Ares
Sinto-me como um observador fora de sintonia com o ambiente à minha volta. Tento me distrair voltando para a garagem, mas nem mesmo mexer no carro consegue. A sensação de inquietação e agitação interior me envolve como uma nuvem densa.
Desisto!
Volto para a boate, a atmosfera está fervendo, e as pessoas dançam e se divertem como se não houvesse amanhã. Vou direto para o bar, procurando um pouco de alívio em uma bebida e espero... não preciso fazer nenhum esforço, elas veem até mim, parecem sentir meu cheiro.
E eu sei que, independentemente de quem me acompanhará até a manhã seguinte, essa pessoa fará de tudo para se destacar, seja nos tabloides, jornais ou sites de fofoca. Sei que vai usar essa noite como trampolim para obter alguns minutos de fama fugaz, enquanto eu, por minha vez, busco um escape temporário para as minhas preocupações.
É uma troca de interesses, e, de alguma forma, eu aceito isso como uma parte inevitável da minha vida. A busca incessante por atenção e notoriedade, ainda que vazia, parece ser uma constante em minha vida.
– Você voltou, Sr. Bacelar. – Uma voz suave me traz de volta ao presente, e eu volto minha atenção para a mulher diante de mim. Seu sorriso é sedutor, como se eu fosse a recompensa mais tentadora que ela poderia receber. – Pensei que eu acabaria a noite sozinha.
Sorrio suavemente, contendo um riso irônico que ameaça escapar.
Quem ela está querendo enganar? Se não fosse eu seria algum outro desavisado.
– Quem disse que você vai terminar a noite sozinha? Eu seria um i****a se deixasse isso acontecer. – Respondo com falso interesse.
Ela ri, os olhos brilhando.
– Bem, nesse caso, a noite pode ser mais interessante do que eu esperava. – Ela inclina um pouco a cabeça, seus cabelos escuros brilhando à luz das luzes coloridas.
– Interessante é um eufemismo, acredite em mim. – Minha voz é baixa e carregada de sugestão, enquanto a proximidade entre nós aumenta.
Ela ri novamente, inclinando-se para mais perto.
– Estou ansiosa para descobrir o que você tem em mente.
Nossos lábios estão quase se tocando quando eu respondo, minha voz uma promessa velada:
– Então o que acha de sairmos logo daqui?
– Uma ótima ideia, mas o que acha de levarmos minha amiga? Não quero deixá-la sozinha... – faz um biquinho.
– É claro que podemos levá-la. Desde que saibam dividir, não vejo m*l nenhum.
A noite foi mesmo loucura, ainda que minha mente insistisse em me levar a pensar em Jully e Nicolas.
– FORA DAQUI SUAS VADIAS! – Um grito furioso irrompe na minha consciência, fazendo-me abrir os olhos e, imediatamente, fechá-los novamente em resposta à súbita claridade.
– Jully, o que faz aqui tão cedo? – Sabe aquela criança que é pega no pulo fazendo coisa errada? Era exatamente assim que eu estava me sentindo enquanto ela me fulminava com o olhar. – Vocês não escutaram? – Pergunto as duas mulheres que ainda alternam o olhar entre minha amiga extremamente irritada e eu. – Fora... – Mandei sem deixar espaço para discussões.
Minha nudez não tem nada a ver com a vergonha que sinto diante do olhar feroz de minha melhor amiga. A Exposição que sinto vai muito além da pele.
As duas começaram a pegar as roupas que estavam espalhadas pelo meu quarto e se vestir rapidamente para sair diante do olhar assustador de Jully.
Já eu... ah, eu sabia que estava fodido enquanto ela me olhava prestes a me estrangular.
– Isso é sério? – Perguntou quando as duas nos deixaram a sós. – Você não tem o mínimo de respeito por si mesmo? – Bufou frustrada. – Elas estavam tirando fotos suas junto com elas na cama sabia? As fotos provavelmente estarão em algum site de fofoca assim que elas chegarem ao térreo.
Eu suspiro, sentindo-me culpado e incapaz de encarar seu olhar direto. O momento que compartilhamos é carregado de tensão e emoções não ditas. Finalmente, eu me levanto, olhando para ela com sinceridade.
– Jully, eu não pretendia que você visse isso. Você poderia pelo menos ter batido na porta do quarto para entrar. – Minhas palavras são apressadas e urgentes, cubro o necessário com o travesseiro.
– Pensei em passar aqui antes de ir trabalhar, para ver como estava. Sinto muito, Ares. – Sua voz não dá indícios de que realmente sinta algo além de raiva. – Eu não esperava ver... isso. Eu devia ter batido na porta, ou deveria devolver a chave que tenho, assim preciso interfonar
– Não, porra... – Passo as mãos nos cabelos frustrado. – Eu deveria ter sido mais cuidadoso. Eu não quero que você veja esse lado da minha vida.
– Essa é a sua casa, Ares, você não tem que se desculpar por isso. – Sinto a tristeza em sua voz e me sinto ainda pior. – Eu vou indo, vou deixar a chave na sala.
– Jully, não, você não precisa deixar merda nenhuma! Ela é sua, eu te dei porque queria que você...
– Visse isso? Certamente não... Cuide da bagunça com as fotos, se não quiser que seu p*u esteja estampado nas regatas das suas fãs por aí. – Tenta sorrir, mas vejo que não chega aos seus olhos.
– Espera, Jully... – Minha voz sai desesperada enquanto tento alcançá-la, mas ela já está saindo do quarto, deixando-me sozinho com minha confusão.
Eu me jogo na cama, fechando os olhos e soltando um suspiro profundo. O silêncio que se segue é preenchido pela minha própria autopunição. Como pude ser tão i****a?
Enquanto penso em como posso recuperar o controle da situação, percebo que estou fazendo exatamente o que fiz tantas vezes antes: correndo atrás dos estragos que eu mesmo causei. É um ciclo vicioso que eu não sei como quebrar. E enquanto lido com as consequências de minhas ações, não posso deixar de pensar em Jully e na maneira como ela me olhou.
Ela sempre foi uma amiga leal, uma voz de razão que tenta me puxar de volta à realidade quando minha busca por prazer e distração ameaça me consumir. Ela vê além da fachada que eu apresento ao mundo, e isso me assusta às vezes. Ela me desafia a ser uma versão melhor de mim mesmo, mesmo quando eu tento me afastar disso.
Pego meu celular e envio uma mensagem para ela, por mais que eu saiba que não vai ajudar muito, quero pelo menos tentar.
“Nem sei por onde começar a te pedir desculpas, mas o que acha de irmos ao nosso cantinho depois da corrida, passando antes em algum lugar para pegar tudo o que você gosta de comer? Espero sua resposta.”
Fiquei ansioso enquanto aguardava, mas a resposta demorou muito mais do que o habitual.
“Estou trabalhando, nos falamos depois.”
Levou bem mais de uma hora para me responder e quando a resposta finalmente veio foi apenas isso, fria e direta.