O Don e o Coração que Bate em Mim

1005 Palavras
Narrado por Maísa Viana Acordei com a sensação de que o mundo estava suspenso. O quarto permanecia mergulhado na penumbra, o sol atravessando timidamente as frestas da cortina. Por fora, nada parecia ter mudado. Por dentro, tudo já era diferente. Deitada, respiração leve, toquei a barriga ainda lisa, invisível para qualquer um menos para mim. Ali dentro, um coração já batia. Era uma vida, um futuro. A chance que o destino havia decidido me devolver, depois de arrancar tudo que eu tinha. Eu estava grávida. E por mais surreal que soasse, ainda era apenas meu segredo. O único capaz de me manter de pé, de me fazer sorrir entre o medo e a dúvida. Mas a paz era frágil, porque junto com ela vinha a sombra dele. Hero Green. O nome ecoava na minha mente como ameaça constante. A forma como apareceu na minha porta, como entrou sem pedir, como cravou os olhos em mim e declarou, sem hesitação, que aquele filho era dele. E pior: que eu me casaria com ele. Sem escolha. Sem alternativa. Depois disso, silêncio. Nenhuma ligação. Nenhum aviso. Nenhuma ameaça direta. E esse vazio me assustava mais do que se ele batesse à minha porta todos os dias. Porque homens como Hero não esquecem. Eles esperam. E quando decidem agir… não erram. --- — Senhorita Maísa? — a voz da recepcionista me arrancou dos pensamentos. Levantei como quem desperta de um sonho pesado. Segurei a bolsa contra o peito, tentando disfarçar a tensão que me acompanhava como segunda pele. — A doutora Flávia está te esperando na sala dois. Assenti. Cada passo até a porta parecia mais difícil que o anterior. Respirei fundo antes de entrar. A doutora Flávia estava lá, com o sorriso leve e uma presença acolhedora. Jaleco branco impecável, cabelos presos, prancheta em mãos. Ela parecia pertencer a outro mundo. Um mundo normal. Um mundo onde o nome Hero Green não existia. — Maísa Viana? Primeira ultrassonografia, certo? — Isso — respondi, sentindo o coração acelerar. — Vai ser especial, eu prometo. Pode deitar, vamos dar uma espiada nesse bebezinho. Aproximei-me da maca e ajeitei o vestido, mas antes de me deitar a porta se abriu com um clique suave. Meu corpo congelou. Eu soube antes de olhar. Era ele. Hero Green entrou como se fosse esperado. Terno escuro impecável, perfume amadeirado, olhar de aço. Não disse nada. Não precisava. Sua presença dominava o espaço, e o consultório parecia pequeno demais para contê-lo. — O que está fazendo aqui? — minha voz saiu baixa, mas cortante. — Vim ver meu filho — respondeu, como se fosse óbvio. A doutora Flávia se surpreendeu por um instante, mas logo retomou o sorriso profissional. — O pai do bebê? Que ótimo! Fico feliz que esteja presente. Pode se sentar aqui ao lado dela, senhor…? — Green. Hero Green. — Ele se sentou com a segurança de quem já venceu. — Você não pode simplesmente entrar assim, Hero — sussurrei. — Isso é invasão, é crime. Ele inclinou o corpo, aproximando-se. — Engano seu. Meu nome está na ficha. Paguei pela consulta. Antecipei todas as sessões. Com bônus. Eu cuido do que é meu. Um arrepio percorreu minha espinha. Ele estava pagando pelas consultas. — Você é um lunático. A médica, alheia ao clima, prosseguiu: — Vou aplicar o gel, é friozinho, mas em segundos já veremos o bebê. O aparelho encostou na minha pele, e a tela iluminou-se. Então veio o som. Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum. O coração do meu filho. Ou filha. Não importava. O som mais bonito, mais c***l e mais poderoso que eu já ouvira. Os olhos se encheram de lágrimas, a garganta travou. Apesar de tudo, naquele instante eu estava apaixonada por aquele pontinho. Aquele coração era meu mundo inteiro. — Está tudo ótimo — disse Flávia, sorrindo. — Oito semanas, bebê forte, saudável. Parabéns. “Parabéns.” No plural. Quase ri de nervoso. Hero permaneceu em silêncio, mas o olhar estava fixo na tela, como se quisesse gravar cada pixel. Como se ver aquele coração pulsando fosse a prova de que o sangue dele já corria ali e que nunca abriria mão disso. Quando a médica saiu para buscar o relatório, o silêncio se tornou sufocante. Limpei-me às pressas, evitando encarar aquele olhar. — Você é doente — murmurei. — Não pode continuar aparecendo assim. Essa é a minha vida. Ele tirou um envelope do paletó e me entregou. Cartório. Registro de casamento. Data marcada. Dois dias. — Você realmente acha que eu vou aceitar isso? — Não acho. Tenho certeza. — E se eu rasgar esse papel? — Mando outro. Depois outro. Até você entender que fugir de mim é como fugir da própria sombra. Levantei da maca, o sangue fervendo. — Eu não sou sua propriedade. Nem esse bebê. Não faço parte da sua máfia. Ele se aproximou devagar, a voz baixa e perigosa. — Você tem razão. Não faz parte da minha máfia. — Ainda bem. — Mas faz parte da minha família. E isso… você não escolhe. A doutora voltou com os papéis, sorrindo, e me deu parabéns de novo. Agradeci com o pouco de dignidade que restava. Saí da sala com o coração batendo mais rápido que o do bebê. Mas ele veio atrás, como eu sabia que viria. — Maísa — chamou, já do lado de fora. — Vou te buscar amanhã. — Pra quê? — Almoço. Precisamos conversar. Civilizadamente. — Eu não almoço com homens que ameaçam minha liberdade. Ele sorriu de canto. — Em breve você será minha esposa. Melhor se acostumar à minha presença. — Você é um pesadelo. — E você, o melhor erro que alguém já cometeu por mim. Hero se afastou com calma, como se não tivesse acabado de invadir minha vida mais uma vez. Fiquei parada na calçada, enquanto a cidade seguia indiferente. Dentro de mim, o som daquele coração ainda ecoava. E o nome dele — Hero Green — começava a se gravar na minha alma como uma tatuagem feita à força.
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