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1804 Palavras
ALICE NARRANDO Olhei para baixo, por alguns instantes. Estou sentada junto com Ben, no Central Park. Ele está falando sobre a garota que ele ficou ontem, a Mary... Isso é tão frustrante. Eu queria não sentir inveja dela. Ela o beijou, no final das contas, e nem deu valor a isso. — Você tá prestando atenção em mim? — Eu fechei os olhos e neguei com a cabeça. — Na verdade, Ben... Não, eu não tô conseguindo. — Eu me levantei do chão. — Na verdade, eu acho que foi um erro vir aqui. Eu não tô legal. Minha cabeça tá confusa, um inferno pra ser precisa. É melhor eu me afastar de você por um tempo. — Ele arregalou os olhos. — Por quê? O que eu fiz? — Ele levantou e veio em minha direção. Ele levou as duas mãos até as minhas e as segurou, me olhando nos olhos. — Por favor, me explica, o que houve? — Ben, você estragou tudo com aquele maldito beijo. Eu não tô confortavel com você mais. — Ele soltou minhas mãos. Colocou as duas mãos nos bolsos, e era como se eu tivesse dado uma punhalada no coração dele. — Entendi. Prefere que eu me afaste de você? — Ele questionou e eu concordei. — Prefiro. Eu saí andando. Ben ficou me olhando durante o trajeto, eu consegui vê-lo. Depois desse dia, nossa amizade nunca mais foi a mesma. Eu passava pelo colégio e o via meio cabisbaixo, mas ainda assim, fingia estar feliz. Nós nos cumprimentávamos, mas não tinha mais aquele contato. Eu e o Ben conversávamos todo santo dia desde a infância. É muito dolorido ficar longe dele... Mas eu precisei. Ben começou a frequentar mais festas do que o normal e eu continuei estudando, mas a vida me trouxe Ben de volta de um jeito ridículo, como se quisesse jogar na minha cara que era para termos contato um com o outro. SEIS ANOS DEPOIS — Essa é a cozinha e a sala que vocês vão dividir. O rapaz que mora por aqui é muito caseiro e tranquilo. Ele tem uma filha de seis anos, mas como você pode ver... A menina também é bem organizada, e vem apenas nos finais de semana. Eles não deixam nada jogado pela casa, então é importante que você seja organizada também. — Concordei com a cabeça, sorrindo. — O apartamento é perfeito. Eu consegui um emprego em uma corporação incrível duas quadras daqui. Quanto é o aluguel do quarto? — Questionei. — Oitocentos, com água, luz e internet incluso. — Por mim está fechado. Quando posso trazer minhas coisas? — Questionei o rapaz da imobiliária. — Ah, no final de semana. Vou avisar o rapaz que mora aqui com a filha para se prepararem. Espero que você goste do novo apartamento! — Eu sorri. Dias depois, no fim de semana, eu trouxe as poucas coisas que tenho. Um dos motivos de eu ter escolhido esse apartamento, é que ele é todo mobiliado, inclusive o quarto. Isso é bom para uma pessoa que acabou de voltar de outro país. Morei sozinha por boa parte desses anos, mas agora, me sinto insegura... Por causa de tudo que aconteceu comigo. Eu sentei na sala do apartamento e comecei a me lembrar de tudo que aconteceu. Primeiro, assim que terminei o ensino médio, eu fui pra Alemanha. Desisti de estudar por perto, porque não queria encontrar com o Ben. E aí, eu conheci um aluno na Alemanha que era americano também, o Calvin. Ele era lindo, parecia um ator americano. E eu, que sempre fui a tonta da escola, estava sendo vista por alguém como ele. Eu me senti poderosa, mas foi um doce engano. Calvin era a droga de um abusador. Primeiro, ele me tratou como uma princesa. Me dava flores, me chamava de linda, dizia que me amava como ninguém... Me levava em restaurantes ótimos. Uma vez, ele reservou uma mesa em um restaurante no topo de um prédio, que dava para ver boa parte da cidade em que morávamos. Era lindo. Eu me lembro do sorriso e do jeito galanteador... Ele foi meu primeiro homem. Achei que seria o último, até os abusos começarem. Primeiro, ele me agrediu verbalmente por alguns meses. Começou a implicar com o tamanho da saia que eu usava e eu pensava que era bobagem, quer dizer, eu não podia perder alguém que me amava como ele por causa de saias, certo? Ele foi a primeira pessoa que realmente me amou e cuidou de mim... Depois, certo dia, estávamos discutindo sobre o que comer. Lembro que acabei sendo um pouco grosseira com ele, e ele me deu um tapa no rosto. Eu fui embora pra casa, jurei que não me sujeitaria mais às agressões verbais porque ele cruzou a linha. Mas ele bateu na porta da minha casa com flores, e eu, que precisava tanto de amor, aceitei. O tempo foi passando, e as coisas foram ficando piores. O último abuso me fez ficar com o olho roxo, e eu planejei minha volta para os estados unidos. Depois de ter me lembrado o que me trouxe até aqui, eu respirei fundo e olhei para aquele apartamento lindo. Não importa que eu tenha que começar de novo, em um lugar que não é só meu. Não importa mesmo. O que importa é que eu estou