CINCO PASSOS. Luzes coloridas. d***a. Coelhos demoníacos, o grito de Will ecoando pelo salão. Uma fumaça azul começava a tomar conta do local. Eu tentava ter força para gritar, mas aquele mísero pedaço de papel levou tudo o que eu tinha. Os meus braços eram tão fortes quanto um boneco de posto. Comecei a chorar, sentindo-me incapaz de ajuda-la. O arrependimento — inútil, já que agora não havia mais tempo — veio à tona. Passei minhas mãos sobre seu sangue, e o corte que havia em sua bochecha. Caos. Quando finalmente reuni todas as minhas forças para dar um último grito de socorro, as luzes se acenderam.
O acaso, chamado 25, passou a controlar os acontecimentos da minha vida em Louisiana pelo joystick da morte — e eu era o personagem principal deste jogo.
Semanas antes.
OCORRÊNCIA DE NÚMERO 1
HORA: 1:30 A.M.
LOCAL: RUA 84 (MINHA CASA)
SITUAÇÃO: SONO INTERROMPIDO
LEVANTO DA CAMA XINGANDO TODO O UNIVERSO DE FILHO DA p**a. Uma forte batida em minha janela, agora trincada, interrompe o meu fantástico sonho. Logo na hora em que Elena e eu finalmente iríamos fazer alguma coisa. Abro a janela, o que faz alguns pedaços de vidros caírem sobre mim. Os praguejo e olho para fora, procurando alguma evidência que explicasse o ocorrido. Alguns carros passam pela estrada, a cidade está praticamente apagada. Ouço pequenos ruídos vindos de longe, mas, o sono fala mais alto. Dou de ombros e volto para a cama. Antes de fechar os olhos, pego o meu celular em meu pequeno armário velho e fodido que era da minha tataravó.
AARON: CARA, TÁ ACORDADO? (00:12)
EU: FALA (1:36)
AARON: p***a, DEMOROU (1:38)
EU: O QUE ERA? (1:38)
AARON: TUA NAMORADINHA TAVA AQUI. (1:39)
EU: COMO ASSIM TAVA? ELA NÃO VAI DORMIR AÍ? CADÊ A SUA IRMÃ? (1:39)
AARON: ELA IA, MAS ACABOU INDO EMBORA. UM CARA VEIO AQUI DE CARRO E ELA FOI COM ELE. (1:40)
Saí de minha conversa com Aaron e liguei para Elena. A desgraçada demora uns dois minutos pra atender, mas atende.
— Amor? Tá acordado por quê?
— Me pergunto o mesmo sobre você. Aaron disse que um cara foi te buscar de carro. Que p***a é essa?
Risada histérica do outro lado da linha por uns vinte minutos.
— Era meu pai, Nardy. O Aaron é um b****a.
— c*****o. Okay, okay. Desculpa.
— Vai dormir.
— Você também. Tá fazendo o quê?
— Me masturbando.
— Sério?
— Não, panaca. — Elena riu.
— Ah, p***a.
— Estou organizando umas coisas pra festa do Halloween da escola. Madison e eu estamos trabalhando nisso. Mandando uns e-mails. Essas coisas.
— Não quer vir pra cá, não? Amanhã você termina isso, tá tarde.
— Ah, claro. Vou falar com meu pai rapidinho. Pai, me leva na casa do meu namorado agora? Pra gente t*****r.
— Eu te busco, amor. — brinquei, malicioso.
— Boa noite, Nardy. — e assim a chamada terminou.
Quando desliguei o telefone, olhar para a janela pareceu inevitável. E lá estava. A vontade foi gritar com a voz mais aguda possível, mas me faltou forças para isso. Uma sombra, terrivelmente assustadora, apareceu atrás da janela. Senti-me como um daqueles personagens babacas de filme de terror que vão atrás do perigo. O demônio está lá, então, ora, por que não ir até ele? Abri a janela novamente e conferi ao redor. Nada. Um demônio flutuante, ou apenas alguém querendo testar a minha masculinidade. Escolhi acreditar na segunda opção. Na última conferida, levanto o dedo do meio e com ele faço um giro de 120º graus para fora da janela.
EU: ACHO QUE PRECISAMOS DIMINUIR UM POUCO A NOSSA DOSE DIÁRIA DE 25 (1:39)
AARON: TÁ SURTANDO? (1:40)
EU: TÔ VENDO COISAS. ACABEI DE VER A SOMBRA DE UM COELHO NA MINHA JANELA. MAS NÃO ERA UM COELHO FOFINHO, AARON. ERA TIPO AQUELE DO DONNIE DARKO. (1:40)
AARON: VAI DORMIR, NARDY. (1:42)
DIA SEGUINTE
HORA: 8-11 A.M.
