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3023 Palavras
• Maria • Eu não dormi bem. Aqui na base dos Sem-facção é tudo dividido. Nós jantamos enlatados coletivos — eu tentei não pensar nas possíveis doenças que isso traria —, ajudamos a arrumar as coisas e arrumamos cantinhos para dormir. Drew e eu dormimos juntos com Sam, eu no meio, numa tentativa de nos esquentarmos durante a noite fria da cidade. Mesmo com tudo isso, eu não consegui dormir bem. Tirei breves cochilos durante a madrugada, então assim que os primeiros raios solares se fizeram presentes, eu decidi acordar pra valer. Me levantei devagar, para não acordar ninguém, e caminhei em silêncio pelo meio de tantos corpos espalhados. Subi as escadas de incêndio e cheguei num vestiário gigante que tinha algumas torneiras quebradas e azulejos fora do lugar. Pelo espelho rachado, pude ver minha cara de acabada. Respirei fundo e lavei o rosto, na intenção de repor as energias para um novo dia. — Está cedo. Tomo um susto ao ouvir a voz de Evelyn e vejo seu reflexo no espelho. Ela está atrás de mim. — Está cedo pra você estar acordada. — Evelyn diz se aproximando com uma muda de roupas pretas numa mão e um par de botinas pretas na outra — Imagino que vocês irão para a Franqueza, se juntar com o que sobrou de sua facção. Não vou me opor à isso. Quero você e seu irmão juntos. — ela respira fundo — Quero que saiba que terão para onde ir, se as coisas derem errado. — me estende as roupas e as botas — Obrigada. — murmuro pegando — Use aquele chuveiro ali. — ela aponta para a única cabine com porta, no canto — Se quiser, posso ajudá-la. Na minha sala tem um pente de cabelo e produtos de higiene. — Sam e Tris também poderão usar? — Claro. — ela sorri gentil — Sabe onde fica, então, quando acabar aí, é só ir lá. Dito isso, ela se afasta sem jeito e então se vira para sair. Respiro fundo tomando coragem. — Por que a Jeanine me tirou de vocês? — ela pára ao me ouvir — Se você já estava oficialmente morta e viria para os Sem-facção, por que me tirar de você? — Ela achava que tinha chances de Marcus ser seu pai. — E tem? — ergo uma sobrancelha — Não. — ela se vira — Absolutamente não. Você é filha do Harry. — E por que me entregar ao Logan? — Logan cresceu na Erudição. Sempre foi excelente e assustou à todos quando trocou de facção. — ela fala como se estivesse se lembrando de cada detalhe — A verdade é que Logan nunca se desligou por completo da Erudição. Participava de projetos para a Amizade e, por mais esquisito que isso seja, Jeanine o amava. Ouso dizer que, um dia, foram mais que amigos. Ela te deu para ele, ele te deu amor e então foi se desligando da antiga facção. — Jeanine o procurou pouco antes dele morrer. Ela queria que ele participasse de algo. — Da criação dessa simulação que devastou o sistema e aniquilou a Abnegação. Ele se negou, obviamente. — Esse tempo todo eu achei que Jeanine havia o matado. — Ela só não o matou porque não chegou primeiro, acredite. Logan sabia demais. Fiquei em silêncio e me virei de costas, para que ela se tocasse que não queria mais conversar. Deu certo. Ela se virou e saiu do vestiário, deixando-me sozinha ali. No meio das roupas, vi uma toalha velha e manchada, mas limpa. Tirei minhas roupas da Amizade e as dobrei em cima do mármore da pia. Eu havia gostado desses dias na Amizade, apesar de sentir falta da Audácia. Tudo parecia se encaixar. Já havia até me acostumado a ver Quatro sujo de terra correndo com as crianças. Entrei na cabine que Evelyn sugeriu e girei o registro do chuveiro, sentindo a água gelada cair sem muita pressão em meu corpo. Lavei meus cabelos com o sabonete que havia ali, mas não me atrevi a passá-lo em meu corpo. Depois de estar sem sujeira, fechei o chuveiro e me sequei do lado de fora da cabine, vendo meu cabelo extremamente ressecado e embolado, por conta do sabonete. Respirei fundo e vesti as peças íntimas, a calça preta, a blusa de mangas curtas e gola V preta e calcei as botinas