Pré-visualização gratuita À Beira do Desespero
Bianca encarou o pedaço de papel amassado em suas mãos pela enésima vez naquele dia. As letras estavam borradas no rodapé, provavelmente pela umidade e pelo suor que lhe escorria dos dedos trêmulos. Era um boleto vencido há mais de um mês, um entre tantos outros espalhados pela pequena mesa da sala. Naquele espaço apertado, m*l cabiam a mesa, duas cadeiras e o berço improvisado onde sua filha de quatro anos, Letícia, costumava brincar quando não estava na creche comunitária.
A sensação de sufocamento não era apenas pelo calor infernal que fazia. Era a mistura de pavor, humilhação e desamparo que lhe tapava a garganta. A porta da quitinete ameaçava cair de tão precária e, de certo modo, simbolizava a própria vida de Bianca: uma estrutura frágil a ponto de desabar ao menor empurrão.
Ela deu um suspiro longo, caminhou até a janela e a abriu para permitir uma corrente de ar. Lá fora, o fim de tarde coloria as ruas de um laranja desgastado. O bairro não era exatamente seguro; volta e meia chegavam relatos de assalto. Mas, naquele momento, isso era o menor dos problemas. Bianca ainda tentava encontrar um fiapo de esperança para que não fosse despejada até o fim da semana.
Havia recebido um aviso de despejo havia dois dias – o proprietário do imóvel estava cansado dos constantes atrasos de aluguel.
Bianca sentou-se à beira da cama estreita, tomou fôlego e folheou as contas amontoadas na caixa de papelão. Água, luz, internet, cartão de crédito… tudo atrasado. A maioria dos valores, entretanto, estava relacionada a algo muito mais perigoso do que simples serviços públicos: dívidas com agiotas. O seu marido, Ricardo, sumira havia seis meses, deixando para trás apenas promessas vazias e um rastro de problemas. Fora ele quem contraiu os empréstimos para financiar seu vício em jogos. Quando percebeu que não conseguiria quitar, simplesmente fugiu, levando o que pôde – inclusive as poucas economias de Bianca.
“Desgraçado…”
Ela murmurou baixinho, sentindo o estômago embrulhar. Tinha sido tola o suficiente para acreditar que Ricardo se arrependeria, que voltaria para casa com alguma solução milagrosa. Mas tudo que ele fez foi enviar uma única mensagem de voz, há quatro meses, avisando que “as coisas estavam difíceis” e que precisava “sumir por um tempo”. Desde então, silêncio absoluto. Nenhuma notícia de seu paradeiro.
Bianca olhou para o relógio pendurado na parede. Faltava pouco para Letícia chegar da creche, trazida pela vizinha da frente, Dona Célia. Sempre que pensava na filha, o peito de Bianca se comprimia ainda mais. Como explicar a uma garotinha de quatro anos que não havia dinheiro para comprar pão fresco, que o pai desaparecera e que, a qualquer momento, poderiam ser obrigadas a sair dali com uma mão na frente e outra atrás? Letícia já percebida a tensão no ar e, vez ou outra, perguntava “Mamãe, você tá triste?” – ao que Bianca respondia com um sorriso falso, tentando disfarçar o desespero.
A porta rangeu, abrindo-se. Dona Célia entrou segurando a mão de Letícia.
— Oi, Bianca – cumprimentou a vizinha, a voz carregada de compaixão. — A pequena tá aqui, inteirinha, viu? A creche liberou um pouquinho mais cedo hoje. Como foi seu dia?
Bianca engoliu em seco, forçando um sorriso.
— Obrigada, Dona Célia. Foi… foi bem, sim. – Sem saber direito como mentir, abaixou-se e pegou Letícia no colo. — Tudo bem na escolinha, minha princesa?
A menina acenou afirmativamente, abraçando o pescoço da mãe.
— Tô com fome, mamãe.
Dona Célia, percebendo o clima, tentou amenizar:
— Precisando de qualquer coisa, já sabe, pode chamar, viu? Fico do lado.