LOCAL: MINHA ESCOLA
SITUAÇÃO: DIA DO LANÇAMENTO DAQUELE FILME r**m, CREPÚSCULO 3.
AARON: MOLEQUE, EU VOU t*****r HOJE. (09:12)
EU: E PAPAI NOEL EXISTE, SIM. (09:13)
AARON: É SÉRIO. (09:13)
EU: COM QUEM? (09:14)
AARON: MILLIE. A GOSTOSA DO SEGUNDO ANO, IRMÃ DOS KENNEDY. (09:16)
EU: TÁ MALUCO? SE ELES DESCOBRIREM, VÃO TE m***r. (09:17)
AARON: QUE NADA, CARA. (09:18)
EU: E COMO VOCÊ CONSEGUIU ISSO? AARON, ELA É GOSTOSA PRA c*****o. (09:18)
AARON: EU SEI, EU SEI. (09:18)
EU: MAS, QUE HORAS? NÓS NÃO ÍAMOS AO CINEMA HOJE? VOCÊ, EU, ELENA, UMA AMIGA DELA E A SUA IRMÃ (09:19)
AARON: NÃO VOU MAIS. (09:19)
EU: p***a, AARON. (09:20)
— Algum problema? — o professor estava diante de mim, com os olhos arregalados em direção ao meu telefone.
— Opa, não, professor.
— Me dê o celular, Nardy.
— Foi m*l, professor. — disse, já levando meu celular ao bolso.
— Nardy, o celular. E você só o terá de volta quando seus pais vierem buscar. Eu já cansei de repetir, Nardy. Nas minhas aulas, nada de celular.
— Professor...
— Sem mais. — ele estendeu a mão esquerda, com seu sorriso autêntico e sobrancelhas medonhas.
Minha mãe acabou pegando o meu celular no final do dia (e falou pra c*****o). O senhor Samuel, vulgo o cara mais filho da p**a que eu já conheci, é o professor de Inglês de todo o último ano. Ele já quase acabou com a minha vida diversas vezes, diga-se de passagem. Uma vez, ele me pegou fumando nos fundos do colégio, um esconderijo que, até então, somente eu conhecia (esse eu inclui outras vinte pessoas que também fumavam ali, mas, se você levar em consideração que a minha escola tem uns cinco mil alunos, vinte é bem pouco). Outra vez, ele me pegou tentando invadir o armário de um dos irmãos Kennedy (numa vez certa época, quando estávamos em uma briga/competição bem séria). O meu histórico com ele não é nada bom, então, sempre quando pode Samuel sempre está lá, fodendo a minha vida além do normal, claro.
Talvez (ou não), você esteja se perguntando: Quem são esses irmãos Kennedy? Pois bem. A família se resume em uma mãe, um pai, dois filhos e uma filha. Trigêmeos. O Sr. e a Sra. Kennedy são simpáticos, diferente dos seus filhos. William, dos três, foi o primeiro a nascer. Então, tecnicamente, ele é o mais velho em questão de poucos minutos. Ele tem 1.75m, uma pela meio latina (a mãe é argentina, o pai é australiano), usa um par de óculos engraçados e sempre está com uma camisa icônica. James, Nicolas James, é mais parecido com o pai, com pele clara e olhos meio esverdeados. Nós éramos melhores amigos. Éramos.
Três anos antes.
Prometo ser o mais breve possível. Era uma manhã esplendorosa, onde eu comia bacons queimados que eu mesmo havia preparado. Will Kennedy e eu gostávamos da mesma garota. O irmão dele, James, também dizia gostar de Bethany Hugues, mas, eu nunca acreditei nisso. Nicolas sempre foi despretensioso, então, ele provavelmente entrou no jogo para não ficar por baixo. Ou para simplesmente diminuir os boatos sobre a sua sexualidade.
Éramos repugnantes, como os garotos de 14 anos costumam ser: achávamos que éramos fodas, donos do mundo, e que já éramos homem o suficiente para t*****r com todas as garotas da escola ao mesmo tempo. Esse era o nosso maior sonho naquela época.
— Esta é a noite da grande caçada. — O Kennedy 1 disse em nossa última reunião como amigos, no porão de minha casa. — Uma corrida de lobos, meus queridos amigos. E irmão.