pretas. Agora sim eu me sentia da Audácia de novo — não que minhas tatuagens não me lembrassem disso o tempo todo. E, por falar em tatuagens, me lembro da que fiz com Drew, Jessie e Ali. Como será que elas estão? — Bom dia. — ouço a voz de Tris e a vejo entrar no vestiário junto com Sam. As duas estão com mudas de roupas em suas mãos — Bom dia. — respondo — Acordou muito cedo. — Sam murmura — Isso na sua cabeça é um ninho? — desdenha do meu cabelo — Rá, rá! — rio sem humor — Vou cuidar disso na sala da Evelyn, com o kit de higiene que ela disponibilizou. Tem pra vocês também, então sugiro que andem logo. E só tem uma cabine com porta. — Eu vou primeiro! — Sam corre, tira a roupa na pressa e entra na cabine — Eu seguro a toalha pra você ter um pouco de privacidade. — digo para Tris — Valeu. — ela sorri — Tudo bem. Cunhadas fazem isso. Espero Tris se despir e então ela entra em uma das cabines sem porta. Não olho muito para seu corpo, para que ela não se sinta m*l. Estendo a toalha na porta e fico segurando no alto, enquanto ela se banha. O silêncio impera e então eu tento quebrar o clima esquisito. — Você já sabia? — pergunto — Quatro me disse pouco antes da segunda fase. — murmura — Mas eu não sabia sobre a mãe de vocês. Me desculpe. — Tudo bem. Você não tem culpa. — sorrio mesmo sem ela poder ver — O que você espera encontrar na Franqueza? — Christina, Uriah, Tori. Pessoas antigas que sei que não se juntariam nessa sujeira toda. — Acha que seu irmão será bem-vindo lá? Sabe como é, né? Ele é um deles. — Caleb acabou de sair. Disse que não irá com a gente. Tomou seu próprio rumo. Fico calada. É um alívio saber que aquele obcecado pela Erudição não estará conosco, mas ainda assim é o irmão de Tris, então apenas me calo. Quando ela termina seu banho, usa da minha toalha para se secar e se veste. Sam faz o mesmo e então vamos para a sala de Evelyn, onde passamos desodorante, penteamos os cabelos e arrumamos pastas de dente. Assim que retornamos para o galpão principal, vejo Quatro enrolando os colchonetes. Ele já está com outra roupa e seus cabelos molhados denunciam que saiu do banho há pouco tempo. — Bom dia. — lhe cumprimento — Bom dia. — apesar da aparência cansada, me dirige um sorriso e beija minha testa — Você está bem? — Vou ficar. — sorrio para lhe passar tranquilidade — Drew estava te procurando. — ele aponta para onde meu amigo está — Sairemos em breve. Confirmo num gesto de cabeça e vou caminhando para perto do loiro gigante que parece conversar com alguém que está de costas para mim. É Ezra. Eles parecem estar numa conversa séria. — Bom dia. — os cumprimento — Ei, Maria! — Ezra sorri e abre os braços, me abraçando com calor — Eu tava te procurando. — Drew, que também parece ter saído do banho, diz — Escute o que Ezra tem a dizer. — Eu estou confuso. — diz ao me soltar do abraço — Estou cogitando ficar por aqui. — O que? — franzo o cenho — Ezra, você é da Audácia. — Não existe mais Audácia, Maria. — Você não passou em primeiro lugar pra chegar agora e desistir, não é? Nossa facção precisa da gente. — Como? — ele me encara — Depois que consertar toda essa merda que está acontecendo, poderemos viver em paz na facção que nós escolhemos. — Drew diz — Drew, Maria! — ouço Quatro chamar — Estão prontos? — pergunta alto, para que possamos ouvir — Tudo pronto. — Drew responde — Então vamos. Temos um longo caminho pelos escombros da cidade. — Qual vai ser, Ezra? — olho para meu ex parceiro de caça-bandeiras — Vou ficar por aqui. — ele respira fundo — Eu sinto muito. — Tchau, cara. — Drew aperta a mão dele — Se cuida. — digo um pouco desapontada — Vocês também. — ele diz — Podem contar comigo, se precisarem. — Obrigada. Depois de agradecer, Sam, Tris, Drew, Quatro e eu saímos no sol em busca da sede da Franqueza. Espero que nos recebam bem. *** — Maria! — ouço alguém gritar — Ai, meu Deus! — Drew sorri Eu me viro e vejo Jessie ali. Ela corre pra nos abraçar e eu sorrio aliviada. Ao menos um rosto conhecido. É