Um Milagre e um Monstro

925 Palavras
Narrado por Maísa Viana Eu acreditava que nunca mais fosse sorrir. Não depois de tudo o que vivi, não depois do inferno que me engoliu e cuspiu meus pedaços no asfalto. Mas ali estava eu, sentada na poltrona branca da clínica, a mão pousada sobre a barriga silenciosa, com o coração batendo tão alto que parecia querer falar por mim. — Parabéns, senhora Viana. O beta HCG confirmou. A senhora está grávida. A médica sorriu com calma, mas suas palavras explodiram dentro de mim como fogos silenciosos. Ela havia acabado de mudar minha vida — e nem imaginava. Não consegui responder. Apenas fechei os olhos enquanto uma lágrima solitária escorria. Era verdade. Tão verdade quanto o acidente que tirou meu marido e meu filho na explosão daquela lancha. Tão real quanto cada madrugada em que gritei sozinha, pedindo uma segunda chance para existir. E agora ela tinha chegado. A médica continuou explicando sobre exames, ultrassonografias, vitaminas… mas minha mente já não estava ali. Tudo o que eu ouvia era o som do meu próprio coração. Pela primeira vez em anos, ele parecia inteiro. Saí da clínica com passos leves, abraçada ao segredo mais precioso da minha vida. A fertilização tinha sido uma esperança quase impossível, uma chance em mil. Contra todas as estatísticas, eu consegui. Milagre. Em casa, encostei na porta e deslizei até o chão, sorrindo entre lágrimas. Acariciei meu ventre como se pudesse protegê-lo com as próprias mãos. — Vai dar certo dessa vez... mamãe tá aqui, meu amor. Mas, enquanto eu me banhava nessa luz, uma escuridão já crescia em outro canto da cidade. --- — Pode repetir o que acabou de dizer? — a voz de Hero Green cortou o ar como uma lâmina. O médico travou, pálido, as mãos trêmulas. Ao lado dele, Aline Ferretti, a noiva perfeita de Hero, empalideceu ainda mais. — Houve uma falha... um erro no cruzamento genético. A amostra utilizada no procedimento não foi a da senhorita Ferretti. Foi a sua, senhor Green. Outra paciente foi inseminada por engano... O grito de Aline ecoou como uma explosão. — O quê?! Isso é um escândalo, Hero! Você vai resolver isso agora, ou... Mas ele não se abalou. Não se virou. Não respondeu. Ficou imóvel, o rosto uma máscara de mármore, os olhos como lâminas afiadas. — Quem? — perguntou, frio. — D-desculpe...? — O nome da mulher — insistiu, a voz baixa. — Agora. — Isso é sigiloso... — o médico começou, mas não terminou. Hero sacou a arma do paletó e atirou. Um único disparo, certeiro no peito. O estampido preencheu a sala como um trovão. Aline gritou, ajoelhando-se coberta pelo sangue do médico. — O nome — repetiu Hero, indiferente ao caos. Um segurança entrou apavorado, segurando uma ficha tremida. — Maísa... Maísa Viana. Hero pegou o papel, leu com calma e só então se voltou para Aline. — O casamento está cancelado. — O quê...? — ela sussurrou, atônita. Ele se aproximou, a frieza congelando o ar. — Eu nunca precisei de você. Agora, nem quero mais. Aline caiu em prantos, mas Hero já lhe virava as costas. — O casamento acabou, Aline. Mas meu herdeiro, não. E naquele instante, sem saber, minha vida começava a desmoronar outra vez. --- Na manhã seguinte, eu tomava café quando a campainha tocou. Achei que fosse vizinho, talvez uma entrega. Atendi sem pensar. E o vi. O homem mais imponente e perigoso que já cruzou minha porta. Alto, impecavelmente vestido, olhar frio como gelo. Os traços perfeitos contrastavam com a ameaça silenciosa que exalava. Atrás dele, dois homens de preto imóveis como estátuas. — Maísa Viana? — perguntou, a voz grave. — S-sim... quem é o senhor? Ele ergueu um papel da clínica. Reconheci na hora. Meu corpo congelou. — Precisamos conversar — disse, entrando. — Ei! Você não pode simplesmente... — tentei impedi-lo, mas ele já atravessava minha sala como se fosse dono dela. — Você está grávida — afirmou. — E a criança que carrega é minha. Foi como se o mundo virasse do avesso. — Como assim sua?! — minha voz saiu trêmula. — Fiz o procedimento legalmente! O doador era anônimo! — Foi um erro da clínica. A amostra era minha. — Isso não é problema meu! Eu só queria ser mãe de novo! Esse bebê é meu! — gritei, a garganta apertada. — É meu filho — decretou. — E eu vim buscar o que é meu. O ar fugiu dos meus pulmões. Instintivamente, me afastei, protegendo a barriga com os braços. — Você não vai levar essa criança! Eu já perdi tudo. Esse bebê é a única razão pela qual ainda respiro. Não vai me tirar isso! Ele se aproximou, lento, ameaçador. — Então temos um impasse — murmurou. — Porque eu também não vou abrir mão dele. — Pode tentar o que quiser. Eu vou lutar até o fim. Ele sorriu torto, sem emoção. — Não vai precisar lutar. Tenho outra solução. — O que quer dizer? — Em três dias, você será minha esposa. As palavras me atingiram como choque. — Isso é insano... eu nem sou virgem! — a confissão escapou no pânico. Ele arqueou uma sobrancelha, indiferente. — Não me importa. Você gera meu herdeiro. Vai carregar também meu sobrenome. As lágrimas ameaçaram cair, mas me forcei a manter a postura. — Você não pode me obrigar. Ele chegou tão perto que senti o perfume amadeirado, tão frio quanto ele. — Não se iluda, Maísa. Eu sou Hero Green. E o que eu quero... eu tomo.
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