— Desistam, panacas. — Aaron falou. — Bethany nunca ficaria com nenhum de vocês. Incluo-me nisso também.
— Fale por você. — disse, com os braços cruzados. — Beth está completamente na minha.
— Por que não saímos logo? Se demorarmos muito, aquele filho da p**a do David...
— James tem razão. — Will disse. — Precisamos partir imediatamente. E, não se esqueçam: Que vença o melhor. Os perdedores não terão o direito de reclamar. Acima de tudo, a amizade deverá permanecer.
William era o nosso líder. A solução era simples, afinal, nós realmente acreditávamos que todos tinham chance com Bethany. Nós quatro teríamos de disputar a atenção de Hughes em sua festa de aniversário. O primeiro a conseguir o seu número de telefone, venceria. A amizade deveria continuar, pois, segundo nós mesmos, éramos maduros demais para interromper nossas amizades por causa de uma garota do oitavo ano.
Porém, William certamente estava confiante de que conseguiria. O líder, o mais alto e diferente de nós. Além dele, James, Aaron e eu parecíamos figurinhas repetidas. Mas, para o desespero de Will, eu acabei por vencer aquela corrida — e nem era lua cheia. Nem preciso dizer como isso terminou, mas vou dizer. Will ficou furioso, e acabou fazendo a cabeça de seu irmão gêmeo de meia tigela para que se voltasse contra mim. Aaron, por um milagre, não ligou muito. A amizade continuou, como continua até hoje.
Bethany e eu ficamos juntos por cinco meses. Para o meu primeiro namoro, até que foi muito, mas, eu nem transei com ela. A cada dia que se passava, o arrependimento me consumia por ter perdido dois grandes amigos (mesmo sendo meio chatos) por uma garota que nem parecia gostar tanto assim de mim.
MESMO DIA
HORA: 07:29 P.M.
LOCAL: HILL'S CINEMA
SITUAÇÃO: DEPOIS DE UMA PEQUENA DOSE DE 25, AGORA SIM, O LANÇAMENTO DAQUELE FILME r**m, CREPÚSCULO 3.
PERSONAGENS: AARON (TRANSANDO COM A IRMÃ DOS KENNEDY), EU, A IRMÃ DO AARON (MADISON) E ELENA.
— O Aaron realmente tá transando? Tipo, com uma garota de verdade.
— Tá. Tá sim. Acho que tá.
— Nossa. — Madison disse. — Eu juro que queria ver essa cena. Deve ser tosco.
— Que m***a, Mad. — Elena ri.
— Por que não entramos logo e assistimos a m***a do filme?
— Calma, amorzinho. — Elena diz, num tom de provocação. — Estamos esperando uma amiga. E o namorado dela.
— Hoje eu serei vela ao quadrado. — Madison diz.
— Nardy, você não tem um amigo não? Pra apresentar pra Mad.
— Bonito? Só o Aaron.
— Nem precisa ser bonito. Madison nem pode escolher tanto assim. Pelo nível de carência...
— Vai se f***r. — ela riu para Elena. — Não precisa ser tão bonito, Nardy. Eu nem ligo pra aparência.
— Nem eu. Já viu meu namorado? — minha namorada diz.
— Ela chegou. — Mad diz, e todos nós olhamos para o outro lado da calçada.
Uma garota bonita, pele de oliva, cabelos (pintados) verdes e um garoto ao seu lado. Eu não enxergo muito bem de longe (e não uso óculos, não me julgue, muitos também precisam e não utilizam), então, só notei que o tal namorado da tal amiga era um dos irmãos Kennedy quando eles estavam bem próximos.
— E aí, Nardy? — Will disse como se ainda fôssemos melhores amigos de infância. — Viu algum fantasma? — E sorriu.
— E aí. — disse, tentando ser simpático.
— Essa é Bethany. — Beth e eu trocamos olhares evasivos. —Vocês... Vocês já se conhecem? — Elena disse, apresentando-me o meu ex-melhor amigo e ex-namorada.
— Não! — Beth e eu falamos em uníssono.
OCORRÊNCIA DE NÚMERO 2
A HORA (APROXIMADAMENTE), O LOCAL E O DIA AINDA SÃO EXATAMENTE OS MESMOS.
As meninas estavam no banheiro. William e eu estávamos na fila da pipoca. Para o meu azar, encontrei o professor Samuel passando pela fila, sorrindo cínico. Filho da p**a. Pequena, média ou grande? Além dos refrigerantes, também pedi um pacote grande de M&M's, pois Elena gosta bastante (olha a propaganda gratuita). Will e eu ainda não havíamos trocado uma palavra sequer desde o "E aí?".
