Sombras da Mansão

3519 Palavras
O relógio digital do celular marcava 7h56. Restavam pouco mais de quinze minutos para Bianca cumprir o ultimato de Gabriel: chegar ao edifício Cavalcanti, cobertura, e encará-lo frente a frente. Em seu colo, a pequena Letícia cochilava, depois de uma correria frenética em que a mãe precisou vesti-la, preparar uma mochila improvisada e correr até o apartamento de Dona Célia. Agora, sentada no banco de trás de um táxi barulhento, Bianca lutava contra a respiração curta e o pavor crescente. O trajeto até o centro da cidade era complicado naquele horário, e ela temia que todos os semáforos fechados conspirassem contra sua urgência. Enquanto os prédios passavam pela janela, um turbilhão de lembranças invadiu sua mente, trazendo imagens que preferia manter enterradas. E foi assim, meio sem querer, que se viu mergulhada em flashbacks dos tempos em que cruzara o caminho de Gabriel Cavalcanti pela primeira vez. Flashback: A Mansão da Família Cavalcanti Bianca tinha acabado de completar dezesseis anos quando a tia, Alzira, anunciara que se casaria com o pai de Gabriel, o renomado empresário Diogo Cavalcanti. Fora um choque para todos, especialmente para Bianca, que vivia com a tia desde a morte de seus pais. Alzira sempre demonstrara ambição e um gosto pela vida de luxo. Então, não era exatamente surpresa que ela tivesse se aproximado de um homem abastado. Entretanto, ninguém esperava que Diogo fosse se apaixonar tão rapidamente. — Arrume suas malas, Bianca — dissera Alzira, com um brilho quase febril no olhar. — Vamos nos mudar para a mansão dos Cavalcanti. Lá, você vai ter chances de estudar em colégios melhores, conviver com gente de alta classe. É a nossa grande oportunidade. Aos dezesseis, Bianca ainda não sabia que aquela frase, “grande oportunidade”, se tornaria um peso sufocante. Assim que chegaram à imponente casa — quase um palacete, com jardins bem cuidados e janelas que iam do chão ao teto — ela notou a expressão carrancuda de Gabriel. Ele, já com vinte e cinco anos na época, e a postura tensa de quem detestava a situação gritava em cada olhar que lançava. Naquele primeiro dia, Bianca entrou timidamente na sala de estar e viu Gabriel escorado na parede, de braços cruzados. Os olhos dele analisavam as duas recém-chegadas, como se avaliasse parasitas. Alzira, toda sorridente, correu para abraçar Diogo, e Bianca só conseguiu retribuir um sorriso sem graça. Gabriel permaneceu imóvel. — Pai — ele disse, a voz baixa. — Precisamos conversar depois. O tom de frieza não passou despercebido. Diogo fez um gesto apaziguador, mas não adiantou. Desde aquele dia, a presença de Bianca era quase uma afronta para Gabriel. Não demorou para que ele a acusasse, junto com Alzira, de serem “oportunistas” e “caçadoras de fortunas”. Para piorar, toda vez que Alzira aparecia esbanjando roupas caras, Gabriel parecia cravar um olhar ainda mais severo em Bianca. Ela tentava manter distância. Na mansão, seu quarto ficava nos fundos, longe dos aposentos principais. A ideia era que ela tivesse um espaço “simples” e que não incomodasse o herdeiro da casa. Nos primeiros dias, Bianca até tentou estabelecer um diálogo amigável, mas bastava um “bom dia” para Gabriel lançar uma frase cortante: — É, você deve estar feliz agora, né? Ganhou um quarto que não goteja água do teto. Ela abaixava a cabeça, preferindo não alimentar briga. No entanto, havia algo em Gabriel que a incomodava além da frieza: uma sombra de dor em seus olhos, como se ele guardasse mágoas profundas. Ainda assim, o comportamento dele a feria. Em diversas ocasiões, ele insinuava que Bianca e Alzira eram parasitas vivendo às custas do bom coração de Diogo. Certa vez, num fim de tarde, Bianca estava no jardim dos fundos, folheando um livro que pegara na biblioteca. Não tinha muitos amigos naquele bairro novo e sentia-se deslocada. Então, Gabriel apareceu, trajando roupas de grife, como sempre. — Achei que ia encontrar você e sua tia enfiadas na piscina, torrando o dinheiro do meu pai — provocou. — Eu só… estou lendo. — Ela levantou o rosto, tentando soar firme. — Sua