— Sim, muito obrigada mesmo. – Bianca acompanhou a vizinha até a porta. Antes de sair, Dona Célia deixou um olhar de preocupação e um sorriso gentil, como se quisesse dizer “vai ficar tudo bem”, mesmo sem ter certeza.
Assim que a porta se fechou, Bianca suspirou. Abriu o armário da cozinha, vasculhou pelos mantimentos. Tinha farinha, um resto de feijão e algumas frutas quase passadas. Precisava fazer compras urgentes, mas onde conseguiria dinheiro?
Letícia, sem perceber a gravidade, brincava com uma boneca velha, sentada no pequeno tapete. Bianca tentou pensar rápido: uma “papinha” improvisada seria suficiente para enganar a fome da filha. Ela pegou uma panela e começou a esquentar um pouco de água. Enquanto mexia os ingredientes, a mente disparava em recordações e soluções impossíveis. Será que deveria procurar mais um bico temporário? Havia tentado limpeza em escritórios, mas o pagamento era tão irrisório que não cobria nem metade dos aluguéis atrasados, quem diria as dívidas de jogo do marido.
No fundo, ela sabia que aquele não era um problema que resolveria sozinha. Precisava de um valor alto, imediatamente. Pensou em fazer um empréstimo bancário, mas seu nome já estava sujo, praticamente enterrado. Pensou em ligar para a tia, mas essa era outra história complicada: a tia sumira do mapa após se casar com um homem rico e se mudar para outra cidade. Bianca sequer tinha o telefone atualizado dela.
O que mais a aterrorizava, porém, não era a cobrança do proprietário ou a falta de comida, mas as ameaças dos agiotas. Um deles – um sujeito de olhar ardiloso chamado Teodoro – aparecera ali na porta na semana anterior, deixando claro que iria “cobrar o que era devido, de um jeito ou de outro”. A mera lembrança do rosnado de Teodoro deixava Bianca paralisada de medo. Ela tentara argumentar que as dívidas eram de Ricardo, não dela, mas o homem pouco se importou.
“Ou você paga, ou eu vou atrás de quem puder… E a gente sabe que você tem uma filhinha, né?”
A frase ecoava, deixando um calafrio na espinha de Bianca sempre que recordava. Não podia permitir que a violência recaísse sobre Letícia. A filha não tinha culpa de nada.
— Mamãe, posso ligar a TV? – a voz infantil de Letícia a puxou de volta à realidade.
— Pode sim, meu amor. Mas só por um tempinho, está bem?
O velho aparelho de TV chiou antes de sintonizar em algum canal aberto. Enquanto a menina se entretinha com desenhos, Bianca foi até o quarto apertado e abriu a gaveta da mesinha de cabeceira. Remexendo entre papéis antigos, fotos e cartões, encontrou um antigo cartão de visitas. Ela nem lembrava de que ainda o guardava. Encostado na borda do cartão estava o nome “Gabriel Cavalcanti”, acompanhado do logotipo de uma grande holding empresarial.
Ela se lembrou de Gabriel – o enteado da sua tia, ou melhor, o rapaz que cruzou seu caminho na adolescência quando o pai dele se casou com a tia de Bianca. Naquele tempo, Bianca foi morar por alguns meses na mansão da família Cavalcanti, pois a tia alegava que ela teria mais oportunidades de estudo morando na cidade grande. Mas Gabriel sempre a olhara com desprezo, considerando-a apenas uma aproveitadora junto com a tia. Nada bom saiu daquela convivência forçada. Ele a tratava com frieza, como se a presença dela fosse um intruso em sua vida de luxo.
Mais tarde, soube que Gabriel herdara grande parte dos negócios do pai, tornando-se um CEO bilionário ainda jovem. Seu nome surgiu em manchetes de jornais e sites de economia. Um homem poderoso, cercado de polêmicas e rumores de personalidade implacável nos negócios.
Bianca encarou o cartão. Se existia alguém com dinheiro suficiente para ajudá-la, certamente era Gabriel. No entanto, apenas de imaginar sua reação, ela já sentia arrepios. Ele odiava tudo que lembrasse a família da tia de Bianca, a ponto de romper laços após a morte do próprio pai. “Ele me detesta…” pensou, com um nó na garganta. “Mas, será que eu tenho outra escolha?” A porta do quarto ainda entreaberta permitia que ela visse Letícia, de costas, com a atenção voltada ao desenho animado. A filha era sua prioridade número um.