— O James. Ele tá bem? — perguntei, pegando a minha pipoca G.
— Tá. Tá sim.
— Você e Bethany... Eu deveria estar surpreso, mas nem estou.
— Sem essa, Nardy.
— É sério. Não foi por ela que a nossa amizade acabou? Você era tão apaixonado que foi incapaz de nos ver juntos.
— Não foi bem assim. Aconteceu por acaso. Estamos juntos há dois três dias.
— Você supera os meus cinco meses, fica tranquilo.
— A competição acabou faz tempo, Nardy. Nós crescemos.
A luz oscilou durante dez segundos em todo o recinto, até que finalmente a p***a do lugar estava completamente em um mar de escuridão. "Essa espelunca não tem gerador?" falei para o nada. Will ligou a lanterna do seu celular em meus olhos, obrigando-me a xingá-lo.
— Foi m*l.
— Temos que achar as garotas.
— Eu vou ligar pra Elena. — disse, sacando o meu telefone do bolso de trás.
— Beleza, eu ligo pra Beth.
Will já estava com seu celular em seu ouvido esquerdo; liguei a minha lanterna enquanto buscava o nome de Elena nas chamadas recentes. Quando iluminei novamente o local próximo à máquina de pipocas, percebi que o recepcionista havia sumido, assim como todas as outras pessoas do cinema.
— Eu definitivamente preciso pegar mais leve nas drogas.
— Fala baixo, cara. — Will resmungou.
— Onde foi parar todo mundo?
— Sei lá. — ele disse, agora também iluminando ao seu redor, à procura de seres humanos.
— Elena não atende a d***a do telefone.
— Que drogas você usa?
— 25, HXX... Cara, a Bethany atendeu?
— Alô? — Beth disse, a ligação estava em viva voz.
— Onde vocês estão? A p***a da luz acabou.
— Já estamos dentro da sala. Qual é o problema de vocês? O filme já começou!
— Bethany, tá sem luz. — disse para ela.
— Sala oito, bocós. — falou, com risadas de Madison e Elena ao fundo.
A chamada terminou de repente. Will e eu trocamos olhares assustados. Se eu não fosse um usuário de alucinógenos, diria que elas estavam ficando loucas. Mas, em minha situação, acabei sugerindo que seguíssemos para o terceiro andar, na sala oito. Estranhamente, William também aceitou, e não demorei muito para descobrir o porquê.
— Eu também uso 25.
— Acho que estou exagerando. Ontem eu vi o coelho do Donnie Darko na janela do meu quarto.
— c*****o, que onda. — Will riu.
— O meu fornecedor está perdendo a mercadoria. Eu estava achando isso r**m, mas, depois dessas coisas estranhas, acho que vai ser melhor. Preciso me livrar disso.
— Eu vendo 25. Se você quiser...
— p***a, Will. Eu não quero ir pra uma clínica de reabilitação.
— Ah, okay. Foi m*l.
— E quanto tá?
Nós rimos. Iluminávamos os degraus com as lanternas de nossos celulares. Na metade do primeiro lance, notamos algo peculiar para uma escada de um cinema. Sangue. Sangue espelhado por quatro degraus seguidos, os últimos.
— Mas que porra...
— Tá fresco. — falei, passando o dedo indicador sobre a pequena poça no penúltimo degrau.
— Cara... Precisamos sair daqui. — Will disse, nervoso.
— As meninas estão na sala oito. Vamos.
— Tá maluco? — ele segurou em meu ombro quando me inclinava para subir adiante.
— Isso é só a nossa imaginação, Will. — sorri para ele.
— Nardy... Eu. Eu vou embora.
— Eu já uso 25 tem uns... Seis meses. Eu sei bem. Sério.
Lançando-me um olhar desconfiado, Will escolheu arriscar-se. Fomos ao segundo lance de escadas. Do além, uma música sinistra começou a soar por todo o segundo andar. As portas das salas de cinema estavam todas abertas, vazias. Um eco perturbava minha mente, vindo do primeiro e do terceiro andar. A música. Quando me dei conta, William estava passando pelas portas da sala seis. Involuntariamente, o segui. Naquela sala, Ilha do Medo estava em cartaz. Confesso que iluminar o rosto do DiCaprio com aquela expressão horripilante me fez estremecer.
— Will? Cadê você, p***a?
