—Ela está olhando pra você, mano. —Erick me falou pela centésima vez desde que chegamos.
—Aquieta com isso, não viemos aqui para ficar de namorinho. —eu o repreendi. —Daqui a pouco vocês vão tocar, se concentra nisso.
—Verdade, desculpa mano. —ele respondeu.
Voltamos a nossa atividade do horário, era pouco depois do almoço, estávamos preparando panos coloridos para uma dinâmica que seria feita após o culto noturno, sem perceber, minha cabeça começou a procurar pelo sítio onde ela estava. Não a encontrei e voltei meus afazeres.
Quando terminei de montar minha túnica branca, fui na direção do lago, eu estava com tempo livre e decidi caminhar um pouco, não sei bem o porquê, talvez eu quisesse encontrar com a menina outra vez. Fui andando, falando com as pessoas, quando cheguei perto do pequeno lago redondo, havia um coqueiro bem grande quase na beirada da água, havia uma cadeira encostada nele e uma pessoa sentada ali.
Fui me aproximando devagar e consegui ouvir seu fungado, eu virei as costas para dar privacidade a pessoa mas quando ia virando, ouvi uma voz doce e baixa dizendo:
—Por favor, se o senhor está me ouvindo, me ajuda a sair dessa... —a voz dizia. E era a voz dela, fiquei parado, sem saber se eu ficava ou saia, enquanto isso a voz continuou. —Eu vim para buscar uma saída, sei que eu nunca fui de ir a igreja, mas estou pedindo de coração, o senhor pode me ouvir? —ela suplicou.
Criei coragem e dei um passo para mais perto e disse.
—Pode, ele te ouve sim. —eu disse.
Ela se assustou e olhou para cima, limpou as lágrimas e voltou a olhar para o lago.
—É feio ouvir a conversa alheia, viu? —ela disse.
—Basicamente você estava orando. —eu rebati.
—Oração também é uma conversa, não é mesmo? —ela disse e me olhou novamente.
—Está correto. Respondendo a você, Deus te ouve, no momento certo ele vai te responder. —eu disse.
Ela riu e balançou a cabeça em afirmação. —Bem, espero que seja antes de eu completar dezoito.
—Está colocando prazo nas ações dEle? —perguntei sorrindo.
—Não, estou pedindo que me ajude antes de eu fazer dezoito. —ela suspirou. —depois disso eu estarei perdida. —ela falou baixinho.
—Você nunca vai estar perdida, ele sempre vai encontrar você. —respondi.
A garota passou um tempo olhando para mim, nós dois nos encarando sem nenhuma palavra, apenas olho no olho, ela por fim desviou sua atenção e olhou para o lago novamente.
—Espero que sim. —ela finalmente disse.
—Matheus. —eu disse, assim sem mais nem menos.
—O quê? —ela perguntou me olhando com aqueles olhos brilhantes novamente
—O meu nome é Matheus. —expliquei.
E então ela sorriu abertamente, estendeu a mão para mim e disse:
—Eu sou Gabrielle.
Apertei sua mão macia e parece que nós dois levamos um choque, porque sua mão estava quente e a minha estava fria, a combinação apesar de ter resultado em uma pequena descarga, foi perfeita. Ela voltou a sentar na cadeira apoiada no coqueiro e eu sentei no chão, na grama.
—Você é nova? —perguntei.
—Sim, tenho dezesseis anos e você? —ela perguntou.
Demorou um total de um segundo antes de eu cair na gargalhada. Ela levantou a sobrancelha em questionamento e eu expliquei.
—Perguntei se você é nova na igreja.
Ela pareceu virar um pimentão, suas bochechas ficaram vermelhas e ela girou a cabeça rapidamente.
—Ah, desculpe. Sim, eu só fui duas vezes, nas duas últimas semanas. —ela explicou.
Entendi o motivo de nunca tê-la visto lá, eu não fui nas duas últimas semanas, precisei me ausentar porque me inscrevi em simulados e era justamente no horário da tarde/noite.
—Entendi. Então, seja bem vinda. —eu falei.
—Obrigada. —ela respondeu e sorriu olhando para o lago.
Nós ficamos em silêncio por muito tempo, até que fomos chamados para o momento da gincana, Gabrielle levantou da cadeira, mas pisou em falso e quase caiu de cara no lago. Eu segurei em seu braço e a puxei na minha direção, ela bateu com tudo em peito, levantou a cabeça e me olhou com os olhos bem vivos e expressivos.
