BENJAMIN HARRIS NARRANDO
Bufei ao chegar na escola e ver Mary sorrindo e colocando a mão no ombro do meu amigo Calvin, justamente o garoto que me disseram que ela gosta. Eu sabia que ela tinha me usado, sabia mesmo. Por que é tão difícil encontrar alguém legal? Por que as meninas não podem, sei lá, se parecer com a Alice? É tão difícil assim? Eu devia ter expectativas menores, porque eu meio que criei algumas altas demais por causa da Alice. Ela é minha melhor amiga e eu não vou aceitar menos do que alguém tão legal quanto ela.
Eu confesso que às vezes até confundo meus sentimentos por ela, porque bom, ela é tudo que eu procuro em uma garota. Mas ela é minha melhor amiga desde a infância, eu não posso simplesmente chegar e ferrar com tudo, o que provavelmente vai acontecer porque eu sou um cretino. E eu não quero perdê-la, prefiro ficar na minha.
Hoje, não quero falar com ninguém. Não depois de ser usado pela garota mais popular do colégio para que ela chegasse em seu real objetivo. Ainda bem que minha primeira aula é com a Alice, porque o silêncio com ela é confortável.
Cheguei e ela já estava sentada, desenhando no caderno. Ela fez uma pessoa com um buraco no peito. Às vezes me pergunto por que os desenhos dela são tão tristes, se ela é uma pessoa alegre. Deve ter a ver com a morte da mãe dela, quando ela tinha dez anos...
A Elise, mãe da Alice, era uma boa pessoa, mas trabalhava demais. Um dia, dormiu no volante e enfiou o carro embaixo de um caminhão. Morreu na hora. Lembro que Alice chorou por uma semana inteira sem parar, e depois, chorou todos os dias pelo menos um pouco por uns dois ou três meses. Foi um tempo difícil, por sorte o pai dela é uma pessoa incrível.
Dei um beijo no rosto de Alice e deitei a cabeça na mesa, em silêncio. Ela colocou a mão no meu cabelo e fez um carinho leve.
— Dia difícil? — Perguntou.
— Sim.
— Não quer conversar? — Eu suspirei.
— Não.
Ela aceitou. Sempre aceita e me dá suporte. Eu não sou muito de falar dos meus sentimentos ruins, só dos bons. E então, ela ficou fazendo carinho no meu cabelo até a aula começar.
Eu acabei dormindo. Ela me escondeu com um livro e fingiu que eu estava estudando com ela. Quando o professor estava chegando perto, ela me cutucou e eu me levantei, e ela apontou uma frase para que eu lesse.
— Ah, agora entendi. Os elétrons giram ao redor do núcleo do átomo, então? — Falei.
— Sim, é isso mesmo. — Ela confirmou e sorriu. O professor também sorriu e continuou seu percurso pela sala.
— Você tá conseguindo fazer a lição? — Sussurrei.
— Sim. Está difícil, mas não se preocupe. Eu coloco seu nome na hora de entregar. — Ela me respondeu e eu me senti aliviado.
— Tá bom.
A aula acabou. Por sorte, o professor da nossa próxima aula faltou, então estávamos de aula vaga e pudemos ir para o pátio. Eu e Alice sentamos embaixo de uma árvore, mas logo eu deitei com a cabeça no colo dela. Ela fazia carinho em meu cabelo, em silêncio, enquanto lia um livro clássico: Tristão e Isolda. Eu nunca toquei em um livro desse. Ele tinha a capa verde, bem velha.
— Me fala um pouco sobre esse livro? — Pedi.
— Bom... Ele conta a história de um amor impossível entre um servo do rei e a futura esposa do rei. É bem triste. — Afirmou. — É uma lenda européia.
— Ah, que interessante. Eles morrem no final?
— Em algumas versões, sim. Em outras, eles fogem. Nessa aqui eu não sei, peguei ontem na biblioteca. É uma versão legal, aliás.
— Você já leu mais versões? — Ela sorriu. Fechou o livro e continuou fazendo carinho no meu cabelo.
