Daniel

1971 Palavras
Quando chego na Escola, vou diretamente olhar as minhas notas no muro. A maioria são um desastre, como sempre. Vejo na lista o nome do Daniel, o irmão da Antónia, o dom perfeito. Ele tira dez em tudo. Acho que ele é um alienígena. Será que ele falsifica os resultados? Segundo o que me disseram, eu tenho que ir vê-lo do grêmio estudantil para ele me ajudar com a recuperação. Estou um pouco ansiosa e com certa vergonha do seu julgamento, mas ele ao parecer faz este tipo de tarefas em vez dos professores, por causa da sua excelência acadêmica. Ele ganha alguns benefícios cumprindo essa função. Então procuro o grêmio, bato na porta e entro. Encontro o Daniel sentado numa espécie de despacho, lendo um livro. Ele desvia o olhar e me fita com frieza. Parece que eu não mereço a sua atenção completa. Parece que a leitura é bem mais importante do que eu, por isso ele não se levanta para falar comigo, nem me recebe mais adequadamente. Ele é tão imaculado e dentro dos padrões, com sua camiseta social, gravata, e cabelo perfeitamente cortado. Nossos estilos de vestir se chocam e não se misturam, como água com óleo. Somos totalmente opostos. ─ Olá, venho para a recuperação. - Digo. ─ Hm... - ele folheia alguns papéis que estão na sua mesa. ─ Nome? ─ Fonseca, Malvina Lynn. ─ Ok. - Ele segue procurando e me olha por um momento nos olhos, sério. Fico gelada. Ele parece haver ficado nervoso, ou descolocado. Está me analisando. ─ Escuta. - diz o cara, que parece haver recuperado a compostura. ─ Vá à sala A16, no segundo andar, daqui exatamente 30 minutos. Eu vou acabar de ler este capítulo, tomar um café e ir ajudar você. Tudo certo? ─ Certo. - Respondo. ─ Perdão pelo incômodo. ─ Nos vemos em meia hora. - Ele responde, apenas. Saio e fecho a porta. E dou uma respirada profunda, liberando toda a tensão. Que cara chato do c*****o. Vou para fora fumar um baseado e fico lendo um romance no celular até passar exatamente meia hora. Logo subo as escadas e chego dois minutos tarde. Vejo Daniel em pé com uma ficha na mão e a apresentação do powerpoint preparada no telão. Ele está segurando o controle remoto do projetor. Nossa, o cara já estava aqui antes de mim. Foram só dois minutos de atraso. Me sento, sem graça, numa carteira perto dele, me sentindo a burra do pedaço. ─ Boa tarde, Lynn. - Ele diz. E aperta o play. ─ Eu vou explicar tudo, detalhadamente. Mas preciso da sua completa atenção, certo? - ele me fita, com seus olhos verdes, profundamente. Parece que não confia nada em mim. Assinto, sem graça. Coloco uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, sentindo como minhas bochechas estão rosando e nem sei o porquê. Seu cabelo tem um tom dourado natural, perfeito, combina com seus olhos verdes. Ele é tão jovem e forte. Nunca vi uma gravata tão bem colocada e milimetrada, e uma camisa social tão bem passada. Que horas que esse menino acorda para vir para cá? Estou me sentindo realmente m*l. Talvez seja eu quem seja um completo desastre mesmo. Ah, quer saber? Vou provocá-lo até ele perder a paciência. ─ Certo, Daniel. - Murmuro, sensualmente. Ele me olha desconfiado e abro um sorriso ladeado. Solto um risinho contido e olho para ele. Daniel suspira, discretamente, com as mãos dentro dos bolsos. ─ Na Língua Inglesa... - ele começa. ─ Há três verbos auxiliares. "Do". - Hm, o jeito dele de dizer "do" é bem sexy. Sorrio. ─ "Have" e "Be". Os outros verbos são verbos modais ou verbos léxicos. E é essencial diferenciar cada um deles para não cometer erros gramaticais. Estou sozinha na sala e ele é tão distante, como se fossemos completos desconhecidos, nada de camaradagem. Sua prepotência me irrita. Ele passa o powerpoint, que contém todos os usos dos verbos auxiliares, modais e léxicos, assim como suas colocações dentro da frase em inglês. Tento prestar atenção na sua explicação por um tempo. No terceiro slide, há uns exercícios para eu fazer. ─ Entendeu? - ele pergunta, me olhando. ─ Agora faz estes exercícios, e quando acabar me chama. - Daniel coloca as mãos nos bolsos da calça de novo e fica me observando de longe. Coro outra vez, agito o meu lápis e olho para baixo, copiando as frases. Eram vinte. Que chato. Tento resolvê-las o melhor que posso. ─ Sabe uma coisa que foge do seu controle, Danny... - digo, erguendo uma sobrancelha e abrindo um sorriso ladeado, com as vinte frases acabadas. Olho para ele. Seus lábios ficaram roxos de nervosismo. ─ Hm? - ele murmura, se aproximando. ─ O quê? ─ Não. Nada. - Dou uma risada suave. Eu ia dizer que o fato dele ser muito lindo ia distrair todo mundo em qualquer lugar. Dando aula, falando com seus trabalhadores, etc. Provavelmente ele me daria um corte que eu voltaria para casa chorando. Então calei a boca. ─ Mm... Lynn... - ele suspira o meu nome. ─ Você já está distraída de novo, não é? - ele se aproxima da minha carteira, e me fita, inclinando seu corpo para olhar os meus exercícios, e logo o meu rosto. Apesar do seu semblante sério, sinto que se diverte um pouco. ─ O que eu faço, Danny? - murmuro. ─ Eu sou assim... Não consigo ser como você. - Me justifico. ─ Tão concentrada. Sempre estou no mundo da lua. - Solto um risinho leve, e feminino, levado. Ele parece gostar do elogio e do fato de eu estar me rebaixando para ele. ─ Hm... Se você prefere acreditar nisto... - ele ergue uma sobrancelha, ainda com as mãos nos bolsos. Se apoia um pouco sentado na mesa da carteira que está vazia do meu lado direito, e me olha, com um sorriso pequeno. ─ Com trabalho duro todos vocês poderiam ser como eu. - É, até que ele não é tão antipático. ─ Eu acho que não. Alguns somos naturalmente mais distraídos do que outros. ─ Hm... Você pode ter razão nesse aspecto... - ele sussurra. ─ Algumas pessoas são mais evasivas e distraídas. Mas isso não quer dizer que vocês não sejam inteligentes. Só quer dizer que precisam de mais foco e disciplina. Disciplina... Interessante. ─ Hm... - Sussurro. ─ No que eu deveria me focar? No fato de que... Você me lembra bastante alguém? Ou nos meus exercícios de inglês? Ele engole em seco. ─ Nos seus exercícios de inglês, mocinha. Já posso vê-los? Assinto. Ele toma a minha folha e a olha, e depois marca com caneta vermelha as quatro que estão erradas. ─ Ué... ─ diz Daniel. ─ Quatro erros de vinte é uma porcentagem de 80% de acertos. Não entendo por que você não aprovou Inglês. ─ Provavelmente eu estava nervosa. - Concluo. ─ Hm... - ele murmura por longos segundos e logo abre um sorriso presumido. ─ Não há nada mais triste neste mundo do que uma pessoa que finge ser burra, quando é capaz de muito mais. - Daniel ri suavemente, e me olha. ─ Obrigada, Danny. Eu não finjo ser burra. Eu sou bem inteligente, só que eu penso demais e em muitas coisas. - Mantenho o meu sorriso. Minha mente ainda divaga. ─ É um r***o normal aqui neste lugar. Exceto os que estamos estudando Arquitetura Efêmera. Nós normalmente não temos este problema, pode ser porque usamos mais o lado esquerdo do cérebro. ─ Sabe... - dou um risinho. ─ Eu tenho a sensação de já ter visto um garoto bem parecido com você. ─ Ah, sim? - ele abre um sorriso malicioso. ─ Isso é fácil de acontecer, Lynn. Afinal, quantos garotos loiros de olhos verdes