Bianca guardou o cartão no bolso, sem coragem de usar o celular velho para ligar naquele momento. Precisava pensar melhor. Ouviu, então, três batidas secas na porta. O coração dela disparou: não estava esperando ninguém, mas tinha um pressentimento r**m. Ela correu para a sala, sinalizando para Letícia ficar onde estava.
— Quem é? – perguntou, a voz trêmula.
— Teodoro. Abre essa porta.
A simples menção do nome a fez suar. Embora a porta tivesse uma tranca simples, nada impediria que ele arrombasse, caso quisesse. Ou que fizesse algo pior.
Bianca se aproximou, destrancou e abriu a porta parcialmente. Um homem de estatura média, com roupas surradas e olhar de poucos amigos, encarava-a. Nas costas dele, havia outro sujeito, mais alto e encorpado, provavelmente um capanga. Teodoro não falou nada a princípio, apenas lançou um olhar de cima abaixo, analisando a moça com um ar de desprezo. Ela sentiu-se um bicho acuado.
— Precisamos conversar, mocinha. – Teodoro puxou a ponta do bigode ralo que carregava. — Onde está seu marido?
Bianca respirou fundo, tentando parecer firme.
— Já falei que não sei. Ele sumiu… me deixou aqui com essas dívidas.
— Hm… – O homem deu um passo à frente, forçando-a a recuar. — Pois é, dívida não some junto com o devedor. Alguém vai ter que pagar. E, como a única que sobrou aqui é você… acho que sabe o que tem que fazer.
Ela engoliu em seco.
— Não tenho dinheiro… estou sem condições. Pelo amor de Deus, preciso de mais tempo.
— Mais tempo? – Teodoro soltou uma risada seca. — Vocês já enrolaram tempo demais. A gente avisou que não aceitava calote. Se não tem grana, talvez… tenha outros meios de pagar.
— Eu não… – A voz de Bianca falhou, o pavor escancarado nos olhos.
— Ou arruma o dinheiro, ou garante que a gente não saia daqui de mãos vazias. Posso levar tudo que você tem dentro dessa espelunca. E olha que não parece muito.
A referência à possibilidade de invasão fez Bianca estremecer. Naquele cômodo não havia nada de valor, exceto a própria integridade e a segurança da filha.
— Não! Por favor… me dá só… um pouco mais de tempo. Juro que estou tentando conseguir.
Teodoro a fitou como quem avalia uma mercadoria barata.
— Desculpa, mocinha, mas paciência tem limite. Passa hoje. Daqui a três dias, eu volto. Se não tiver o valor que combinamos, a conversa vai ser mais dura. E aí a gente vai ver o que dá pra negociar.
Ele deu um passo atrás, mas antes de sair voltou a se aproximar do rosto de Bianca, sussurrando:
— E se pensar em fugir… a gente acha você e a sua garotinha, entendeu?
Bianca conteve o grito que subia pela garganta, segurando as lágrimas. Limitou-se a balançar a cabeça, obediente. O agiota se afastou, e o capanga deu um último olhar ameaçador antes de ambos se retirarem pelo corredor do prédio. Ela fechou a porta, girou a chave, colocou a corrente e deslizou as costas pela madeira, até ficar sentada no chão. Precisou cobrir a boca para sufocar o choro que emergiu.
A mente rodopiava. Três dias. Era o prazo que tinha para conseguir uma quantia impossível, ou seriam expulsas dali sem piedade. Pior: Letícia estaria correndo perigo real.
Bianca se levantou, enxugou as lágrimas e forçou a si mesma a retomar o controle. Precisava cozinhar algo para a filha comer. Precisava fingir que estava tudo bem. Precisava, principalmente, de uma saída.