biblioteca é incrível. Aliás, a casa toda é incrível. Ele deu um sorriso enviesado, que não chegava aos olhos. — “Minha” biblioteca, certo? Interessante como você se refere a tudo como nosso, não? — Eu não falei que é nosso… — ela tentou se defender. — Só estou dizendo que é lindo. Gabriel bufou, aproximando-se dois passos, com o semblante tenso. — Lindo ver minha casa sendo invadida. Lindo ver meu pai deslumbrado por uma mulher que surgiu do nada… — Minha tia não é uma golpista — Bianca rebateu, com a voz um pouco trêmula. — Ela o ama. Acho que você deveria respeitar a escolha dele. — Respeitar? — Ele deu uma risada seca. — Tá, menina… respeitar a família que veio atrás do dinheiro do meu pai. E você, o que ganha em troca, hein? Aulas de balé? Um monte de roupas novas? Bianca sentiu as lágrimas querendo brotar, mas as conteve. Estava cansada de ser vista como uma oportunista. — Você não me conhece. Não sabe nada de mim ou do que eu passei. — Nem quero saber. — Gabriel virou as costas, soltando um rosnado de desprezo. — Fique longe de mim. Aquela foi apenas uma das inúmeras situações em que ele deixava claro o quanto desprezava a presença de Bianca na mansão. Ela tentava, em vão, mostrar que não era como a tia. Se Alzira adorava os jantares chiques, as joias e a pompa, Bianca preferia ficar em seu quarto, lendo ou estudando. Mas aos olhos de Gabriel, tudo era um complô para arrancar vantagem. A Chama de Uma Atração Agridoce Com o passar dos meses, Diogo Cavalcanti planejava formalizar o casamento com Alzira, e a casa vivia em clima de festa. Gabriel, porém, se mantinha cada vez mais amargo. Ele já tinha idade para gerenciar algumas atividades na empresa do pai, mas Diogo — homem bondoso e confiante — insistia em incluir Alzira e até Bianca em certos eventos. Queria que a “nova família” se aproximasse. Foi nesses eventos que Bianca começou a perceber algo estranho: Gabriel a encarava de forma intensa, mas havia outro tipo de sentimento ali, algo diferente do puro ódio. Uma fagulha de curiosidade que se refletia nos olhos dele, quase como se lutasse contra uma atração incômoda. Em certas madrugadas, quando Bianca descia para beber água, o encontrava vagando pelos corredores, o semblante carregado, e um silêncio pesado pairava entre os dois. Ela achava que era imaginação, mas havia instantes em que os olhares se cruzavam e, por um segundo, a respiração travava. Claro que, logo em seguida, ele soltava alguma frase amarga, esvaziando qualquer possibilidade de aproximação. Certa noite, a tensão explodiu num confronto mais severo. Bianca regressava de um jantar promovido por Diogo, onde foi obrigada a usar um vestido sofisticado que a tia escolheu. Ela se sentia desconfortável, mas o pai de Gabriel fizera questão de apresentá-la a colegas de negócios como “minha enteada”. Gabriel viu tudo com olhos faiscantes de raiva. Ao chegarem em casa, ele a encurralou no corredor: — Estava se divertindo sendo a princesinha, Bianca? Mostrando sorrisos falsos pra todo mundo? Ela corou de fúria: — Você acha que eu queria estar ali? Foi seu pai que insistiu! — Claro, meu pai. Ele se deixou cegar por essa farsa que vocês criaram… — Basta! — Bianca ergueu a voz. — Eu não sou sua inimiga. Eu só… não tenho escolha. Minha tia me trouxe, e eu estou tentando me adaptar. Você não entende nada da minha vida. Gabriel apertou o punho, os olhos chamejando ódio. — E você não entende nada da minha. Eu enxergo cada passo que vocês dão, como vão entrando no meu mundo. Você pode fingir que é inocente, mas pra mim, é tudo a mesma coisa. Antes que ela pudesse revidar, ele se afastou, caminhando apressado para seu quarto. Bianca ficou ali, sentindo o coração disparado, sem saber se sentia mais raiva ou… um frio na barriga. Porque, em meio a toda hostilidade, havia uma tensão no ar — algo perigoso, que ela não conseguia explicar. De Volta ao Presente O táxi freou bruscamente, despertando Bianca do mergulho nas recordações. A raiva e a mágoa do passado tinham sido tão palpáveis que seu peito doía como se fosse ontem. E agora, tantos anos depois, ela estava prestes a reencontrar