Capitulo 2
Dom narrando :
Preso não tem amigo, mas na cadeia tu acaba fazendo uns parças pra sobreviver. Era assim com o Marcão, um cara que chegou aqui uns três anos depois de mim. Ele pegou 13 anos por latrocínio, uma fita que ele não curte muito lembrar, mas que todo mundo aqui já tá ligado. A história era pesada, mano.
Marcão era da favela também, era meu aliado ali da Rocinha, mas ele nunca foi um dos nossos. Tava mais na correria do crime pequeno, uns assaltos, umas paradas mais light. Só que um dia ele e os moleques dele resolveram tentar algo maior. Saíram de quebrada, armados, pra meter um assalto numa casa de bacana. A ideia era simples: entrar, roubar e sair fora, sem muito alarde.
Mas a p***a deu errado. Os caras chegaram na casa e tinha gente lá dentro. O dono da casa, um velho, tentou resistir. Era óbvio que a situação ia sair do controle, né? Um dos moleques que tava com o Marcão se desesperou e atirou no velho. O tiro pegou de cheio. Marcão viu o cara sangrando no chão, a esposa do velho gritando, o desespero. Ele jura que não queria que acabasse assim, que a ideia nunca foi matar ninguém. Mas, mano, no crime, você perde o controle em dois segundos. Uma decisão errada e já era.
O velho morreu, os caras fugiram, mas a polícia logo rastreou eles. Marcão foi pego, e o resto é história. Latrocínio, meu parceiro, é pena pesada. Pegou 13 anos logo de cara. E o pior? Sem grana, ele dependia de advogado público, aquela merda que m*l aparece nas audiências. O sistema é c***l com quem não tem dinheiro.
Quando ele entrou aqui, eu já tava na bota fazia três anos. Ninguém respeita um novato, mas eu vi que o Marcão não era desses que se curva fácil. Tava na dele, mas era sangue bom, tá ligado? Acabou que a gente começou a trocar umas ideias, e o cara virou tipo um irmão pra mim. Na cadeia, ou você se cerca dos certos, ou se fode rápido.
Aquele dia era dia de visita. Sempre fico bolado nesses dias. A prisão tem dessas, cara, a visita é uma faca de dois gumes: pode ser um alívio ou pode te afundar de vez. E esse dia não foi diferente. Eu e Marcão távamos no pátio, trocando um papo furado enquanto esperávamos os portões abrirem. Ele sempre ficava na expectativa da irmã dele, a Mirela. Era a única pessoa que ainda visitava ele, tá ligado? A mãe deles tinha morrido e, depois disso, só sobrou a Mirela pra dar suporte pro mano.
Assim que o portão abriu, lá vem ela. Mirela. p**a que pariu, mano, que mulher. Era impossível não olhar pra ela. Uma morena iluminada, corpo perfeito, aqueles cachos caindo nos ombros, e os olhos… uns olhos claros que pareciam perfurar tua alma. Tinha um cheiro que só de chegar perto já ficava no ar, aquele perfume doce que grudava na memória. A mina era demais, dessas que, mesmo no meio dessa bagunça, parecia que iluminava o lugar.
Fiquei observando ela cruzar o pátio. Não trocamos palavra, porque eu não ia desrespeitar o Marcão. Mas por dentro, mano, eu sabia que não ia tirar ela da cabeça tão cedo. Fiquei de canto, vendo a cena, enquanto ela ia até o irmão e começava aquele papo de quem tenta sustentar um laço, mesmo com tudo destruído ao redor.
Mas meu momento de paz não durou muito. Não deu nem trinta minutos que o portão abriu, e quem aparece? Karina, minha mulher. Logo de cara, já vi que algo tava estranho. O cabelo dela tava loiro, algo que nunca tinha feito antes. Tava com lente de porcelana nos dentes, parecendo aquelas patricinhas que curtem ostentar em festa de rico. Mas o que mais me deixou puto foi o fato de que ela não tava com nenhuma sacola na mão. Eu tava acostumado a ela trazer as paradas, comida, cigarro, qualquer coisa que ajudasse a segurar a barra aqui dentro. Só que aquele dia, nada.
Assim que me viu, ela veio direto. Eu até tentei segurar a onda, mas a raiva já tava subindo, tá ligado? A mulher que era pra ser minha parceira de guerra, a mãe da minha filha, não trouxe nada. Nem uma p***a de uma bala. Quando ela chegou perto, eu já tava fechado na cara.
— E aí, Dom? — Ela falou, sorrindo como se nada tivesse acontecido.
— E aí nada, Karina. Cadê as paradas que eu pedi?
Ela ficou me olhando com cara de deboche, como se eu tivesse pedindo demais.
— Não deu tempo de fazer, Dom. Eu tive que sair para buscar o carro, ahh troquei o carro, aquele lá já não dava mais.
Mano, na hora minha cabeça explodiu. Eu ali, preso, lutando pra manter o respeito, e ela trocando de carro como se trocasse de calcinha.
— Trocou de carro, Karina? É isso mesmo que você tá me dizendo? — Falei, já sentindo a mão fechar em punho.
Ela revirou os olhos, cheia de marra, sem nem se tocar da merda que tava falando.
— É, ué. Eu não vou andar por aí de carro velho, Dom. Preciso me cuidar, ficar bonita, sabe como é, sou a mulher do dono do Morro.
Eu já não tava me aguentando. A raiva subia como fogo nas veias. Não era só o carro. Era o desrespeito. Era a falta de consideração. Era como se ela tivesse esquecido completamente de mim.
— Tu acha que eu tô preocupado com essa merda de carro? Eu tô preso, p***a! Aqui dentro, é a sobrevivência que conta! E tu aí, só pensando em gastar dinheiro em carro e lente de dente? — Minha voz já tava mais alta, chamando atenção de quem tava por perto.
Ela me olhou de cima a baixo, com aquele olhar frio, e deu de ombros.
— Dom, quem tá preso é você, não eu. Eu tô vivendo minha vida. Eu tenho direito, não tenho? Eu tô me virando, enquanto você tá aí dentro.
Naquele momento, eu vi que não tinha mais o que discutir. Ela não tava nem aí pra mim. Não era mais a Karina que eu conheci, que segurava as pontas, que vinha me ver com as sacolas cheias de rango e cigarro. Essa mulher aí na minha frente era outra pessoa. Só pensava em dinheiro, status, aparência.
Eu levantei, puto. Não ia mais perder meu tempo ali. Virei as costas pra ela e comecei a andar em direção ao Marcão e à Mirela. Quando passei por eles, ouvi a Mirela reclamar baixinho pro irmão.
— Marcão, eu não tenho mais dinheiro pra nada… não sei como vou fazer, cara.
Aquilo me pegou de jeito. Me fez parar e pensar. A vida do Marcão tava uma merda. O cara já não tinha nada além da irmã, e agora ela também tava no aperto. Fiquei uns segundos ali, parado, refletindo. Mas era f**a, eu tinha meus problemas, e ela tinha os dela.
Sem dizer nada, voltei pra cela.
Continua .....