Já passava das sete da noite quando Letícia finalmente pegou no sono, no velho colchão que dividia com a mãe. Bianca, sentindo um resquício de coragem, pegou o cartão de visitas com o nome de Gabriel Cavalcanti. O pedaço de papel amarelado parecia zombar dela, como se fosse seu único fio de esperança. Lembrou-se de como Gabriel a olhava como se ela fosse lixo. Na época em que moraram juntos, ele não escondia o asco que sentia: “Vocês só estão aqui porque meu pai é ingênuo e acha que pode ajudar todo mundo. Tomara que esse casamento não dure.”
“Ele me odeia. E provavelmente nem vai lembrar de mim.”
Mas, ao mesmo tempo, e se ele lembrasse, e se, por vingança, a tratasse pior ainda? Gabriel sempre fora um rapaz de temperamento forte e uma frieza cortante. Anos depois, como CEO, sua reputação apenas reforçou essa imagem de homem implacável nos negócios – até mesmo c***l, conforme alguns artigos de jornal.
Ainda assim, Bianca estava presa entre o desespero e o pânico. Não tinha nada a perder, exceto… tudo.
Levantou-se devagar da cama para não acordar Letícia, pegou o celular velho e aproximou-se da janela. A lua brilhava timidamente, mas, de alguma forma, o reflexo prateado parecia intensificar o clima de solidão. Digitou o número que estava impresso no cartão e ficou encarando a tela, sem coragem de apertar o botão de chamada.
— É loucura – sussurrou. — Ele nunca vai me ajudar. Vai, no máximo, humilhar e me mandar embora.
Pensar na filha dormindo e na ameaça de Teodoro, contudo, deu-lhe um estalo. Entre ser humilhada por Gabriel e arriscar a vida de Letícia, a escolha parecia óbvia. Embora a ideia de rever aquele homem a deixasse apavorada, ela sabia que Gabriel Cavalcanti era alguém com recursos financeiros absurdos. Se existia a menor chance de conseguir ajuda, ainda que fosse por meio de um acordo, ela teria de tentar.
Dedos trêmulos apertaram o botão verde de chamada. O telefone tocou uma, duas, três vezes… e então caiu na caixa postal. Bianca sentiu um misto de alívio e frustração. Seu coração batia acelerado como se tivesse corrido uma maratona. Talvez fosse melhor assim, talvez ela devesse pensar em outra forma de conseguir dinheiro. Mas qual?
Inspirando profundamente, decidiu enviar uma mensagem de texto, algo sucinto: “Gabriel, aqui é a Bianca. Preciso falar com você. É urgente.” Anexou o nome completo e o telefone de contato, caso ele tivesse esquecido. Enviou e ficou olhando a tela, sem resposta. Os minutos se arrastaram e, cansada, Bianca guardou o celular na gaveta.
— Eu fiz o que pude… – sussurrou para si mesma. – Talvez ele nem responda. Ou responda me mandando pro inferno.
Seu corpo doía de tensão e medo, mas a exaustão a dominou. Ela se deitou na beirada do colchão, perto de Letícia, e ficou repassando mentalmente todos os cenários possíveis. Pensou se seria melhor ir até a empresa dele pessoalmente, mas como passaria pela segurança? Afinal, um homem bilionário não estaria acessível a qualquer um.
Dormiu sem perceber, vencida pelo cansaço e pela angústia. A noite foi povoada de pesadelos, flashes do marido desaparecido, rostos ameaçadores de agiotas, a lembrança de Gabriel fitando-a com desdém na antiga mansão. Acordou sobressaltada pouco antes do amanhecer, checando o celular. Nada. Nenhuma chamada ou mensagem. Era como se seu pedido de socorro tivesse sido jogado num poço sem fundo.
Por um instante, ela considerou jogar o cartão fora. A ideia de depender de um homem que a desprezava talvez fosse o ponto mais baixo que já atingira. Mas, se havia algo que Bianca aprendera nos últimos meses, era que não podia se dar ao luxo de ter orgulho. Tudo valia pela filha. Precisava continuar insistindo.
