Narrado por Hero Green
Meu nome é Hero Green. Tenho trinta e um anos.
E o peso do meu sobrenome basta para transformar homens em silêncio.
Quando um Green entra em uma sala, o ar muda. Não é respeito. É medo. O tipo de medo que nasce não de discursos, mas de corpos desaparecidos no fundo do mar, de pactos selados com sangue e de décadas de poder inquestionável.
Sou o herdeiro da Família Green, uma linhagem mafiosa com sede em Palermo, na Sicília. Um império sustentado em pedras seculares, onde cada degrau carrega um nome morto e uma dívida eterna.
Meu pai me ensinou cedo duas lições: nunca confiar em ninguém fora da família, e jamais deixar um erro impune. Essas verdades moldaram meu caráter, minhas escolhas e minha forma de governar.
Por isso escolhi Aline Ferretti. Não por amor, sentimento que considero fraqueza travestida de desejo, mas por conveniência. Filha de Antônio Ferretti, um dos aliados mais antigos dos Green, ela representava estabilidade política, um sobrenome sólido, raízes que se entrelaçavam ao poder da minha casa.
Tudo estava milimetricamente calculado.
Até que uma clínica de fertilidade decidiu brincar com meu legado.
Minha amostra biológica, congelada anos antes como plano de contingência, foi usada sem minha autorização em um procedimento de fertilização. O resultado: uma mulher que eu nunca havia visto carregava no ventre meu filho.
E o mais inadmissível: ela se recusa a entregá-lo.
Então a decisão está tomada. Não existe negociação. Ela será minha mulher. E esse filho nascerá sob o nome Green.
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A porta da mansão se abriu com um estrondo que fez os empregados estremecerem. Não precisei dizer nada. Apenas subi as escadas, cada passo marcado pela herança de gerações.
No escritório, o cheiro da madeira escura era o mesmo de sempre: poder, história e condenações. Ali as ordens da Família eram decretadas, ali alianças nasciam e destinos eram encerrados. Disquei um número e resumi em uma frase:
— Dez minutos. Aqui. Sem atrasos.
Desliguei.
Não havia espaço para explicações.
A mesa de carvalho parecia viva, como se já pressentisse que o que seria dito ali mudaria os rumos da Família.
Eles chegaram em silêncio: Luca, o braço direito leal até o osso; Miguel Caetano, sempre cínico e calculista; e, por fim, Antônio Ferretti, com o queixo erguido e a arrogância de quem ainda acreditava ter controle.
Ele achava que aquela noite seria sobre alianças e véus brancos. Estava enganado.
— O que está acontecendo, Green? — perguntou Miguel, direto.
Levantei-me e apoiei os punhos na mesa.
— O noivado com Aline Ferretti está cancelado.
O silêncio que se seguiu foi quase reverente. Até os fantasmas da casa pareceram prender a respiração.
Antônio se ergueu, olhos arregalados.
— Como é possível?! Você prometeu, Hero! A aliança foi selada!
— E agora está desfeita. Circunstâncias mudaram.
— Eu exijo uma explicação! — ele explodiu.
Cruzei os braços. Mantive o olhar fixo.
— A clínica cometeu um erro. Usaram minha amostra congelada. Uma mulher que nunca vi está grávida do meu filho. Ela não vai abortar. Nem vai entregá-lo. Então eu vou buscá-lo.
Luca franziu o cenho, ainda processando.
— E o que pretende fazer?
— Casar com ela.
A fúria de Antônio foi imediata.
— Isso é uma afronta! Uma mulher qualquer?! Quer manchar o nome Green com uma desconhecida?
Bati a mão na mesa. O som ecoou como uma sentença.
— Aquela mulher carrega o que é meu. O sangue da Família Green. E se alguém ousar tocá-la, sangrará até o último suspiro. Eu não repito ordens.
O silêncio caiu pesado. Até Miguel desviou os olhos.
— Está destruindo uma aliança de décadas… — Antônio murmurou, quase suplicando.
— Sua filha era uma peça útil no tabuleiro. Agora, é irrelevante.
Luca, vacilante, perguntou:
— Essa mulher tem histórico? É… digna?
Meu olhar o cortou como lâmina.
— Não é virgem. E eu não dou a mínima. Pureza nunca me interessou. O que exijo é lealdade. E ela vai aprender isso comigo.
A tensão se adensou no ar. Mas não havia espaço para objeções.
— Em três dias, ela terá meu sobrenome. E não admito contestação.
Antônio, pálido, ainda tentou:
— Vai se arrepender, Hero. Está jogando fora uma estrutura perfeita por causa de um erro de laboratório!
Aproximei-me dele devagar. Cada passo o fazia recuar.
— Você está enganado, Ferretti. Não perdi nada. Ganhei um filho. E uma mulher que agora pertence a mim.
Ninguém ousou abrir a boca depois disso.
— A reunião acabou.
Eles saíram em silêncio. Antônio foi o último, derrotado, incapaz de me encarar.
O escritório permaneceu vazio. Mas a decisão já estava selada — como sempre: na força, na honra e no sangue.
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Peguei o celular e disquei.
Aline atendeu no segundo toque.
— Finalmente resolveu aparecer?! Acha que pode sumir e...
— Acabou.
— Como é?
— O casamento foi cancelado. Já informei seu pai.
— Você enlouqueceu?! Minha família não vai aceitar! Eu vou destruir essa mulher!
— Não. Nem você, nem ninguém vai tocá-la.
— Está jogando tudo no lixo por uma qualquer?!
Soltei um riso frio.
— Essa “qualquer” vai ser minha esposa. E ela está carregando meu filho.
O silêncio dela foi mais alto do que os gritos.
— Isso não vai ficar assim, Hero. Você vai se arrepender!
— Difícil.
E desliguei. Sem hesitar.
Deixei o celular sobre a mesa e encarei a janela. Pela primeira vez, não era apenas um mafioso, herdeiro de um império ou o nome que todos temiam.
Eu era pai.
E três dias seriam suficientes para transformar Maísa Viana em Maísa Green.