reconfortante. — Eu senti falta das suas falas irritantes. — Drew implica — Eu preciso falar com vocês. — ela nos olha — Ai, eu fiquei com medo que tivessem pego vocês. — E a Ali? — pergunto — Ela... Bom. — ela parece sem jeito — Jessie, o que tá acontecendo? — Drew franze o cenho — Quando nós acordamos, estávamos na enfermaria da Franqueza. — Jessie explica — Jeanine espalhou boatos, disse que vocês são os responsáveis pelo ataque. — O que? — Drew e eu arregalamos os olhos — Há aqueles que ficaram em dúvidas e tal, mas eu nunca nem pensei nessa possibilidade. — ela diz — Alou! Você é a Maria, a garota que se culpou por bater no Timothy. Ele, em toda a cidade, merecia aquilo. — Vá para a parte em que a Ali aparece. — Jogaram pesado na lavagem cerebral e ela achou mais seguro se juntar aos Aliados. — ela diz — É assim que estão chamando os soldados da Audácia que estão com a Erudição. Segunda maior decepção do dia: minha amiga agora faz parte dos assassinos de Jeanine. *** — Tris! — Christina a abraça forte, após seu testemunho com o soro da verdade — Você foi bem. Disse a verdade. — É sua vez. — Quatro diz segurando minha mão — Não tenha medo. A Franqueza tem uma ferramenta curiosa que faz com que as pessoas sejam francas sempre. Ou seja, soro da verdade. Assim que chegamos aqui, fomos recebidos com armas e então o líder da facção sugeriu que participássemos de um interrogatório sob a influência desse soro. Eles me aplicaram uma dolorosa dose, que me fez ficar um pouco fora de órbita. Fiquei tonta na hora e fui colocada sentada no meio do salão da Franqueza, onde uma balança equilibrada pintada de preto e branco está desenhada no chão. Segurei os braços da cadeira sentindo minha cabeça rodar e as pernas ficarem pesadas. — Por favor, querida, não resista. Pode ser doloroso. Ouço alguém dizer, mas não sei dizer quem. Olho para Quatro que está sentado e me olha tentando me tranquilizar. — Você é Sol de Maria, filha de Logan Prince, correto? — Jack pergunta — Não. — respondo tendo a visão um pouco menos tremida — Como não? — ele franze o cenho — Eu descobri há pouco tempo que... Eu sou filha de Evelyn Johnson. Fruto de uma traição dela ao marido com um homem sem-facção já morto. Todos parecem se chocar com a informação e eu ouço alguns burburinhos. Logo todos se calam e Jack continua o interrogatório. — Então é filha adotiva de Logan. — Sim. — É verdade que está envolvida amorosamente com Eric Coulter, ex m****o da Erudição e atual líder da Audácia? Travo meu maxilar e me agarro à cadeira. Admitir na frente de toda a minha facção e da outra facção que eu me apaixonei por Eric? Isso é demais. — Responda a pergunta. — ele insiste — Não. — n**o e sinto uma dor aguda na cabeça — Não minta, senhorita Prince. — Eric e eu nos envolvemos, mas não temos mais nenhum contato. — Quando se envolveram? — Depois da nossa luta. — vejo a cara de surpresa dos membros da Audácia — Há quanto tempo não tem contato com Eric? — A última vez em que o vi, ele estava perseguindo a mim e aos meus amigos, na Amizade. — respondo e, de repente, não sinto mais nada — Ele me cercou na floresta, mas me deixou ir embora. Disse para eu correr. — Então ele salvou sua vida, mesmo com ordens explícitas para te matar? — Jack franze o cenho — Por que? — Eu não sei. — o encaro — Você e Eric se relacionam há, mais ou menos, seis semanas e você não sabia dos planos de destruir a Abnegação? — Não, eu não sabia! — garanto — Então você é inocente da acusação de ataque à Abnegação? — Sim. — Você o ama? Travo o maxilar mais uma vez. Isso é muito desconfortável. Me sinto nua. — Você ama Eric Coulter? — Sim. — admito Ele me olha com piedade e preocupação. Parece temer o que esse sentimento possa fazer comigo. — Obrigado pela sua honestidade. — Obrigado pela sua honestidade. *** — Maria. — ouço alguém me chamar e me viro, vendo Joanne parada ali — Joanne. — digo surpresa — Achei que estaria com Eric. — Sei que você acabou de sair do interrogatório, mas