—Matheus
Soltei seu braço rapidamente e ela se afastou, arrumou o cabelo e correu na direção contrária. Virei as costas e meu irmão estava me chamando ao longe, ainda bem que ele não chegou muito perto ou iria fazer milhares de perguntas.
Durante as atividades em grupo, Gabrielle ficou distante, mas ela vez ou outra desviava o olhar e eu também, eu já estava me sentindo culpado por estar olhando tanto assim para ela, mas aquilo parecia tão certo a se fazer.
Depois das brincadeiras, meu irmão e o grupo de músicos começaram a cantar, vi quando Gabrielle fechou os olhos e as lágrimas caíam sobre seu rosto angelical, ela limpava sempre que uma lágrima caía na bochecha.
Eu ia até ela, mas outra garota chegou primeiro e a abraçou, elas duas começaram a conversar e eu voltei minha atenção ao meu irmão. Ele toca tudo, mas hoje ele ficou na guitarra, ele é tão jovem e já é muito bom nisso, ele me olhou e eu fiz um joinha com o polegar para incentivá-lo.
Quando acabaram as músicas e chegou o momento do culto, eu fui ajudar a enfileirar as cadeiras, eu sentei na última fileira, a algumas cadeiras longe dela, vi que ela estava um pouco afastada e fui sentando de uma em uma cadeira até chegar ao lado dela.
Gabrielle fechou os olhos no momento de oração e começou a chorar novamente, eu segurei em sua mão, no automático, apenas segurei, ela abriu os olhos e quando percebeu que era eu, tombou a cabeça para a frente e chorou em meu ombro.
Como estávamos mais ao final, sei que poucas pessoas viram a cena, mas eu não pensei nisso nesse momento, só deixei que ela limpasse tudo o que estava a deixando triste.
Quando ela se acalmou, ela voltou a posição normal, mas continuou segurando em minha mão.
O culto terminou e assim que as pessoas levantaram das cadeiras, eu soltei sua mão, ela olhou para baixo e ficou encarando nossas mãos separadas, alguém veio em sua direção e a chamou, ela olhou para mim uma última vez e sussurrou um “obrigada” antes de virar as costas e sair.
No dia seguinte eu fui praticamente chutado da cama, os caras me pegaram no colo e correram para me jogar dentro da piscina. A água estava gelada, assim que eu submergi na água, vi a faixa enorme nas árvores.
“FELIZ ANIVERSÁRIO FUTURO TENENTE”
Comecei a rir e saí da água, meus colegas e líderes vieram me abraçar, Erick foi o primeiro, fez um discurso cheio de piadas que fez todos rirem, me entregaram uma toalha e um amigo meu disse:
—Bom, você foi batizado, sabe? Dezessete anos. —todos começaram a rir.
Depois das várias felicitações, eles prepararam um café da manhã incrível para mim, fizeram tudo que eu gosto de comer, eu não vi Gabrielle em nenhum momento, mas afastei o pensamento e fui aproveitar meu aniversário.
Estávamos conversando quando eu a vi, atrás da pilastra, ela olhou para mim e me chamou discretamente, demorei alguns segundos até entender que ela queria falar comigo. Pedi licença aos demais e fui caminhando até ela devagar.
Quando parei em sua frente, ela sorriu e me mostrou um pequeno bolinho, redondo e com alguma coisa verde por cima.
—Parabéns —ela disse sorrindo —A sua líder me ajudou a fazer.
—Humm.. bem, obrigado! —eu peguei o bolo de suas mãos e comi tudo de uma vez só.
—Credo. —ela gargalhou.
Era bem doce, não gosto muito de coisa doce mas estava ema delícia, não sei se é porque era gostoso mesmo ou se eu achei bom porque ela me deu.
—Gostei, obrigado. —limpei os dedos com a boca e ela riu novamente.
—As pessoas parecem gostar muito de você. —ela comentou e olhou ao redor.
Bem, tenho que concordar, eu nunca tive problemas com ninguém.
—Acho que sim. —respondi.
Nesse momento, parecíamos desconfortáveis, sem saber exatamente o que dizer para o outro. Fomos salvos porque alguém me chamou e eu me despedi dela. Voltei a onde eu estava inicialmente e tentei pensar em outra coisa.
Eu não fui ali para conhecer ninguém, passei o resto do retiro inteiro procurando uma forma de não olhar para ela e não pensar muito nela, me mantive afastado o máximo que pude, mas foi em vão, minha vida nunca mais seria a mesma.