Capítulo 1
Laura amarrava seu cabelo enquanto escutava mais uma vez a briga de seus pais. Era a terceira vez naquela semana, era sempre seu pai que começava. Ela perdera as contas das vezes que amparou sua mãe depois das brigas, faltando às aulas de balé para ficar ao lado dela. Acolhendo a mulher que lhe dera à luz, mas que naquele momento precisava do colo da filha. Ao mesmo tempo em que Laura cuidava da mãe, também ajudava a cuidar da irmã pequena de quatro anos. Era ela para as duas. Seu pai não era um homem r**m; tinha seus problemas como todos. Ele era presente, sempre fazia questão de estar por dentro da vida das filhas, comprava presentes e às vezes saía junto com a família, mas esses eram momentos raros.
Assim que Laura ouviu a porta da sala ser fechada com força, correu para o quarto onde sua mãe estava e a encontrou na cama, chorando copiosamente agarrada a um travesseiro branco.
— Não chore, mamãe! — Seus dedos brincaram entre os fios de cabelos sedosos de sua mãe. — Isso é apenas uma fase. Eu li uma vez em algum artigo que a maioria dos casais passam por crises assim. Logo a senhora e o papai estarão de bem. Acredite!
Nem ela mesma acreditava em suas palavras. De certa forma, achava que o casamento dos pais não tinha mais jeito, as brigas eram efeito do desgaste de ambos. Eles perderam a paixão do início do casamento, o que os mantinham juntos eram as filhas.
Sua a mãe a olhou como se pedisse por ajuda, e sem falar nada abraçou a filha. Chorou outra vez em seu ombro e ali ficou até que seu coração estivesse mais tranquilo.
A sensação que Laura sentia naquele momento era de sufocamento. Ela queria gritar com pai, fazer com que ele enxergasse o m*l que estava fazendo a sua mãe e a si mesmo. Insistir em um amor que não te faz bem, não é sadio, e Laura sabia disso.
Quando sua mãe já não mais chorava, ela a olhou nos olhos e sorriu. Aquele sorriso dizia que estaria com ela no que fosse preciso. Beijou a testa suada da mãe e saiu para sua aula de dança. Já estava em cima da hora. O ônibus passava as cinco horas da tarde, nem um minuto a mais. Ela teria que esperar o próximo ou pegar um táxi se quisesse chegar na hora e não levar uma advertência. A escola de dança onde estudava era uma das melhores de Nova Iorque, e para ela, era tudo ou nada. Seria naquele lugar que ela realizaria seu sonho de se tornar uma grande bailarina, assim como sua mãe foi antes de se casar. Laura não suportava o fato de que seu pai obrigara a sua mãe a largar a dança. Para ela, era algo inadmissível, abrir mão dos seus sonhos por outra pessoa, ainda mais um homem. Não cometeria o mesmo erro que sua mãe, mesmo seu pai não concordando. Ele achava um absurdo a filha querer seguir os passos da mãe, para ele, dançar não era um trabalho digno, não para uma mulher descente.
Roendo o pouco de unha que ainda lhe sobrava, caminhou até o ponto de táxi mais próximo de sua casa. Sairia mais caro, mas ela não aceitaria ganhar uma advertência por causa do pai. Assim que avistou um táxi livre, Laura correu e entrou dentro do veículo amarelo. O motorista assustado, a olhou e como sempre acontecia com todos ao redor da morena estonteante, ela o ganhou com apenas um sorriso sem graça.
— Por favor, ande rápido. Estou atrasada — pediu, olhando as horas em seu celular.
O senhor de cabelos brancos e pele enrugada não disse nada. Ligou o rádio do táxi e cantou pneus pelas ruas movimentadas de Nova Iorque. Não podia se dar ao luxo de faltar, afinal de contas, era bolsista, e como toda bolsista, Laura deveria seguir as regras. Um deslize e tudo iria por água abaixo.
No banco de trás do carro, Laura trocava mensagens de textos com sua melhor amiga, Christina, que sempre serviu de diário quando precisava desabafar. Assim que as mensagens acabaram, guardou seu celular na bolsa e olhou para a janela. Através do vidro ela viu a cidade passar correndo. Viu mulheres lindas desfilando sobre seus saltos altos pelas calçadas, homens que praticamente perdiam a cabeça ao olhar elas passando. Imaginou se algum dia seria ela a arrancar suspiros dos homens. Sorrindo dos seus próprios pensamentos, Laura sacudiu a cabeça mandando embora as ideias.
O prédio da escola de artes Dance Art School se aproximava. Ela já conseguia ver as janelas dos andares onde várias turmas praticavam hip hop. Pagou pela corrida e agradeceu ao taxista. Arrumou sua mochila nas costas e seguiu rumo adentro dos portões de ferro.
Alguns alunos que estavam no pátio central da escola dançavam, outros apenas estavam ali jogando conversa fora até o sinal bater. Caminhou até um dos bancos de concreto e sentou-se. Faltava menos de dez minutos para a primeira aula começar. Novamente, verificou o horário em seu celular e viu uma chamada perdida de sua mãe. De início estranhou, já que sua mãe quase não ligava quando ela estava na escola. Alguma coisa muito grave deveria ter acontecido, pensou. Com apenas um toque, retornou à ligação: chamou uma, duas, três vezes e ninguém atendeu. Ligou novamente e outra vez caixa de mensagem. Seu coração acelerou de uma maneira que jamais aconteceu antes. Sua respiração ficou pesada. Uma sensação estranha se alastrou pelo seu corpo tomando conta de tudo.
Laura queria correr para casa, mas sabia que se fizesse isso corria o risco de perder sua bolsa de estudos. Uma das várias regras que ela deveria seguir era de não faltar sem motivo, e naquele mês já tinha uma falta devido a uma forte gripe que sua irmã pegou. Passou a noite acordada com Nicolle no colo, o que resultou em sua falta no dia seguinte. O cansaço havia falado mais alto a fazendo perder a hora naquela tarde.
Engolindo todas aquelas sensações estranhas, Laura guardou o celular ao ouvir o sinal tocar. Primeira aula: dança contemporânea.
— Boa tarde! — Olga, a professora que não sorria para ninguém, entrou na sala e os cumprimentou. — Andem logo, não tenho a tarde toda. Estilo livre hoje. Christina, você é a primeira.
Enquanto Christina se deixava ser levada pela música, Laura não parou de pensar no motivo pelo qual sua mãe havia ligado. Sua cabeça não parava de formular perguntas sem respostas, algumas até eram sem nexo. Tudo o que ela queria era sair dali e tirar da cabeça e de seus ombros aquela dúvida maldita.
— Laura. Laura! — Olga gritou. — Onde está com a cabeça? Estou lhe chamando, mas parece que você está em outro lugar.
— Desculpe! — Limitou-se a não dizer mais nada. Olga não gostava muito de Laura, e qualquer palavra que ela falasse, seria um grande motivo para ser levada até a diretora Díaz.
Inspirado e expirando, Laura esticou o braço e o desceu. Rodopiou e saltou conforme seu coração e corpo mandavam, mas sua mente dizia para fazer diferente, e isso causou o conflito e uma queda. Todos na sala ficaram calados, era proibido rir ou fazer piadas sobre os outros alunos, mas essa regra parecia não valer para Olga.