Passeei por toda a sala, iluminei os assentos de cima, a grande tela, o corredor central. Ninguém. Para minha quase morte súbita, as portas de entrada/saída se fecharam. Não me pergunte como. Levei um leve susto com a rápida batida, mas me recuperei.
— Will? — minha voz soou como de uma criança de dez anos. Resfriada.
A única resposta era o eco. Comecei a xingar Will de todas as coisas ruins possíveis. Com o pavor impregnado em cada célula de meu corpo, demorei em notar a saída de emergência um pouco escondida da sala seis. Corri até ela, e por sorte estavam abertas. Com um medo do c*****o, e passos cautelosos, caminhei sobre o chão frio do corredor. Ao fim dele, uma escada. Eu definitivamente estava cansado de escadas.
— Will? — falei, iluminando o fim dos degraus.
Desci cuidadosamente as escadas, iluminando aqui e ali o tempo todo. Ao fim dela, uma porta. Eu estava no primeiro andar novamente. Olhei para fora. As portas da entrada do cinema estavam fechadas. Tudo lá fora estava completamente escuro. Parecia mais o fim do mundo, pelo menos na minha imaginação fértil. Achei William jogado no chão, ao lado da máquina de pipocas. Ele estava completamente cheio de sangue em seu rosto, braços e sua blusa. E eu realmente me apavorei. Liguei para a polícia, exigindo uma viatura naquele mesmo instante.
— Nardy? Nardy, cara. — Will gemeu do chão.
— Graças a Deus, cara, você me assustou. Olha, foi um engano. Meu amigo está bem. Você tem certeza, senhor? Tenho.
— Alguém me chutou.
— Hã?
— Alguém chutou meu braço. Foi você?
— Não.
— Cara, tá um breu lá fora.
— Me ajuda a levantar aqui.
Eu o ajudei a levantar. Lambi uma parte do seu braço para confirmar se era sangue mesmo ou ketchup. Era sangue.
— Cara, que m***a que você arrumou?
— Eu não faço a mínima ideia.
— Você sumiu do nada, cara.
Subimos as escadas novamente. Na segunda rodada, o sangue continuava lá no chão, e as portas da sala seis continuavam abertas. A diferença era que um filme se passava na grande tela.
— Tem luz ou não tem? Que p***a!
— É O Iluminado. Precisamos correr, essa p***a vai sair da tela.
— Ai meu Deus, ela vai morrer.
— Vamos logo. Eu não quero ficar aqui até a cena em que ele põe aquela cara demoníaca no meio da porta.
Fechamos a porta da sala e seguimos para a escada, para o terceiro andar. Will estava apoiado, seu braço esquerdo passando pelo meu pescoço. Sentia dores nas costas, segundo ele. "Eu caí", era tudo o que ele lembrava. Chegamos ao terceiro andar, todas as luzes do corredor estavam acesas. Tudo parecia excessivamente normal, inclusive o funcionário do cinema, uniformizado, em frente à porta da sala 8. Ao lado da porta direita, o pôster de Eclipse indicava o filme em cartaz.
— Ainda dá pra entrar? — perguntei ao homem.
— O filme já começou, jovem. — respondeu sério.
— E tem alguém aí?
— Meu Deus. O que houve com você, garoto? — o homem olhou para William, assustado.
O meu telefone tocou naquele instante. Elena, por um milagre. Olhei para o rosto ensanguentando de Will mais uma vez antes de aceitar a ligação.
— Ei, até que enfim!
— Elena, precisamos ir embora.
— Hã? Eu estou perdendo o filme por sua culpa. Vem logo, antes que alguém reclame que estou no telefone.
— Will se machucou. Ou machucou alguém. Alguma coisa estranha aconteceu, só não sabemos o quê.
— O que houve? O Will tá bem? — ela perguntou, enquanto o funcionário do cinema cujo nome era Daniel (percebi no momento em que olhei para o seu crachá), limpava o rosto do meu ex-amigo com um guardanapo cuidadosamente.
— Tá. Olha, estamos indo embora. Bom filme. — disse, e desliguei.
Quando voltamos ao primeiro andar, o inacreditável aconteceu: Tudo estava perfeitamente bem como antes. Luzes acesas, pessoas na fila da pipoca, uma dupla de funcionários atrás do balcão. Lá fora, toda a movimentação de carros e pessoas que uma cidade grande costuma ter. Will e eu trocamos, mais uma vez, olhares assustados. Balancei a cabeça enquanto íamos ao banheiro, onde limparíamos toda a sujeira em nossos corpos (antes que todos os presentes ali achassem que havíamos assassinado metade do Hill's).