recomeçando longe do Calvin, que tanto me fez sofrer. Fui para o meu quarto, era hora de colocar as coisas no lugar: Não apenas do lado de fora, mas dentro da cabeça também. Amanheceu, e o céu estava lindo. Era um sábado perfeito. Eu saí do meu quarto com um pijama comportado, para preparar meu café da manhã. Fiz primeiro um chá, queria acordar e ter uma manhã perfeita. A porta da casa se abriu, e aí... Uma criança de cabelos enrolados e bagunçados veio correndo em minha direção. — April, não incomode a... Inquilina. — Ouvi uma voz masculina da porta. — Oi, bonequinha! — Eu sorri, falando para a garota que agarrou minhas pernas. — Seja bem vinda, bequelina. — Eu comecei a rir. — Inquilina, April. — Eu ouvi a voz novamente, mas estava ocupada demais olhando para a garotinha de cinco ou seis anos, muito bochechuda agarrada em minhas pernas. — Belequina, como você é linda! Meu nome é April e eu tenho seis anos! — Disse, empolgada. — Eu adoro meu quarto na casa do papai, eu posso te mostrar? April é uma tagarela. Quando ela falou do papai, eu obviamente olhei para a porta, para procurá-lo. E lá estava ele, parado, estático na porta. Eu não acreditei quando o vi. Era o... — Ben? — Ele veio caminhando em minha direção. — Então, é você? A Alice? Minha Alice? — Eu dei uma risadinha. — Defina a palavra "sua", senhor Benjamin. — Falei, desdenhando o que ele disse. Ele riu para cortar o climão. — A Alice de quem eu era melhor amigo há alguns bons anos atrás. Meu Deus, você mudou muito! Que mulherão que você virou! — Eu senti meu rosto inteiro queimar como se tivessem jogado óleo quente. Por que meu coração está batendo tão rápido? Deus, eu superei esse homem. Eu superei, não superei? Fico em dúvida só de olhá-lo vestindo essa maldita camisa branca. Ele agora tem barba, e eu adoro homens de barba. Seu cabelo castanho continua lindo... Os olhos, profundos e expressivos como sempre. E ele tem uma filha? É muita coisa pra processar! — Cara, você tem muita coisa pra me contar e eu estou chocada de estar morando no mesmo apartamento que você. E de forma aleatória, ainda. — Ele sorriu e concordou com a cabeça. — Sim. E você também tem muito que me contar. Você literalmente sumiu depois do ensino médio. — Eu concordei com a cabeça. — Estava na Alemanha. — Falei e fui interrompida. — Vem ver meu quarto, tia Alice! Por favor! — April estava agarrada em minha perna fazendo um biquinho infantil muito bonitinho. Não resisti. — Depois a gente conversa, Ben, eu acho a April mais interessante que você. — Brinquei. Acompanhei a menina até o quarto. Era um quartinho lindo, de menina, com as paredes rosa... Uma casa de boneca, uma cama com colcha estampada de borboletas. — Olha, essa é minha boneca favorita! — Ela pegou uma boneca que estava em cima da cama. — Eu fico triste de ter que esperar a semana inteira para ver minha boneca. — Disse, entristecida. — A minha mamãe não deixa eu levar nada daqui pra casa. — Poxa, por quê? — Eu não sei. — April se sentou no chão e começou a acariciar o cabelo da boneca. Deu um beijo na cabecinha dela, e ficou com os olhinhos cheios de lágrimas. — Eu senti sua falta, Bebel. — Falou, para a boneca. — Aposto que você tem um monte de bonecas na sua casa. E bom, a saudade às vezes faz parte da vida. E como faz. Eu estou tentando entender o que está acontecendo no meu peito, agora. Parece que eu senti falta do desgraçado do Ben durante todo esse tempo. — Filha, quer comer? — Ben apareceu na porta do quarto. — Sim! Eu estou sem comer desde ontem! — Não jantou de novo, April? — Ele girou os olhos e foi para a cozinha. — Eu tenho vontade de bater na sua mãe às vezes. — Ela estava ocupada com o namorado, papai. Ela não podia fazer o papá. — Ele negou com a cabeça. Os acompanhei até a cozinha. April levou a boneca e foi até o tapete da sala brincar. Fui até a cozinha atrás de Ben. Eu não queria ser invasiva, mas estava intrigada com algumas coisas. Então, puxei a conversa como se não quisesse nada. — E aí, Ben... Então, você é pai? — Ele suspirou, meio de saco cheio. — Sou pai da April e da mãe dela, pelo que você viu. Aquela vaca desgraçada. — Ele começou a tirar coisas da geladeira. Pelo que eu vi, iria fazer panquecas. — Ela não cuida direito da April. Olha, Alice... Eu tô tentando tirar a April da Susan desde que ela nasceu. E eu simplesmente não consigo porque sou homem. É ridículo. Ben cozinhava revoltado. E eu entendo a revolta dele. — Por que você acha que ela não cuida da menina? — Observa a minha filha, Alice. Você vai entender em poucos segundos. Desde o primeiro momento de que Ben voltou para a minha vida, ele trouxe consigo um turbilhão de sentimentos: Raiva da tal da Susan, amor por April, um reboliço no estômago só por olhar pra cara dele... O que vai ser de mim? Pelo amor de Deus, eu tô bem ferrada.
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