Capítulo 3
Dom narrando :
Depois que a visita acabou, Marcao voltou pra cela. Ele tava bolado. A cara dele não negava, o mano tava com a cabeça a milhão. Eu tentei puxar um papo com ele, tá ligado? Afinal, a gente se ajuda como pode aqui dentro.
— E aí, Marcão, tá na bad ainda, mano? — Perguntei, tentando aliviar o clima.
Ele respirou fundo, olhou pro lado e, meio cabisbaixo, começou a desabafar.
— Ah, Dom, f**a, tá ligado? Depois que minha coroa morreu, a Mirela assumiu a p***a toda lá fora. Tá tudo nas costas dela, mano. E, p***a, não tá dando mais conta sozinha. Tem a dívida com o advogado, aluguel, comida… tudo. Eu fico pensando, e eu aqui, preso, não posso fazer p***a nenhuma pra ajudar.
Era f**a. Eu via a angústia no olhar do Marcão, o peso de não poder fazer nada pela família. Mas, pra tentar aliviar o clima, ele soltou um sorrisinho amargo e mudou o assunto.
— Mas e aí, Dom, porque cê saiu da visita antes? Brigou com a mulher, foi?
Eu ri, mas sem muita graça, porque aquilo me acertou em cheio.
— Ah, mano, a Karina tá cagando pra mim, tá ligado? Nem comida traz mais, p***a. Sabe o que é isso? A mina que eu achei que ia ser a mulher da minha vida, mano. Mas agora, sei lá… o dinheiro do morro subiu pra cabeça dela. Ela só pensa em carro novo, lente no dente, roupa de grife… E eu aqui, na merda.
Marcão olhou pra mim, meio surpreso. Talvez ele achasse que eu nunca ia abrir o jogo sobre isso.
— Antes, eu pensava que ela era a parceira certa, mas agora… — continuei.
— E aí, tu sai dessa vida, larga a mulher, e os outros te chamam de errado. Mas, mano, às vezes, não é o homem que tá errado. Não dá pra ficar com alguém que só pensa em si mesmo, enquanto você tá aqui, preso, sem saber o que vai acontecer amanhã.
Marcão balançou a cabeça, concordando, mas a gente não continuou o papo. Ficamos na nossa, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
UM MÊS DEPOIS….
Tava no pátio de novo, esperando a Karina. Fazia um mês que ela não aparecia. Um mês, mano! Eu já tava bolado, já sentia que algo não tava certo. As visitas aqui são a única conexão com o mundo lá fora, e quando elas começam a falhar, cê já sabe que algo tá desandando.
Fiquei ali, parado, fumando um cigarro, olhando praquele portão de metal esperando abrir e ela passar. Só que, depois de um tempo, nada. A p***a do portão fechou e a Karina não apareceu.
Mas sabe quem apareceu? Mirela. Lá vinha ela, atravessando o pátio como se o mundo fosse dela. Linda como sempre. Mirela parecia brilhar naquele lugar sujo e cinza, cheia de classe, mesmo com toda a dureza da vida. E eu ali, com a cabeça cheia de raiva, mas sem deixar de notar. Eu sempre notava.
Acendi outro baseado, já sem paciência, e quando tava voltando pra cela, Marcão me segurou pelo braço.
— Aí, Dom, senta aí pra comer com a gente, mano. Tem rango de sobra.
Olhei pra ele e depois pra Mirela, que me deu um sorriso simpático. Mas eu não queria me meter naquele momento de família, tá ligado?
— Não, Marcão. Fica de boa com a sua irmã aí. Isso é momento de vocês. — Respondi, tentando ser o mais suave possível.
Mirela, com aquela voz doce, insistiu.
— Tem muita comida, Dom. Pode comer com a gente, de verdade.
Eu respirei fundo e neguei de novo, já com o coração apertado por outros motivos.
— Tá tranquilo, Mirela. Eu sei que as coisas estão difíceis pra vocês. Vou falar com meu irmão lá fora pra mandar um dinheiro pra te fortalecer, pode deixar. — Falei rápido, sem dar espaço pra ela responder.
Dei a volta, soltei o baseado no chão e voltei pra minha cela. Não tinha mais o que fazer naquele pátio naquele dia. Voltei com a cabeça cheia, ainda mais quando a Karina não apareceu de novo. Sentei no meu canto, e aí peguei o celular no esconderijo que a gente tem. Aqui dentro, a comunicação não é pelo método “oficial”, tu sabe como funciona, né?
Decidi ligar pra minha mãe, a única pessoa que ainda segurava a barra lá fora de verdade. O telefone tocou duas vezes, e ela atendeu com aquela voz cansada, mas ainda firme.
— Mãe, como é que tão as coisas aí? — Perguntei.
Ela suspirou.
— O de sempre, Dom. A Karina continua jogando a Luiza aqui em casa e só aparece quando quer. Essa menina tá largada, meu filho. A Karina só quer saber de baile, de bebida, e de gastar o dinheiro da boca.
Eu já imaginava, mas ouvir aquilo da minha mãe me deixou com o sangue fervendo. p***a, Karina, que merda você tá fazendo?
— Faz um mês que ela não aparece aqui na visita, mãe. — Contei, sentindo o peso de cada palavra.
Minha mãe fez um silêncio breve, e depois falou.
— Ela tá usando a desculpa de que vai te visitar quando deixa a Luiza aqui, Dom. Diz que vai pro presídio, mas pelo visto, tá mentindo.
Aí eu soube que a situação tava pior do que eu imaginava. Karina tava me enrolando. Eu aqui, preso, e ela lá fora, fazendo o que queria, mentindo pra minha mãe, deixando minha filha jogada.
Antes de desligar, minha mãe me deu um alívio, pelo menos.
— Na próxima visita, eu vou estar aí. A Karina pode até não aparecer, mas eu vou, Dom. Não te deixo sozinho.
Agradeci, meio sem forças, e desliguei. Fiquei ali sentado na cama da cela, encarando o chão de concreto, pensando no que tava acontecendo. Karina tinha mudado, e não era pra melhor. Ela tava se perdendo, e eu aqui dentro, impotente. Eu precisava fazer algo, mas o quê?
Fiquei ali, com a cabeça a mil, pensando no futuro.
Continua .....