capítulo 12

1750 Palavras
Duas semanas passaram como um suspiro suave — daqueles que escapam sem que se perceba. Os dias foram intensos, quentes, e muitas vezes terminaram com os corpos suados, enredados entre lençóis que já não distinguiam começo ou fim. Caminharam pela vila de mãos dadas, ignorando os olhares surpresos de quem ainda esperava ver Lívia ao lado de Lucas. Receberam os pais, cozinharam juntos, riram — como se tudo aquilo sempre tivesse sido assim. Como se fosse certo. Beijaram-se com paixão. Ela aprendeu a rir do drama silencioso de Saimon quando não recebia a atenção que queria. Ele aprendeu o som da risada dela como quem aprende um idioma novo. E Lívia sentiu algo que não esperava. Um calor firme no peito. Uma vontade simples de permanecer. Por isso, o golpe veio duro. Naquela manhã de sol fraco, Saimon estava com a mala aberta sobre a cama, dobrando camisas com uma seriedade que denunciava seu humor fechado. O gesto era metódico demais. Contido demais. — Então você realmente vai — Lívia murmurou, apoiada no batente da porta. Ele não a olhou. Isso, por si só, já dizia tudo. Havia uma semana que ele falava sobre Atenas. Sobre ela ir com ele. E Lívia não dissera sim. Nem não. Toda a sua vida estava ali, na ilha de Célia. — Tenho uma empresa inteira esperando por mim — respondeu, a voz mais dura do que gostaria. — Fiquei uma semana a mais. Não posso prolongar isso. — Eu… eu tenho meu trabalho aqui — disse ela, engolindo o nó na garganta. — Meus pais. Minha vida inteira está aqui. A camisa que ele dobrava virou um punho de tecido amassado. Ela percebeu. Percebeu também o pensamento que ele não disse: *você é minha esposa agora*. Trabalho, ele poderia lhe dar em qualquer lugar. Em Atenas, inclusive algo melhor. — Tudo o que é seu está aqui? — ironizou, encarando-a. — Seu “tudo” é aquele homem? Lívia piscou, surpresa. Ofendida. — Saimon, isso não tem nada a ver com o Lucas. — Já teve — retrucou, jogando a camisa dentro da mala. — E não importa o que ele disse depois. Você esteve com ele. Você o amou. Ela cruzou os braços, sentindo o peito apertar. No fundo, havia algo desconfortável ali — uma verdade que não queria encarar. Talvez ainda estivesse presa à rotina antiga, aos hábitos que não aprendera a soltar. — Não é assim — murmurou. — Então venha comigo. — Você não pode controlar minha vida desse jeito. Sempre trabalhei lá. Sempre convivi com ele sem problemas. Você não pode simplesmente proibir— — Posso sim. — A voz dele veio grave, firme, carregada de um medo que ele não sabia esconder. — Sou seu marido, Lívia. Não vou fingir que está tudo bem você permanecer perto de alguém que já quis você. — Você está com ciúmes? — perguntou, atônita. Saimon riu sem humor. — De um homem que te trocaria pela sua irmã? Não. — Fechou o zíper da mala com força. — Só não sou ingênuo o suficiente para ignorar o que isso pode virar. Ela deu um passo à frente. — Então você quer que eu abandone minha família? Meu trabalho? Toda a minha vida… sem pensar? Os olhos dele brilharam com algo novo. Insegurança. — Quero você comigo — disse, num tom áspero e baixo. — Isso é casamento. Não percebe que sua vida não é mais apenas o que era duas semanas atrás? Agora… eu faço parte dela. O silêncio caiu pesado. Lívia pensou nos pais. Na casa pequena que sempre chamara de lar. No trabalho. Pensou também no sorriso torto de Saimon, no modo como ele a observava quando ria, no cuidado silencioso, no temperamento intenso que a fazia sentir-se viva. Ela hesitou. Por um segundo apenas. Mas foi o bastante. Saimon viu. E entendeu da pior maneira. O rosto dele se fechou. O maxilar endureceu. Ele pegou a mala sem dizer mais nada. — Saimon, espera — — Não tenho mais o que ouvir — respondeu, sem virar o rosto. — Se você não vem, então eu vou sozinho. Não me culpe por me sentir excluído da sua vida quando acabou de dizer que tudo o que importa está aqui. — Saimon! — a voz dela saiu quebrada. Ele desceu as escadas com passos firmes, empurrou a porta com força. Lívia correu atrás, o coração disparado. Naquele instante, sentiu algo diferente de tudo o que já perdera antes. Mais profundo. Mais definitivo. — Por favor… eu só preciso resolver minhas coisas. Depois vou até você — disse, desesperada. Ele parou por um instante, olhando por sobre o ombro. — Você ainda tem uma semana de férias — falou, com um fio de esperança. — Venha comigo agora. Depois voltamos juntos e resolvemos tudo para você ir de vez. Ela abriu a boca. Hesitou. — Eu… — Entendi, Lívia — ele suspirou, fechando os olhos por um segundo. — Quando estiver pronta. — Saimon… — Resolva sua vida. Em algum momento, eu volto à ilha — concluiu, entrando no carro. — Adeus. O motor arrancou. Lívia ficou parada na varanda, o peito estremecendo, como se estivesse fora do próprio corpo — com a certeza amarga de que talvez tivesse acabado de deixar escapar algo que não sabia se teria coragem de buscar depois. A estrada que descia a montanha parecia mais