Gabriel. Ela com vinte e cinco anos, enquanto Gabriel nos seus os trinta e quatro. Sabia que ele se transformara num empresário frio e bem-sucedido. “Se naquela época ele já me desprezava, imagina agora”, pensou, o pânico subindo pela garganta. — Moça, cheguei no endereço que cê disse — informou o taxista, interrompendo seus pensamentos. — É aqui, né? Bianca espiou pela janela e reconheceu, de cara, o enorme arranha-céu com fachada espelhada que ostentava a logomarca “Cavalcanti Holdings” no topo. O coração quase saltou pela boca. Precisou respirar fundo antes de responder. — É… é aqui, sim. Obrigada. Ela piscou ao se dar conta de que não tinha dinheiro suficiente para cobrir a corrida inteira. Tinha pego um pouco emprestado de Dona Célia, mas não era muito. Temeu a reação do motorista, mas ele apenas aceitou o valor parcial, com cara de poucos amigos, e disse para ela não demorar se quisesse correr atrás de troco. Bianca murmurou um pedido de desculpas e saiu quase tropeçando na calçada. Assim que ergueu o rosto, encarou a imponência daquele edifício. As portas de vidro pareciam reluzir, refletindo seu próprio semblante aflito. Odiava estar ali, mas não tinha escolha — precisava de dinheiro e de qualquer forma de proteção contra os agiotas. Se tivesse que implorar, imploraria. “Vá em frente, Bianca”, encorajou-se. “Por Letícia.” Calçando o melhor semblante que pôde, atravessou as portas automáticas. A recepção era luxuosa, com piso de mármore e um balcão onde duas atendentes elegantemente vestidas sorriam — mas de um jeito mecânico, como se fossem programadas para receber apenas clientes importantes. — Bom dia. Em que posso ajudá-la? — perguntou uma delas, os olhos avaliando a aparência simples de Bianca. — Eu… tenho um horário com o senhor Gabriel Cavalcanti — inventou, mesmo sem certeza se ele realmente teria agendado algo. A recepcionista arqueou a sobrancelha. — Nome? — Bianca… Bianca Pereira. — Ela ajustou a alça da bolsa, que parecia velha e destoava do ambiente. A atendente digitou algo no computador, olhando a tela por alguns segundos. — De fato, o senhor Cavalcanti deixou um aviso de que a senhorita viria. Elevador à direita, suba até o trigésimo andar. Lá, fale com a secretária dele. Bianca soltou o ar, aliviada. Ao menos Gabriel cumprira a palavra e a havia colocado na lista de entrada. “Ele realmente quer me ver”, pensou, o que não era exatamente um consolo, mas sim a confirmação de que enfrentaria um momento de humilhação. Atravessou o saguão em passos rápidos, sentindo todos os olhares a analisarem. Ao entrar no elevador, apertou o botão do trigésimo andar, notando que havia mais pessoas ao redor — todos engravatados, mexendo no celular ou nos relógios de pulso caros. Ela se sentia um peixe fora d’água. Durante a subida, as memórias da mansão voltaram à mente, num turbilhão incontrolável. Lembrava-se de Alzira exibindo jóias que Diogo comprava, das festas, dos bufês fartos, enquanto Gabriel a vigiava com olhar crítico. No dia em que ela completou dezessete, Diogo organizara uma pequena celebração familiar, mas Gabriel se manteve à distância, como se a simples ideia de participar daquilo fosse repugnante. Pouco depois, Diogo falecera de forma repentina — um infarto. O choque abalou tudo. A tia de Bianca recebeu uma quantia considerável, mas a relação com Gabriel rompeu-se por completo. Bianca deixou a mansão junto com a tia, mas não houve nenhum tipo de despedida entre ela e Gabriel. Somente a certeza de que ele carregaria um ódio eterno por aquela “família interesseira”. “Será que ele ainda me enxerga como antes?” — questionou-se. — “É provável.” O elevador parou com um leve solavanco. As portas se abriram para um andar luxuoso, com tapetes impecáveis e um design moderno. Uma placa indicava “Ala Executiva”. Logo em frente, Bianca viu uma secretária de coque impecável, que levantou os olhos de uma planilha ao notar a recém-chegada. — Pois não? Em que posso ajudá-la? — Eu… tenho um horário com o senhor Gabriel Cavalcanti. Sou Bianca. A mulher conferiu algo na tela do computador e fez um gesto com a mão, sem levantar muito a