Esther
Sento na porta, que agora é minha única amiga, dentro desta imensa solidão, meu padrasto, e meus irmãos seguiram até a cidade mais próxima, uma vez por mês, eles iam até lá, para abastecer os nossos armários, a esperança que os meus irmãos fugissem, era grande, mas parecia que nunca daria certo, nem quando recorremos às autoridades — que faziam vista grossas para as barbaridades que Geraldo fazia connosco, mas disto eu sei de onde vem o pagamento, o meu corpo corrompido, não teve chances de lutar, quando novamente alguém que era para me proteger, ajudou o meu carrasco, a destruir-me.
Tentando não pensar mais em nada, saio da porta, o vento afoga o mormaço, e agradeço pelas árvores, pois sem energia, certamente, os mosquitos nos comeriam.
Ajeito a pequena tigela de legumes, o gerador que temos aqui, tem energia somente para a geladeira, já velha e que m*l congela.
Pela janela, vejo as plantações de couve, folhas essas, que amava colher com mamãe. Sinto a sua falta, sinto falta quando afagava os meus cabelos em meio a noite, sinto falta como foi meu porto quando papai, nos deixou.
A sua morte foi tão violenta, que enquanto esfrego com a vassoura — já velha — este piso batido, que muitas vezes, tive meu rosto arrastado, por conta da minha rebeldia, não contenho as lágrimas, deixando que elas lave a minha alma, como sempre faço quando estou sozinha, não permito que mais ninguém, veja o meu sofrimento.
A Esther corajosa, já não vive para ela, mas sim pelos seus irmãos, eu sonho com o dia, em que eles não voltem mais, e que então o meu fim chegará, pois já não existe expectativa para mim.
O frango descongela sob a janela, que pega boa parte do sol, preciso estar com o jantar pronto, antes que eles cheguem, entretanto, por mais que ainda tenho tempo, sei que o meu fogão a lenha, pode não ajudar.
O arroz, é regado, meia xícaras, para nós três, e duas para Geraldo, que além de nos manter em cárcere privado, nos obriga, a passar fome, tendo como alimentação, duas refeições por dia, o café da manhã, e o jantar, hoje foi uma excessão, nosso almoço, a viagem requer energia.
Limpo a nossa casa, o único lugar que conheço, desde que nasci, mamãe costumava falar em TV, e vários outros tipos de eletrodomésticos, mas como onde morávamos não tinha iluminação, éramos obrigados a viver da forma como dava, e éramos felizes, até este homem, infeliz, entrar em nossas vidas.
Depois de organizar as poucas coisas que temos, tiro pó da única estante da casa, móvel este, que tem nosso rádio — ligado a pilha — herança de papai.
Por Deus, este monstro não quebrou — ainda — e espero que não o faça.
Nossa casa de madeira, e chão batido, tem dois quartos, e uma cozinha, que faz divisão com um sofá, que denominamos de sala, o pequeno banheiro, que é o lugar mais longe que minhas correntes vão, é precário, e não tem se quer uma encarnação descente, tendo um esgoto provisório.
Mas o doente do meu padrasto, não desiste de nos fazer viver um inferno, depois que a minha mãe foi assassinada — por ele — o homem, c***l, teve a audácia de revelar, que era um foragido da polícia, e com seu charme, não foi difícil enganar a minha mãe.
A minha rainha não era uma mulher feia, e não sei se foi o tempo que não foi generoso com nosso sequestrador, mas não conseguia ver nenhum tipo de beleza nele, não consigo compreender como mamãe se deixou enganar, mas as respostas ficam claras, quando eu lembro que o mundo não é um lugar fácil para as mulheres, e mãe solo, ainda mais calejada seria sua jornada.
Tomo um banho, sendo rápida, pois são meus irmãos quem enchem a caixa da água, e não quero-lhes dar mais trabalho, caso eles voltem, mas oro, fervorosamente, para fugirem, o mais longe possível.
Depois do meu banho, uso o meu vestido, que um dia, teve uma coloração rosa, já faz anos que não cresço, e que também não ganho roupas novas, olho-me no espelho, mas não me reconheço, não sei quem é esta mulher, que agora tem 22 anos, adulta, uma jovem que era para estar a conhecer o mundo, mas se quer terminou o ensino médio, o fundamental.
Entretanto, já não existe esperança para alguém que foi morta, tantas vezes, violada, tantas vezes, já não sinto mais vontade de viver, enxergar, o que nunca vi, este lugar é meu lar, e aqui será meu fim.
Mas não os dos meus irmãos, eles crescerão, e irão se tornar, homens honestos, e mais fortes que já são, pois são sobreviventes, e irão enfrentar qualquer desafio que a vida lhes mostrar.
Ligo o rádio, e enquanto termino de lavar as nossas roupas, na pia da cozinha mesmo, pois minhas correntes — já calejadas — me impedem de usar qualquer área do lado de fora.
Este era meu castigo por desafiar-lhe tantas vezes, e não me importava, desafiaria, quantas vezes fossem preciso para proteger os meus irmãos, entretanto, já faziam anos, que não havia resistência por minha parte, toda vez que, Geraldo, meu carrasco, o homem que matou junto da mãe, a pequena Esther também, todas as vezes que me violava, minhas partes iam morrendo, meu destino se esvaindo, e os sonhos deixando de existir.
Enquanto o som adorável, toca