longa do que nunca. Saimon dirigia com uma das mãos firmes no volante, os olhos fixos à frente, enquanto a outra repousava rígida demais sobre a coxa. O rádio estava desligado. Ele não queria ruído algum — já havia demais dentro da própria cabeça. Você hesitou. A frase voltava como um golpe seco. Não porque Lívia quisesse voltar com o ex — isso ele sabia que não existia chances — mas porque, no momento em que precisou escolher, ela ainda pertencia a outro lugar. A ilha. Os pais. A vida que existia antes dele. A Lucas, talvez. E isso doía mais do que ele estava disposto a admitir. Ele nunca fora homem de dividir. Nem negócios, nem decisões — muito menos sentimentos. A tradição da ilha ainda lhe parecia absurda. Um casamento decidido no escuro, sem nomes, sem promessas. E, ainda assim, ali estava ele: casado, vulnerável, com o peito apertado como jamais sentira em anos de relações calculadas e convenientes. Você deveria ter simplesmente vindo comigo. Pensou, não como acusação, mas como pedido tardio. O aeroporto surgiu no horizonte como um lembrete c***l de que ele estava partindo sozinho. Saimon estacionou, pegou a mala no porta-malas e seguiu em direção ao saguão, sentindo o peso estranho de um casamento que começara intenso demais para ser interrompido tão cedo. Foi então que a viu. Judith estava alguns metros à frente, impecável como sempre, vestida com elegância natural. Os cabelos perfeitamente alinhados, o corpo esguio inclinado para frente enquanto se despedia de Lucas. O contraste entre os dois era gritante — ela, luminosa; ele, excessivamente satisfeito consigo mesmo. Lucas segurava as mãos dela como se quisesse garantir que agora a mulher pertencia a ele. — Não demore. — ele dizia, com um sorriso fácil. — Atenas é pequena. A gente se vê logo. Vou apenas cumprir uma agenda, e volto para a ilha. — ela garantiu e ele sorriu satisfeito. Judith também sorriu, aquele sorriso treinado, belo e vazio. Aquela mulher, era exatamente alguém que Saimon não queria por perto. Sua cunhada não parecia alguém de confiança. — Claro — respondeu, dando-lhe um beijo rápido no rosto. — Me espera. Saimon parou por um instante, observando a cena à distância. Lucas se virou primeiro e o reconheceu. O sorriso que surgiu em seu rosto foi lento — provocador demais para ser inocente. Ele disse algo ao ouvido de Judith antes de se afastar, e só então ela percebeu a presença de Saimon. Os olhos dela brilharam ao reconhecê-lo. — Saimon. — cumprimentou, com naturalidade excessiva, que não cabia a eles. — Que coincidência. — Sim. — Respondeu sem nenhum humor, indo sentasse para a esperar seu vôo ser chamado. Judith inclinou a cabeça, avaliando-o com curiosidade, antes de ir até ele e também se sentar próximo. — Viajando sozinho? — Simon quis rosnar para ela, quando sentiu a mão ser colocada sobre seu braço. — Minha esposa ficara na ilha. — Disse por fim, puxando o braço do toque e se segurando para não puxar um lenço e limpar o lugar. Por um segundo, algo passou pelo rosto dela. Não exatamente surpresa. Talvez satisfação. Talvez cálculo. — Entendo — disse, ajeitando a alça da bolsa no ombro. — É difícil estar com alguém assim, sem que tenha sentimentos. Ainda mais quando ela já tem sentimentos por outro. Saimon apertou os lábios. — Pior ainda. Quando apenas um tem sentimentos. — Ele se referiu a ela e Lucas, porque ele parecia apaixonado, ela não. Desde a celebração, ele parecia o troféu dela. Em uma competição que nem mesmo Lívia sabia que estava participando. Judith sorriu — um sorriso fino, quase elegante demais. Forçado demais. — Ou talvez saibam exatamente o que querem manter sob controle. O silêncio entre eles ficou pesado. Lucas já se afastava, distraído, enquanto Judith e Saimon permaneciam ali, dois lados opostos da mesma história. Judith sorria internamente, julgando o infeliz casamento da sua irmã. — Espero que Lívia esteja bem — comentou Judith, por fim. — Imagino que a despedida não tenha sido fácil. — tinha ironia em sua voz, e Simon percebeu. — Não foi — respondeu ele, sem suavizar o tom. — Mas algumas decisões precisam ser tomadas cedo. Antes que se tornem desculpas. Judith o observou por mais um segundo, como se quisesse dizer algo mais. Mas então sorriu novamente — sempre o sorriso — e estendeu a mão. — Boa viagem, Saimon. Ele hesitou apenas o suficiente para que o gesto não parecesse cordial demais. Apertou a mão dela uma única vez, querendo sair rapidamente da presença da cunhada. — Cuide do que é seu — disse, antes de se afastar. — porque eu cuido do que é meu. E Lucas, é meu. Simon olhou para as portas do saguão do aeroporto. Queria desistir agora mesmo, porque sentia que essa história ainda iria render e ele não queria que Lívia estivesse sozinha. Se Judith ainda tinha receio de Lucas e Lívia, é porque ela não confiava nos sentimentos dele por ela, e se ela não confiava cegamente em Lucas, ele muito menos. ...
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR