois passos.
Só consegui fazer que sim com a cabeça, a garganta seca.
Antes que eu pudesse reagir, ele me agarrou pelo braço, com uma força que deixou a pele ardendo.
— O doutor Meyer sempre cuida da molecada quando toma tiro. Tu que vai cuidar hoje.
Não deu tempo de pensar, de gritar, de nada. Ele me arrastou pra fora da clínica, e eu tropecei nos próprios pés, as pernas moles. O carro estava lá, porta aberta, e ele me jogou no banco de trás como se eu fosse um saco de farinha.
A porta bateu. O motor acelerou.
Eu estava dura, tensa, os dedos enterrados no assento, sem conseguir soltar um som. O carro subiu a rua, virando em direção ao morro, e tudo o que eu consegui pensar foi:
Meu pai nem sabe onde eu tô.
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