— Seis, no total. Cada uma conta uma história diferente, porém, é um amor impossível de qualquer jeito. Eles se apaixonam... Ele não suporta ficar longe dela e nem ela dele. Os dois traem o rei, e no final... Bom, em alguns livros, eles fogem e tem uma vida miserável na floresta. Em outros, os dois se matam como Romeu e Julieta, e seus corpos são enterrados juntos. E aí, nascem árvores que se entrelaçam, para demonstrar que nem mesmo a morte foi capaz de separar os dois.
— Caramba. Que pesado. — Ela concordou.
— Tem um monte de versões com detalhes diferentes. Em umas, eles se apaixonaram por causa de uma poção mágica. Em outras, foi uma bruxa que lançou um feitiço como vingança. Mas é sempre assim: Eles percebem que mesmo sem a magia, se amam. E pra eles, isso é uma droga.
— É, não deve ser muito bom se apaixonar pela futura esposa do rei. — Falei e ri.
— Pois é. — Ela suspirou e pegou o livro novamente.
— Alice... Obrigado por cuidar de mim e ficar em silêncio porque eu não queria falar. — Ela sorriu de forma doce.
— De nada. Eu entendo você. Às vezes eu só quero ficar quieta e... Sei lá, pensar em tudo.
— Eu estou com um pensamento muito i****a de fugir daqui e recomeçar bem longe. — Falei e ela deu os ombros.
— De vez em quando eu penso a mesma coisa. Mas passa. Pra onde formos, nossa cabeça vai junto. O problema tá aqui dentro. — Ela colocou um dedo em minha testa, para mostrar que o problema estava na minha cabeça.
— É, você tem razão. Você sempre tem razão.
Ela sorriu mais uma vez e abriu o livro novamente. Eu fiquei a olhando enquanto lia, e fazia carinho em meu cabelo. Ela é uma garota bonita, tem olhos azuis e cabelos castanhos bem escuros. Se veste bem, em um estilo clássico e delicado. Gosta de sapatos baixos e confortáveis, mas está sempre bem vestida, penteada e cheirosa. Ah, e ela gosta muito de tiaras, principalmente de uma vermelha que está usando nesse exato momento.
— Alice, eu te amo. — Afirmei. Eu amo a Alice, do fundo do meu coração. — Obrigado por existir.
— Eu também te amo, Ben. Por que essa declaração de amor do nada? Achei que isso só valia para aniversários e dia do amigo. — Ela disse de forma brincalhona e riu, largando o livro mais uma vez.
— Ah, senti vontade. É que você está cuidando de mim hoje, que eu estou na merda, e eu estou me sentindo amado.
— Tudo bem então. Que bom que está se sentindo amado. — Sorriu.
— Quer saber? — Eu levantei a cabeça do colo dela, ficando sentado agora. — Não quero ficar na merda. Hoje nós vamos sair. — Ela me olhou confusa.
— Amanhã tem prova, Ben. A gente precisa estudar.
— Tá, a gente sai primeiro, depois estuda. Eu prometo que deixo você em casa antes das oito da noite.
— Onde você vai me levar? — Questionou.
— No Central Park. Qual é, é perto daqui, nós vamos respirar um ar puro, vai ser bem legal. — Ela respirou fundo e parecia pensar.
— Tá. Mas quero voltar às sete. Preciso mesmo estudar, minhas notas em literatura não estão muito boas, tá?
— Combinado.
Estava ansioso pela hora de sair daquela droga de lugar. No intervalo, vi Mary toda assanhada para o lado do Calvin, de novo. Que droga isso. Ontem nos beijamos e hoje ela nem sequer me deu bom dia, está o tempo todo lá, colada nele. E eu não vou chegar perto dela. Se ela não faz questão da minha presença, eu não faço questão da dela.
Na hora da saída, peguei Alice pelo braço e saí arrastando. Eu precisava mesmo sair dali, ir colocar minha cabeça no lugar, e o Central Park é perfeito para isso. Alice colocou um moletom azul com uns passarinhos, bem bonito.
— Gostei do moletom. É novo, não é?
— É. Comprei junto com a Mia aquele dia.
— Você fica bem de azul. É da cor dos seus olhos, nossa. — Ela sorriu de forma leve e fomos em direção ao ponto de ônibus.