Enquanto Letícia ainda dormia, Bianca se levantou, fez um café ralo e repassou seus planos para o dia. Tinha pouco mais de três dias até Teodoro voltar. Se Gabriel não respondesse, talvez o próximo passo fosse procurar a tia – embora fosse praticamente impossível localizá-la. Caso tudo falhasse, restaria apenas arrumar as malas e fugir antes que o agiota aparecesse. Mas ir para onde? Sem dinheiro, com uma criança pequena, sem parentes dispostos a ajudar…
O tempo corria, e cada segundo era um golpe em sua sanidade. Bianca respirou fundo, pegou o celular mais uma vez e encarou a tela, reunindo coragem para tentar ligar de novo. O estômago revirava, a cabeça doía. Estava prestes a apertar o botão de chamada quando o telefone vibrou em sua mão. Um número desconhecido aparecia na tela.
O coração dela disparou.
— Alô?
— Quem fala é a Bianca? – A voz masculina do outro lado era rouca, marcada por um tom de impaciência e frieza.
Ela sentiu um arrepio subir a espinha. Aquela voz soava tão familiar quanto distante.
— S-sou eu, sim… Gabriel?
Ele fez uma pausa antes de responder.
— Recebi sua mensagem. Estou surpreso que ainda tenha meu contato. Achei que a essa altura você estaria longe de mim e da minha família, mas vejo que estava enganado.
Ela mordeu o lábio, tentando respirar. A simple menção da família dele fazia um calor indignado subir à sua face, mas ela precisava manter a compostura.
— Eu… preciso de ajuda. Não tenho para onde correr. Eu sei que você me odeia, mas…
— Onde você está? – Gabriel a interrompeu, seco. – Fale logo.
Bianca hesitou, olhando para o rosto adormecido de Letícia.
— Posso… te explicar pessoalmente? É assunto delicado.
Ele soltou um som cético, quase um riso de desdém.
— Muito bem, Bianca. Vou te dar exatamente vinte minutos para chegar ao meu escritório. Se você se atrasar um segundo que seja, esquece que um dia teve meu número. Entendido?
Ela sentiu as mãos gelarem. Vinte minutos era praticamente impossível – o local de trabalho dele ficava a quase meia hora de ônibus. Mas Gabriel não parecia disposto a negociar.
— T-tudo bem. Eu… vou tentar. Preciso levar minha filha pra uma vizinha antes…
— Não me interessa. Faça o que quiser. Você quer minha ajuda ou não?
Um silêncio pesado se seguiu. Bianca engoliu em seco, e antes que pudesse responder, Gabriel finalizou:
— Vinte minutos. Edifício Cavalcanti, cobertura. Se não aparecer, não me procure nunca mais.
A linha ficou muda. Ela olhou para o celular, incrédula, enquanto um arrepio a tomava da cabeça aos pés. Aquilo era um ultimato. E ela não estava em condições de recusar. Precisava enfrentar o homem que mais desprezava sua família e, possivelmente, implorar para que ele salvasse sua vida e a de Letícia.
Olhou para a filha que começava a despertar. Precisava correr contra o relógio, deixá-la com Dona Célia, pegar um táxi (mesmo sem saber como pagaria), e chegar até o arranha-céu onde Gabriel Cavalcanti a esperaria – provavelmente munido de todo o rancor que cultivava há anos.
Ela não tinha escolha. Respireu fundo, levantou-se e começou a arrumar tudo às pressas, o coração pulsando feito um tambor. “Será que estou vendendo minha dignidade, minha alma?”, pensou, apressada, buscando uma roupa minimamente apresentável. O medo de uma humilhação maior pesava, mas a imagem de Teodoro e suas ameaças eram ainda mais aterrorizantes.
Com a filha no colo, prestes a ser deixada com a vizinha, Bianca sentiu que a vida estava prestes a mudar radicalmente – para melhor ou para pior, não saberia dizer. A única certeza era que a contagem regressiva começara: vinte minutos para chegar a um encontro que poderia definir seu futuro. E, se falhasse, talvez não houvesse mais futuro algum.
Bianca saiu porta afora, coração aos pulos, carregando a filha e um punhado de esperança misturada com desespero. Gabriel Cavalcanti a esperava – e aquele era um encontro que poderia selar um destino bem mais sombrio do que ela imaginava.