há por aí, não? - ele solta um risinho desde a garganta, sem deixá-lo escapar pelos lábios. ─ Eu não vi a cor dos olhos dele. - dou uma piscadela, com um sorriso ladeado, o provocando. Cruzo minhas pernas por baixo da mesa. ─ Onde você viu esse "garoto parecido comigo"? - ele pergunta juntando as mãos sobre sua calça. ─ Perto da minha casa. - Dou um risinho. ─ Perto da sua casa? ─ Deixa para lá. - Eu rio outra vez. Daniel fica intrigado. ─ Hm... - Ele apoia as mãos na mesa, e me olha com um sorriso ladeado. ─ Era você? - Sussurro. ─ Não sei do que está falando. - Ele expande o seu sorrisinho. ─ Misterioso. - Respondo. ─ Eu só queria ouvir um sim, ou um não. ─ Você viaja mesmo, Malvina Lynn. Você também não aprovou Desenho Técnico, não é? ─ Não. - Respondo e suspiro. Então começo a procurar os meus exercícios de Desenho. ─ E essa é minha especialidade. - Ele sorri. ─ Por que não? Foi falta de atenção também? ─ Deve ter sido, eu passo o dia inteiro divagando nas minhas fantasias. - Falo, provocantemente. ─ Hm. Hoje mesmo eu li que pessoas evasivas na verdade têm medo de confiar nos demais. Como eu quero que você aprove, já que isso vai beneficiar nós dois, quero saber o que é que eu tenho que fazer para você aprender esses exercícios de geometria? ─ Para confiar em você, eu preciso que você desfrouxe a sua gravata. Não confio em caras engravatados. - Sigo provocando, não o levando a sério. ─ Ué, por quê? - ele começa a rir com suavidade. ─ É formal demais. Se você descer do salto e parecer mais normal, eu vou entrar num ambiente psicologicamente mais confortável e aprenderei com mais facilidade. ─ Olha só, que convincente quando quer. Abro um sorriso sensual. Ele começa a afrouxar sua gravata azul escura, puxando-a com uma mão. ─ Assim está bom? - ele me olha, com uma sobrancelha suspensa, e um ar divertido. ─ Você já confia em mim? ─ Mais ou menos. Agora sente-se aqui do meu lado, e me ensine com carinho. Como se fôssemos da mesma família. - Sorrio. ─ Faz sentido. - Daniel puxa a cadeira da outra carteira e a coloca do meu lado. ─ O quê? - sorrio, sentindo sua presença mais próxima. ─ As suas exigências. - Ele completa. ─ Você precisa confiar em mim como se eu fosse da sua família. - Ele abre um sorriso ladeado. ─ Sim. - Murmuro, mas não coro dessa vez. Ele estava certo sobre mim. É tão analítico. Ele se aproxima bastante e começa a ler os meus exercícios de geometria e a corrigi-los. ─ Está tudo errado. - Daniel gargalha. ─ Você está rindo de mim, Daniel perfeito? Porque é super inapropriado! - exclamo e ele ri mais ainda. ─ Desculpa. - Ele diz com a cara vermelha, mordendo o lábio para não seguir gargalhando. ─ É que você escreveu que 3+1 é 6. - Ele segue rindo. Acabo gargalhando com ele. ─ Viu só? Sou mesmo um desastre! Uma distraída! - coro inteira. ─ Calma, Lynn. - Ele respira profundamente uma vez, controlando o riso. Seu rosto ainda está vermelho. ─ Vamos fazer isso que você disse então. Você imagina que eu sou o seu irmão mais velho. Isso te deixaria mais confiante? - ele ri suavemente. Hm. Fico inteira vermelha. ─ Olha... assim... - Ele toca a minha cabeça com suavidade, e faz um carinho leve com a ponta dos dedos. Logo me olha nos olhos. Abro um pequeno sorriso. ─ Viu? Pode confiar em mim. Eu não vou rir de você, Lynn. - Ele sorri, com doçura. Não, claro que não. ─ Tá bom... Você é o meu irmão mais velho? - sussurro com um sorriso ladeado. ─ Você quer saber por que eu não me concentro, maninho? - inclino minha cabeça levemente em sua direção, com um olhar malicioso.
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