Insiste em mentir

1125 Palavras
Jully Não vou deixar que as coisas que Ares faz me incomodem. Não posso permitir que isso aconteça; afinal, eu não tenho nenhum direito sobre ele, assim como ele também não tem sobre mim. Somos apenas amigos, Jully, apenas amigos. Não é motivo para chorar. Olhei para o meu reflexo no espelho do elevador enquanto descia para ir trabalhar, e lá estavam os malditos olhos vermelhos. Sentimentos conflitantes ameaçavam transbordar, mas eu me recuso a deixar que eles dominem. Ares é um homem que segue suas próprias regras, e eu não deveria me preocupar tanto com suas escolhas de vida. A verdade é que eu me importo com ele mais do que deveria. Mais do que quero admitir para mim mesma. E, no fundo, é isso que me machuca. Por que diabos eu me importo tanto com o que ele faz e com quem ele está? Por que não consigo simplesmente aceitar que só podemos ser amigos e seguir em frente? No trabalho, o dia parecia se arrastar, enquanto eu estava ansiosa pela corrida do final de semana. Toda aquela confusão em minha mente continuava a me perturbar, mas eu estava determinada a não deixar que isso afetasse minha rotina. Quando a mensagem dele chegou, senti meu coração acelerar, é sempre uma coisa de louco essa nossa convivência, mas parece que ultimamente tem piorado. – Jully? – Ouço a voz de Nicolas. – Você parece um pouco distraída hoje, está tudo bem? – Há um vinco entre suas sobrancelhas, demonstrando certa preocupação. – Está tudo bem, Nicolas. Acho que não dormi muito bem, só isso. – Respondo com um sorriso forçado, tentando parecer normal. Ele parece não estar totalmente convencido, mas não insiste no assunto. Nicolas é um chefe que tem se mostrado atencioso, mas é claro que não devo compartilhar meus sentimentos e assuntos pessoais com ele. Jamais o arrastaria para o meu drama interno. – Se quiser, posso te levar para ver um médico. Talvez você precise de um exame para verificar se está tudo em ordem com a saúde. – Ele sugere, com aquele sorriso gentil que sempre me faz sentir à vontade. Balanço a cabeça negativamente. – Agradeço, Nicolas, mas acho que só preciso de um pouco de café e um tempo para colocar as ideias em ordem. Ele assente, parecendo compreensivo. – Se precisar de algo, estarei aqui. O resto do dia passa devagar, mas eu tento manter o máximo do meu foco no que estou fazendo na empresa. Na manhã seguinte já me levanto sentindo aquela adrenalina que tanto amo. Finalmente, o tão esperado final de semana chega. Ares, Maicon e David estarão competindo na corrida, e a tensão está no ar. Sempre consigo ver a intensa rivalidade que existe entre Ares e meus irmãos. Ainda que eu tente não me envolver, não posso evitar me sentir dividida. Afinal, eles são minha família, e Ares é meu amigo. – E aí irmãzinha? – Maicon, meu irmão do meio, entra na sala com um sorriso no rosto. – Como está o nosso querido Fantasma? Eu olho para ele e sorrio, preparando-me para a interação típica entre nós. – Está muito bem. Louco para acabar com David e você. – Ele me mostra o dedo do meio e eu revidei com a língua. Nossas provocações são uma tradição entre nós, uma forma de expressar afeto e rivalidade ao mesmo tempo. Desde que eu era pequena, acompanho as corridas deles, sendo a única menina da família Adams. Minha paixão por carros e velocidade foi cultivada por esses dois, e nosso pai, e apesar das brincadeiras, somos próximos de verdade. Maicon e David são dois dos pilotos mais talentosos que já conheci. Eles sempre estiveram entre os melhores, mas nunca conseguiram superar Ares, ou Fantasma, como ele é conhecido nas pistas. Essa rivalidade se transformou em uma motivação constante para eles, e é claro que a frustração de não conseguirem vencê-lo. Embora as provocações entre nós sejam pura brincadeira, a raiva que eles sentem por Ares é muito real. Isso se intensificou ainda mais quando os "abandonei" por para ajudar um piloto de fora da família. A decisão não foi fácil, mas eu sabia que precisava expandir minhas habilidades e experiências, já que minha família não me permitia correr de verdade. – Acho que já é hora de vocês dois superarem esse complexo de inferioridade em relação ao Fantasma. – Digo com um sorriso irônico. – Quem sabe um dia vocês finalmente consigam ganhar dele. David, o mais velho, entra na sala nesse momento, ouvindo o final da minha fala. – Oh, olha só, a psicóloga de plantão dando conselhos. – Alguém precisa dar, já que vocês dois parecem estar presos nesse rancor louco a anos. – Respondo com um olhar desafiador. Maicon revira os olhos enquanto David se joga no sofá. – Não precisamos dos seus conselhos, Jully. Nós sabemos o que estamos fazendo. – Claro, claro. Continuem fazendo a mesma coisa e esperando resultados diferentes. A definição perfeita de insanidade. – Digo, provocando-os. David ri, apesar de si mesmo. – Você é realmente insuportável, sabia? Acredita mesmo que não podemos derrotá-lo? – Acredito em muita coisa. Acredito que vocês dois também são pilotos incríveis e têm potencial para vencer o Fantasma. Mas isso só vai acontecer quando vocês deixarem de focar tanto nele e começarem a se concentrar em vocês mesmos. Maicon olha para David, e há um momento de silêncio antes de eles trocarem um olhar de entendimento. – Talvez você tenha um bom ponto, Jules. – É talvez, mas não vá ficar se achando por isso! – David concorda, surpreendentemente. Sorrio triunfante, sabendo que consegui passar uma mensagem pelo menos. – Agora, chega de conversa. Vamos jogar videogame. Mas eu não quero que me deixem vencer novamente ou pode ser um jogo diferente dessa vez? Os dois trocam olhares cúmplices e logo estamos todos rindo, deixando as rivalidades e frustrações momentaneamente de lado. A família Adams pode ser cheia de defeitos, mas também é unida e cheia de amor, mesmo que nossa maneira de demonstrar isso seja diferente. Algumas horas depois, estou a caminho da garagem. Ares já está me esperando a algum tempo, mas eu realmente quis evitar, até onde pude, estar perto dele ou falar com ele. – Estava começando a ter dúvidas se você viria ou não. – Seu tom é frio e há uma pitadinha de ironia em suas palavras. – Me evitando Jully? Inspiro ruidosamente sabendo que a corrida não vai ser tão divertida quanto eu esperava. – Você sabe que não, mas agora eu preciso trabalhar, e dividir meu tempo melhor para conseguir fazer tudo. Ele deu um riso baixo olhando em meus olhos. – Não sei porque insiste em mentir para mim.
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