Uma Megera

934 Words
Martina parecia ser uma mulher muito severa e rígida, apesar de não aparentar nem trinta anos e eu me senti pressionada pela forma como ela falava e as suas exigências. Enquanto ela falava comigo, a pequena Eloá permanecia de pé, aguardando em silêncio a mãe terminar suas explicações e quando o fez, olhou para a filha e, sem ao menos um beijo ou qualquer demonstração de afeto, ela se retirou do quarto. Suspirei de alívio e vi que a Eloá fez a mesma coisa, o que trouxe um sorriso aos meus lábios, mas nada comentei. Aquele trabalho era muito importante e tentaria fazer tudo conforme a dona da casa desejava que fosse. Olhei para o pequeno relógio em meu pulso, presente de aniversário das freiras e percebi ser a hora do jantar da Eloá. Rapidamente a levei para cozinha, local onde ela fazia suas refeições e a supervisionei enquanto ela fazia sua refeição em silêncio, voltamos para seu quarto e eu troquei sua roupinha por um pijama, a coloquei na cama e estava prestes a pegar um dos livrinhos que estavam dispostos em uma prateleira do quarto, quando ela interrompeu o meu gesto. — A minha mãe não quer que leiam para mim. — Ela mesma vem ler uma historinha, antes de você dormir? — Não. — Ela falou. – Ela diz que devo dormir sozinha, pois não é sempre que ela tem tempo de ler para mim. — Mas eu posso ler para você. – Me prontifiquei. — A minha mãe não quer que leiam para mim. – Ela repetiu, deitada em sua caminha, parecendo bastante triste. Me senti triste também em ver como uma criança tão pequena ainda, apenas seis anos, parecia tão conformada com aquilo, lembrando de mim mesma no orfanato, onde não era possível que tivéssemos sempre uma pessoa para nos dar atenção especial, quando havia tantas crianças juntas. Mas eu não conseguia entender como uma criança que era filha única, era tratada daquela forma. Nada disse, no entanto, afinal, eu não deveria me indispor com a minha patroa de forma alguma. Fiquei sentada na poltrona, observando Eloá e pensando sobre aquilo até que a Abigail, a governanta, apareceu na porta do quarto, seu semblante sério, me chamando para a seguir. — Está tudo bem com a criança? – Ela perguntou. — Sim. — Você pode dormir, mas precisa ter atenção a menina. – Ela orientou. – Amanhã a Nicole chega às nove e você poderá descansar em seu quartinho. Fiz como ela orientou e já estava deitada em uma cama que ficava em um pequeno quarto anexo ao da Eloá, mais parecido a um closet que qualquer outra coisa, quando ouvi uma movimentação e me levantei de supetão, para verificar o que seria aquilo. Tomei um susto enorme ao ver um homem de terno, muito bonito, sentado na poltrona ao lado da cama da Eloá e afagando os seus cabelos de maneira carinhosa. — Boa noite, senhor. – Falei indecisa, mas não poderia ficar ali sem saber de quem se tratava. Era meu papel. — Oh! Olá. – Ele falou, parecendo ser uma pessoa bem simpática. – Parece assustada. – Comentou, pois, eu provavelmente estava de olhos arregalados, tal a surpresa por me deparar com uma pessoa me tratando com cortesia naquela casa. — Eu me assustei com a sua presença, senhor. – Acabei por confessar. — Peço desculpas, então. Ele acariciou mais uma vez os cabelos da Eloá e se levantou, se aproximando de mim. — Deixa eu me apresentar. – Ele estendeu sua mão, a oferecendo em cumprimento. – Sou Oliver Mackenzie, pai da Eloá. Fiquei ainda mais surpresa com a total diferença de comportamento que existia entre os pais da Eloá, mas apenas segurei em sua mão, aceitando o cumprimento. — E você, deve ser a Charlotte. – Ele meio afirmou, meio que perguntou, mediante o meu silêncio. — Perdão, senhor Mackenzie. Sou a Charlotte, nova babá da Eloá. — É um prazer conhecer você, Charlotte. Foi muito bem recomendada pela freira Catarina. – Ele soltou a minha mão e voltou ao seu lugar na poltrona. – Como está a Eloá hoje? — Tranquila, senhor. — Gostaria que você me falasse um pouco mais que isso. – Apesar de ter sido uma ordem velada, ele falou de maneira delicada. – Me conte um pouco mais sobre como foi o dia da minha filha. Estive o dia todo em reuniões e não pude dar atenção à minha pequenina. Atendi o seu pedido, mas expliquei que só havia estado com a Eloá por pouco tempo e não teria muita coisa a falar então. — E a Nicole? Você a conheceu? – Apesar de ter achado o jeito que ele perguntou pela Nicole um pouco estranha, eu não saberia explicar exatamente o motivo. — Ela foi embora assim que a senhora Martina chegou. – Disse apenas aquilo. Ele me olhou de uma maneira analítica, mas não disse nada. — Ficarei um pouco com a minha filha, mas pode ficar à vontade, caso queira se recolher. Entendi que ele gostaria de ficar a sós com a sua filha e pedi licença, caminhando para o quartinho em anexo, mas só consegui conciliar o sono depois que percebi que o senhor Oliver havia saído do quarto da Eloá. A minha primeira noite em um lugar diferente, após catorze anos morando no orfanato, foi muito estranha e quase não consegui dormir, acordando várias vezes e demorando muito a conseguir conciliar o sono, mas aquela era a minha nova vida e era bem melhor que a incerteza das ruas, pensei para me sentir melhor.
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