a gente pode trocar uma ideia? — ela pergunta — É rápido. Ainda me sinto um pouco tonta pelo soro, mas aceito conversar com ela. Caminhamos juntas, lado a lado, pelos corredores da Franqueza. — Eu já sabia sobre Eric e você. — diz — Desde antes disso tudo começar. Acho que antes mesmo dele perceber. — Perceber o que? — Que está apaixonado por você. Fico surpresa com a frase. — Olha, eu nunca estive apaixonada antes, mas eu acho que alguém apaixonado não age como ele estava agindo. — franzo o cenho — Eric nunca foi um ser humano acostumado com bons sentimentos, mas isso não sou eu quem deve dizer e sim ele. — Vai fazer a advogada do d***o? — a olho e ela sorri fraco — É, acho que vou sim. — concorda — Existe algo bom dentro do Eric, só que está escondido sob toda a mágoa que ele sente. Eric não é mau, Maria. Ele só teve uma vida difícil. — Difícil como? — franzo o cenho — Isso ele mesmo te contará, talvez. Eu só queria que você não o odiasse. — Eu não o odeio. — sou sincera — Só estou confusa. É difícil acreditar que o Eric frio que a Audácia conhece é o mesmo Eric que salvou minha vida umas três vezes. — Ele só precisa que alguém invista nele. — paramos na porta do dormitório — Eu comecei a investir, mas sozinha, talvez, eu não consiga muita coisa. — respira fundo — Bom, eu vou deixar você descansar. — Obrigada, Joanne. — murmuro — Vou pensar bem sobre tudo isso. *** Quando acordo, estou no que foi improvisado como dormitório para a Audácia, deitada na cama de baixo de um beliche. Coço os olhos, ainda os sentindo pesados, mas meu corpo já responde melhor aos estímulos. Me sento na cama prendendo o cabelo e calço as botinas, me levantando e vendo Uriah e Quatro conversando longe de mim, na parede de vidro que mostra a cidade. Me aproximo deles. — Ei! Olha quem acordou. — Uriah sorri e Quatro se dá conta de que estou perto — Você está melhor? — Quatro pergunta — Faminta. — murmuro — Vá comer alguma coisa. Depois teremos uma reunião com o que sobrou de nós. — ele avisa — Já viu sua amiga? — Uriah pergunta — Sim e já estou sabendo sobre Ali. — confirmo — Depois a gente fala. Vou dar uma volta. Me afasto deles e saio dali, indo em direção a qualquer lugar onde eu possa sentar e pensar um pouco. Passo pela porta corta-fogo e logo estou nas escadas de emergência. Se bem me lembro, o refeitório fica no térreo. Tenho que descer cinco andares à pé. Desço devagar. Ainda me sinto pesada e zonza. Ouço barulhos de vidro se quebrando e aperto o passo, logo saindo no térreo, onde vejo guardas da Audácia Azul entrando. Me escondo atrás do balcão da recepção e vou observando-os se espalharem. Todos os membros da Franqueza estão atingidos e caídos no chão. Não parecem mortos. No lugar de balas, as armas parecem disparar dispositivos que grudam na pele. — Preciso achar o Quatro. — murmuro Corri de volta para a escadaria e então, quando estou no terceiro andar, encontro Tris e Uriah descendo. Quase pulo de alegria e alívio. — Estão bem? — pergunto — Sim. — respondem juntos — Por que só a gente está acordado? — Uriah pergunta — Porque somos divergentes. — Tris responde e vejo que foi atingida pelo dispositivo — Ninguém me viu. — digo — Não fui atingida. — Onde ficam as armas? — Tris olha para Uriah — No térreo. — Vamos. — Eu acabei de vir de lá. — resmungo — E então? — Está vazio. — Ótimo. Vamos. Reviro os olhos e torno a descer as escadas de novo. Quando chegamos no térreo, Uriah nos guia até o depósito de armas. — Olhe só o que temos aqui. Meu corpo todo se arrepia ao ouvir essa voz. É ele. Eric está aqui. Me viro lentamente e o vejo caminhando em minha direção. Está com o traje dos aliados e tem uma pistola em sua mão. Os homens que o acompanham algemam Tris e Uriah e ele fica cara a cara comigo. — Sentiu saudades, docinho? — sorri diabólico e noto algo diferente em seu olhar. Suas pupilas estão dilatadas — Eu vou algemar você, agora. E não vai ser pra sua diversão.
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