ALICE NARRANDO
Estou lendo um livro para me preparar para meu primeiro dia de trabalho. É importante a gente entrar no ambiente preparada, confiante... Estou tentando recuperar minha autoconfiança. Lembro que quando estava com Calvin, ele me fez perder tudo. Eu andava cabisbaixa, desarrumada... Certa vez, me olhei no espelho e nem mesmo me reconheci. Meu cabelo sempre bem penteado e limpo, estava sujo e em um coque m*l feito. Não, não era aquele coque bagunçado bonitinho que fazemos de propósito... Era um coque de cabelo sujo, que fazemos pra limpar a casa. Minhas roupas eram confortáveis, mas me tornavam invisível. Eram roupas que não me valorizavam em nada.
Quando dei um basta em Calvin, também dei um basta nessa eu cabisbaixa e deprimida: Comprei novas roupas, fiz um novo corte de cabelo, voltei a usar saltos que tanto amo. Eu voltei a usar jóias poderosas como gosto e também o meu batom favorito, vermelho vivo.
April se sentou do meu lado, no sofá, e começou a pentear o cabelo recém lavado. Que criança mais cheirosa! Reparei que ela estava com dificuldade de pentear, porque é bem enrolado. Tem cachinhos pequenos, como eu tinha quando era criança... Mas eu alisei o cabelo, e desde então, nunca mais foi o mesmo.
— Quer ajuda, April? — Questionei.
— Você me ajuda? Me ajuda mesmo? Mesmo eu já sendo uma mocinha?
— Claro que ajudo, meu amor. Vem cá. — Eu larguei o livro e ela veio ao meu colo.
Eu comecei a pentear o cabelo dela e quase tive um infarto, ao ver o tamanho da infestação de piolhos.
— Jesus! — Falei. — Ben, corre aqui!
— O que foi?
— Olha a cabeça da sua filha! — Eu falei, como uma bronca para ele. — Precisamos de remédio e de um pente fino, pelo amor de Deus!
— Mas que droga! — Ele resmungou. — De novo, filha? Sua mãe tá te deixando na casa daquela amiga dela?
— Está.
— Toda vez ela volta com piolho. Meu Jesus. — Ele negou com a cabeça e foi até a caixa de remédios.
Ben voltou com raiva. April ficou com os olhos cheios de lágrimas.
— Eu queria não ter esse cabelo feio e cheio de piolhos.
Abracei April com carinho, e dei um beijo em sua testa.
— Não se preocupe, meu amor, nós duas vamos resolver o problema do seu cabelo. Seus cachinhos são lindos, só precisam de um bom hidratante.
Ele trouxe as coisas. Chamou a menina com a mão e eu a segurei.
— O papai está chamando, tia.
— Dessa vez, deixa que a tia cuida. — Olhei para a cada de Ben. Ele concordou, e me entregou os apetrechos.
Primeiro, limpei toda a cabeça dela e passei o produto para que eles não voltassem mais para a cabeça dela. Depois, foi hora de tratar a estética: Eu sei cuidar de cachos, eu já tive. Comecei a fitar as mechas, com bastante hidratante, até que estivessem lindas, soltas e volumosas.
Fui até meus apetrechos de cabelo, e peguei dois elásticos, que usei para fazer um penteado bonito nela. Coloquei um prendedor bonito de cada lado, e depois, a levei até o espelho.
— Viu, como você é linda e seu cabelo também? — Ela colocou as duas mãos na boca, em surpresa.
— Eu estou maravilhosa, tia Alice!
— Está, meu amor.
Ben me olhou sorridente ao ver a felicidade da filha. Eu sorri de volta, e meio que dei uma derretida por dentro.
Agora, entendi o que ele disse sobre Susan não saber como tratar a filha. É dolorido saber que uma criança não é cuidada, e me deu vontade de tomá-la para mim.
O dia foi maravilhoso. Consegui me preparar bem para o meu primeiro dia de trabalho com as leituras, e então, vi Ben colocando a filha para dormir.
Depois que ela dormiu, ele veio entristecido até a sala.
Ben sentou ao meu lado no sofá. Eu o olhava, confusa.
— Tá tudo bem? — Questionei. Ele negou com a cabeça.
— Minha vida tá de cabeça pra baixo. Acho que você voltou na hora certa. Posso ganhar um abraço, como a gente ganhava antes de tudo acabar?
Eu acabei sorrindo, me levantei e abri os braços. Ele veio até mim e me abraçou com força.
Deus, ele ainda tem o mesmo cheiro. A temperatura daquele abraço me trazia conforto. Espero que ele sinta o mesmo.