sobrancelha. — O senhor Cavalcanti pediu que entrasse direto na sala dele. Fica ao final do corredor, porta dupla à direita. — Obrigada… — Bianca respondeu, a voz seca. Enquanto atravessava o corredor, o coração dela parecia martelar no peito. O tapete felpudo abafava seus passos, mas não silenciava o barulho da própria ansiedade. Por fim, parou diante das portas. Respirou fundo, ajeitou os cabelos e tocou uma das maçanetas. Empurrou devagar, revelando um escritório amplo, de paredes envidraçadas que ofereciam uma vista panorâmica da cidade. À frente, uma mesa de madeira nobre e, atrás dela, Gabriel. Ele estava sentado em uma cadeira executiva, a postura ereta, folheando alguns papéis. Ao ouvir o clique da porta, levantou os olhos, cravando-os nela. Aquele mesmo olhar penetrante do passado, porém mais frio, mais adulto, mais… perigoso. — Você demorou — a voz soou baixa, mas firme. — São oito e treze… — murmurou Bianca, surpresa por ter conseguido chegar quase no limite do prazo. — Oito e treze. Sendo que pedi que estivesse aqui no máximo às oito e dez. Três minutos de atraso. — Ele largou os papéis, reclinando-se na cadeira. — Acho que você não mudou nada mesmo. Ela sentiu o rosto queimar. — Desculpe… eu tive que deixar minha filha com a vizinha, e o trânsito estava… — Poupo-me de justificativas — Gabriel a interrompeu, erguendo uma das sobrancelhas com desprezo. — Sente-se. Bianca hesitou, mas obedeceu, afundando-se na cadeira em frente à mesa dele. O ambiente cheirava a perfume caro e a algo amadeirado — provavelmente uma daquelas essências de ambiente de luxo. Gabriel manteve o silêncio por alguns instantes, fitando-a como se estudasse cada detalhe de sua fisionomia. — Então, Bianca… — ele começou, com um leve esgar de nojo ou escárnio na voz. — Recebi sua mensagem dizendo que precisava falar comigo com urgência. E agora está aqui, suplicando a minha atenção. Sabe que eu achei até irônico? Depois de todos esses anos… Ela de repente lembrou-se das farpas que trocavam quando adolescentes, e algo dentro dela quis resistir, retrucar. Mas a necessidade de resolver o problema falou mais alto. Precisava de ajuda, gostando ou não. — Eu… sim, preciso muito falar com você. É sobre dívidas. Uma situação complicada que estou enfrentando. — Ela pigarreou, a garganta seca. — Olha, eu entendo o quanto você me despreza, mas estou em apuros. Estou sendo ameaçada por agiotas, meu marido desapareceu… tenho uma filha pequena que corre perigo se eu não pagar o que devo. Gabriel se manteve impassível, os lábios se contraindo minimamente ao ouvir a palavra “marido”. — Marido desaparecido, dívidas, uma filha… — Ele pareceu pensar por um instante. — Interessante. E o que exatamente você espera de mim? Ela sentiu um calafrio. O modo como Gabriel falava era ácido. — Eu… honestamente, não sei. Eu tentei conseguir emprego, mas tenho restrições no nome. Estou sem opções. Pensei que… talvez você pudesse… me fazer um empréstimo ou… — A voz tremeu ao final. Mesmo balbuciando as palavras, soava humilhante. Ele soltou um riso abafado, descrente, balançando a cabeça negativamente. — Um empréstimo… Que conveniente. Você acha que eu, Gabriel Cavalcanti, vou simplesmente abrir a carteira para resolver seu problema e sair como um o****o? Isso depois de tudo que a sua família fez? Ela engoliu em seco, sentindo a dor daquela velha acusação, mas ciente de que precisava insistir. — Eu posso trabalhar para você. Faço qualquer coisa, dou meu sangue para pagar cada centavo. Só… não tenho mais a quem recorrer. O olhar de Gabriel escureceu. Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa, os dedos entrelaçados. — Trabalhar para mim, Bianca? Sério? — ele sorriu, mas era um sorriso c***l. — E o que você sabe fazer, além de…? Ela captou a malícia no tom, a provocação insinuante, e seu estômago revirou. Ainda assim, manteve a postura. — Posso ser secretária, assistente… qualquer função. Ele recostou na cadeira novamente, analisando-a com um ar de superioridade. — Assistente… secretária… Humm… Acha mesmo que eu preciso de mais uma secretária? — Gabriel se levantou, dando a volta na mesa. Parou atrás da cadeira dela e, de maneira repentina, se inclinou, falando próximo ao ouvido de Bianca. — Conheço bem o seu tipo. Suas mentiras, sua família de interesseiros. Se tem uma coisa em que você pode ser útil, não seria digitando relatórios. Bianca apertou as mãos no colo, sentindo a tensão subir. A respiração dela se acelerou. — Não sou mentirosa. E não estou tentando enganar você. Quero só uma chance. Gabriel não recuou. Pelo contrário, aproximou-se mais, a ponto de Bianca sentir o perfume intenso e quente que exalava dele. Era uma situação profundamente incômoda. — Uma chance… e por que eu daria? Por que me importaria com as suas dívidas? Ela piscou, notando que ele praticamente a tinha encurralado na cadeira. — Porque… porque eu preciso proteger a minha filha. Por favor. Eu imploro. Ele riu mais uma vez, roçando de leve a ponta dos dedos no ombro de Bianca. O toque fez um arrepio desagradável percorrer a espinha dela — desagradável, mas, ao mesmo tempo, havia um latejar inquietante em seu peito, lembrando a antiga tensão que sentira na juventude. — Filha, marido fujão, dívidas, agiotas… — Gabriel enumerou, como se fosse a lista de um circo de horrores. — Se você está disposta a fazer “qualquer coisa”, talvez eu encontre uma utilidade para você. Mas não se engane: eu não sou um homem piedoso. Se concordar em fazer um acordo comigo, vai ter que seguir minhas regras. Bianca mordeu o lábio, engolindo a seco. O jeito como ele falou “qualquer coisa” acendia um alerta na cabeça dela. Mas se fosse esse o preço para livrar Letícia do perigo, talvez não tivesse escolha. — Eu… aceito. Só peço que não me mande embora de mãos vazias. Não posso falhar, Gabriel. Ele se afastou então, andando novamente para trás da mesa, mantendo a expressão fechada. — Que conveniente, Bianca. — Sua voz soou glacial. — Depois de anos, você ressurge pedindo minha ajuda. Muito bem. Vou pensar no assunto. Amanhã, volte aqui neste mesmo horário. Nessa reunião, vou te apresentar minhas condições. Ela abriu a boca, confusa. — Mas e quanto às ameaças? Eu tenho menos de três dias para pagar a primeira parte aos agiotas. Não posso esperar… Gabriel levantou a mão, cortando-a: — Amanhã, Bianca. Vá embora agora. Estou irritado o suficiente por seus três minutos de atraso, e tenho muitos compromissos. Bianca quis protestar, implorar, mas o olhar dele era duro como gelo. Parecia desejar que ela reconhecesse o quão inferior se sentia. A situação era humilhante ao extremo. Sem alternativa, ela se levantou devagar, a mente fervilhando. — Tudo bem. Amanhã, às oito em ponto. Eu virei. Ele fez um leve gesto com a cabeça, como se dissesse “saia”. A cada passo que ela dava em direção à porta, sentia o peito apertar, enquanto a figura de Gabriel permanecia ao fundo, imóvel, analisando-a como um predador avalia sua presa. “Isso vai acabar comigo.” Foi o pensamento que relampejou em sua mente no instante em que fechou a porta. E, se algo já lhe parecia degradante nesse rápido encontro, ela temia o que viria no dia seguinte. Tinha certeza de que Gabriel, em sua sede de rancor, não lhe pouparia de nenhum tipo de humilhação. Ela se afastou pelo corredor, as pernas trêmulas, m*l conseguindo sustentar o peso do corpo. Ainda precisava descer trinta andares e encarar a realidade lá fora: cobradores, agiotas, aluguel atrasado, a filha esperando uma solução. E tudo estava nas mãos de um homem que um dia a desprezou como se fosse um parasita — e que agora, por seus próprios termos, poderia facilmente transformá-la em algo ainda pior. Enquanto Bianca saía do prédio, o celular vibrou no bolso, exibindo uma mensagem curta de um número desconhecido: “Não esqueça: amanhã, oito em ponto. Não tolere atrasos desta vez. — G.C.” Ela sentiu um calafrio. Gabriel Cavalcanti estava disposto a impor seu poder de forma impiedosa. m*l sabia Bianca que aquele reencontro, iniciado com a simples esperança de conseguir dinheiro para pagar dívidas, a conduziria a um abismo de submissão e desejo — e a um resgate possível apenas a um preço altíssimo.
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