Narrado por Aline Ferretti
O quarto estava mergulhado em silêncio, mas dentro da minha mente o caos rugia como uma multidão em fúria.
Os dedos tremiam, o peito ardia, e os olhos queimavam, não de tristeza, mas de ódio. Um ódio cru, corrosivo, que se espalhava como ácido em cada veia.
Arremessei o celular contra a parede com tanta força que ele explodiu em cacos. A tela partiu-se em estilhaços, e com eles um grito escapou da minha garganta, seco e rasgado, mais animal do que humano. Não era lamento, não era perda. Era declaração de guerra.
Isso não podia estar acontecendo. Não comigo.
Não com Aline Ferretti.
Desde criança fui moldada para ser esposa de um Don. Não apenas uma mulher bonita ao lado de um homem poderoso, mas uma rainha: intocável, respeitada, temida. Era meu direito, meu destino.
E Hero Green era meu.
O altar já estava certo. O vestido encomendado. Os votos prontos. O sangue entre nossas famílias selado com brindes e promessas.
Agora, tudo isso ruía por causa de uma estranha.
Uma mulher sem nome, sem passado. Uma sombra qualquer. E, pior, carregando no ventre o filho que deveria ser meu.
A porta se abriu lentamente. Eu não precisei erguer os olhos para saber quem era.
— Pai... — murmurei, a voz oscilando entre o choro e a raiva.
Ele entrou com passos firmes, a coluna ereta, mas eu conhecia os sinais: dedos rígidos, maxilar travado, olhos semicerrados. Estava tão furioso quanto eu.
— Filha — disse em tom contido. — Precisamos conversar.
Levantei o rosto e cuspi as palavras:
— Ele me humilhou. Diante de todos. Disse que vai se casar com ela. Com aquela... qualquer!
Meu pai puxou uma cadeira e sentou diante de mim, como sempre fazia quando queria me ensinar algo. Mas eu não precisava de lição. Eu precisava de sangue.
— Eu vi. Estava lá — respondeu com calma envenenada. — E fiquei em silêncio porque, se abrisse a boca, talvez hoje estivesse morto.
— Então vamos aceitar isso? Engolir como se fosse um jogo perdido?!
— Claro que não.
— Você devia ter feito alguma coisa! Ele cuspiu na nossa história, pai!
Ele suspirou, baixou os olhos por um instante e depois me encarou com frieza.
— Aline... você quer que ela pague?
— Quero que morra. — As palavras saíram sem pausa nem arrependimento. — Mas antes, quero que sofra. Quero que sinta o gosto do medo. Quero que saiba que roubar o que é meu tem preço.
Ele me observou longamente antes de assentir.
— Então ela vai morrer. Mas será do nosso jeito. Sem rastros. Sem escândalo. Tem que parecer acidente. Natural, trágico, irreversível. Se não conseguirmos infiltrar alguém perto dela, será à força. Balas, se necessário.
Meu coração acelerou.
— Você fala sério?
— Já entrei em contato com um atendente da clínica. Está comprado. Vai conseguir o endereço dela. Pode haver vigilância, mas nada que não possamos contornar.
Levantei-me devagar. O corpo parecia calmo, mas por dentro eu era uma bomba prestes a explodir.
— Quero que ela morra antes do casamento. Antes de vestir aquele vestido. Antes de ousar pronunciar o nome Green.
— Esse é o plano.
— E se ele descobrir?
— Não vai. Porque não haverá rastros. O mundo fará o trabalho por nós. Gasolina, falha no carro, pneu estourado numa curva... grávidas morrem assim o tempo todo.
Aproximei-me da janela, fitando a escuridão.
— Quero que o impacto destrua o bebê também. Quero que ela morra sabendo que levou com ela a única coisa que a tornava especial.
Meu pai se aproximou.
— Você vai continuar sorrindo. Vai aparecer nos eventos. Vai postar fotos. Vai fazer parecer que aceitou. Até que ela esteja fora do caminho.
— E se ele insistir? Se procurar outra barriga?
— Hero não recua com facilidade. Mas também não se apaixona duas vezes. Quando ela morrer, ele lembrará de quem sempre esteve ao lado dele.
— Eu.
— Você. A herdeira legítima. A Ferretti. A mulher que nasceu para isso.
Ele foi até o bar e serviu dois dedos de uísque em um copo de cristal. Entregou-me. Bebi de uma vez. O fogo queimou a garganta, mas o que realmente me alimentava era a fúria.
— Já pensou como quer que seja?
Girei devagar, um sorriso gélido no rosto.
— Uma curva traiçoeira. O volante escapa, ela perde o controle, capota... e morre sozinha. Com o ventre vazio.
Meu pai sorriu de volta.
— Eu vou cuidar disso.
— E depois?
— Depois, é questão de tempo. E o tempo sempre favorece quem sobrevive.
O quarto voltou ao silêncio, quebrado apenas pelo tique-taque do relógio.
Aproximei-me e abracei meu pai. Não era um homem fácil, nem amoroso, mas era meu pai. E, acima de tudo, estrategista.
Se existe algo que os Ferretti fazem bem é destruir quem ousa desafiá-los.
Maísa Viana pode estar carregando um Green.
Mas nunca chegará ao fim dessa gravidez.