— Seu abraço ainda é muito bom. — Eu falei e suspirei. Ganhei um beijo na testa, e nos separamos.
Voltei a sentar. Ele sentou ao meu lado e passou as duas mãos no próprio rosto.
— Quer me contar o que houve? — Ele deu os ombros.
— Foi tanta coisa, Alice. Você tem paciência pra ouvir? — Eu suspirei.
Levantei do sofá e fui até a geladeira, peguei duas cervejas e as trouxe pra sala. Tenho o costume de abrir as garrafas com a camiseta desde a adolescência, e fiz isso. Ele sorriu ao ver.
— Agora sim, tenho toda paciência do mundo. — Falei e entreguei uma garrafa de cerveja para ele, para logo depois me sentar.
— Bom, quando a gente parou de se falar, eu fiquei triste, mas precisava seguir em frente e conhecer amigos novos, não é? E então, eu conheci a Susan. — Ele respirou fundo. — Foi quando me envolvi na pior parte da minha vida, mas que gerou a parte mais linda, que é a April. A Susan usava drogas comigo... A gente começou a namorar, e pouco tempo depois, ela engravidou. Mas, mesmo grávida de mim, ela não queria um relacionamento comigo. Sabe que sempre fui um azarado no amor, não é? — Eu concordei com a cabeça e ri. — Pois é. Ela até conseguiu ficar limpa durante bom tempo, mas tudo piorou quando ela conheceu o novo namorado. Agora, ela está usando mais droga do que nunca e a nossa filha sofre... E o pior? Ela não me deixa pegar a April e cuidar sozinho! Eu tô morrendo por dentro, Alice.
— Tem provas de que ela usa drogas? — Ele concordou. — Então pronto. Entra na justiça.
— O processo já está em andamento, mas é lento demais. Estou muito cansado de tudo isso. E pra ajudar um pouco, bom... Eu estou noivo.
Ele está noivo. Mas que droga.
— Nossa, parabéns! — Fingi empolgação.
— Não, você não vai acreditar. Eu acho que a Mary está me traindo. — Eu o olhei, confusa.
— A Mary... A nossa Mary? Aquela que você gostava na adolescência?
— Essa mesma. Eu finalmente a conquistei, mas estou desconfiado dela com o chefe. Ela tem passado mais tempo com ele do que comigo. Está muito difícil, eu estou carregando um fardo pesado demais e ninguém me ajuda! Eu só queria, sei lá, desaparecer, eu e minha filha, e ser feliz com ela. Cuidar dela direito... Ela voltou com piolho na cabeça pela segunda vez no mês. Isso me revolta de um jeito, Alice...
— Eu imagino, Ben. Mas vai dar certo, e bom, não sei porque, mas acabamos juntos de novo, não é mesmo? E agora, graças a isso, você tem alguém ao seu lado para ajudar a passar por isso. — Ele colocou a mão em meu joelho, de forma carinhosa.
— Obrigado, Alice. — Disse e suspirou. — Eu já desabafei tanto... Me fala sobre você.
— Estudei na Alemanha, como já te disse de manhã. Foi bem interessante, sabe? Mas aí eu conheci o Calvin e tudo deu errado. Eu não tô pronta pra conversar com ninguém sobre isso, não agora, mas meu relacionamento com ele me fez muito m*l. Eu pretendo não me relacionar com ninguém. — Ri ao falar e tomei um gole da cerveja.
— Azarada no amor, como eu.
— Sim.
— Mas acho que voltamos a ter sorte na amizade. Estou feliz que você está aqui. Você me faz bem, Alice.
— Obrigada...
— Você foi embora por causa da minha infantilidade na festa, quando eu estava bêbado? Eu te ofendi tanto assim? Porque se sim, eu queria te pedir perdão. Essa foi a coisa de que mais me arrependo. Você era a pessoa mais especial da minha vida e eu estraguei tudo... — Ele negou com a cabeça.
A palavra perdão é forte demais.
— Eu perdôo você. Vamos seguir em frente, Ben.
— Obrigado por me perdoar.
Eu me levantei, porque já estava tarde. Ben foi até a cozinha com as garrafas vazias e eu fui em direção ao meu quarto.
— Obrigada pela conversa, Ben.
— Obrigado, você. Estou bem mais calmo. — Ele sorriu de forma doce, com o mesmo sorriso... Ah, droga, ele é a mesma pessoa. Só que parece bem mais maduro. E isso me atrai...
Sorri e me afastei.
— Ah, Alice? — Ele me chamou, e eu virei em sua direção. — Senti sua falta. Mais do que você imagina.
Droga.