Pré-visualização gratuita Introdução
Laís Narrando
Estou sentada no banco da igreja batista da promessa, a igreja que frequento desde criança. Tenho dezenove anos, mas as roupas que uso hoje foram escolhidas especialmente pela minha mãe, afinal, ela convidou um cara que nunca vi na vida para almoçar em nossa casa porque ele é um "bom pretendente". Parece ridículo? Pois é. Eu tenho dezenove anos e estamos no ano de dois mil e vinte um.
Meu pai se chama Marcos, e ele é capitão da polícia. Ele é cristão, está agora lá na frente pregando sobre amor ao próximo, mas não perde a oportunidade de dar tiros em serviço, naqueles que julga "condenáveis". Enquanto ele grita no púlpito sobre perdão, eu estou sentada ao lado da minha mãe.
– Filha, olha só o Caio. Ele está sentado no último banco. – Nem me mexi ao ouvir minha mãe cochichar. Não queria conhecer o tal do Caio, nem ao menos estar aqui, mas não tenho escolha. – Não está curiosa?
– Não. – Falei. Ela colocou a mão em minha perna e apertou minha coxa com força.
– Como você é i****a. – Ela negou com a cabeça, fazendo cara de nojo e voltou a prestar atenção no que meu pai falava lá na frente.
Acabou a pregação. Era hora de eu conhecer o tal do Caio.
Saímos da igreja e paramos em frente, esperando o cara magrelo, vestindo uma camisa social amarela e calça social marrom com uma bíblia embaixo do braço. Ele estava com o cabelo lambido de gel, e eu o olhei de cima a baixo.
Caio esticou a mão para mim e eu o cumprimentei.
– Prazer em conhecer a senhorita, Laís. – Ele abriu um sorriso. Sorri de forma sem graça. – Você tem quantos anos?
– Dezenove. – Falei. Tirei a mão de perto dele o mais rápido que pude. Que cara esquisito, meu Deus. – E você?
Minha mãe parecia satisfeita com a nossa interação.
– Eu tenho vinte e seis anos. Estou ansioso para te conhecer melhor. – Ele pegou minha mão e beijou o dorso. Queria sair correndo, mas fingi que não.
O almoço na minha casa foi cheio de formalidades desnecessárias. As vezes me sinto presa em um livro do século vinte. E quando o almoço acabou, meus pais deram um tempo para que nós conversássemos melhor.
– Gostei muito de você, Laís. Acho que nós temos os mesmos propósitos na vida, faríamos um bom par.
– Caio, você é um bom homem, mas minha mãe que planejou toda essa palhaçada e eu não tô muito interessada. Sinceramente, eu só... Quero estudar na minha faculdade e ficar em paz. Não quero um namorado, entende? – Ele ergueu as sobrancelhas.
– Uau. Você parecia bem interessada mais cedo. – Neguei com a cabeça.
– Me desculpa. – Ele negou com a cabeça.
– Isso foi bem ridículo da sua parte. E infantil. É, o que eu tinha que esperar de uma garota de dezenove anos, né? – Ele negou com a cabeça e levantou do sofá com raiva.
– Tá. Te levo até a porta. – Pode me ofender, eu não ligo. Só quero que ele saia daqui.
Caio foi até a porta e assim que ele saiu, eu fechei e encostei minhas costas ali. Escorreguei até o chão e sentei, encostada na porta. Ajeitei minha saia até a metade da canela e respirei fundo. Eu só queria fugir, mas sentia que não podia. Queria ser alguém que não decepciona os próprios pais...
– Filha? Cadê o Caio? – Ela ergueu as sobrancelhas.
– Foi embora. Estava com dor de barriga. – Ela soltou uma risada.
– Coitado! E você gostou dele? – Neguei com a cabeça.
– Mãe, ele é muito esquisito. Não faz isso comigo, pelo amor de Deus... – Ela girou os olhos.
– Você tá escolhendo demais. Vai acabar pra titia.
Qual o problema de acabar "pra titia"? E aliás, qual o problema de não escolher um namorado? Eu só quero ficar em paz, que merda...
Na manhã seguinte, era dia de faculdade. Já estudo tem dois meses e faço medicina veterinária. Todo fim de semana tem festa, mas esse fim de semana agora terá uma festa especial chamada "tequilada a fantasia". Eu queria muito ir, mas sei que minha mãe não vai deixar.
– Isa, nós vamos ficar juntas esse fim de semana, não vamos? – Perguntei para minha melhor amiga da faculdade. Combinamos de dormir juntas esse final de semana.
– Claro. Eu já avisei meus pais que você vai dormir lá. Eles não ligam muito, e eu acho que vão viajar. – Concordei com a cabeça. Meus pais haviam deixado eu dormir na casa dela, porque ela é da igreja presbiteriana. Eles só não sabem que ela é bem desviada...
– Isa, e se a gente fosse na tequilada da faculdade? – Ela mordeu o lábio inferior e sorriu de forma safada.
– Tá brincando. Você também quer ir? – Concordei com a cabeça.
– Eu nunca fui em festa nenhuma que não fosse da igreja. Eu queria muito conhecer uma festa... Assim.
– Vamos. Eu adoraria. – Ela disse. Isa me abraçou e mostrou a língua.
– Aleluia, vamos ter um pouco de diversão esse fim de semana.
Tubarão Narrando
– Pega isso daqui, muleque. – Meu pai gritou e arremessou uma metralhadora em minha direção. – Prepara que o Pedra tá chegando!
Moro na comunidade de São Pedro em São Paulo. Meu pai é o "Chefe", e no momento, ele tá tentando virar realmente o chefe do morro dando um golpe no cara de cima, o "Pinote". Eu não sei o que penso em relação a tudo isso e só sigo o fluxo.
Meu pai chutou a porta da casa do Pinote. Ele tá pra cair faz tempo, mas agora, que bateu na fiel até quase a morte, os caras concordaram em tirá-lo do comando e colocar meu pai.
A minha arma está apontada para a cabeça de Pinote e ele já ergueu as mãos.
– Vai entregar o morro, Pinote? – Pinote tirou uma arma da cintura e apontou para a cabeça do meu pai.
– Vai ter que me matar, sabe disso. – Meu pai girou os olhos.
– Ah, que se f**a. Atira, Tubarão! – Eu hesitei. infelizmente eu hesitei. – Atira, c*****o!
Meu coração acelerou. Eu pensei por alguns instantes porque, c*****o, eu tenho dezenove anos e nunca precisei matar alguém.
Meu pai perdeu a paciência e deu um tiro na cabeça de Pinote, e depois disso, eu atirei. Mas isso não foi suficiente, não para o novo chefe só tráfico.
Os caras levantaram as armas em comemoração. Hoje com certeza vai ter baile em comemoração, mas pela minha covardia, tenho certeza que serei deixado de fora.
– Pai... – Ele me deu uma coronhada leve, negando com a cabeça.
– Você é um i*****l, Tubarão. c*****o! Tu vai ter que vender droga em festinha de faculdade e me trazer três mil reais igual aviãozinho, enquanto eu penso no teu castigo. – Arregalei meus olhos. Um dos p*u mandado do meu pai sorriu de forma satisfeita.
– Manda ele matar o Bigode! – Sugeriu. Meu pai gargalhou.
– Tá querendo f***r meu garoto? Gostei. Você tem futuro. – Ele gargalhava como a p***a de um psicopata. – É isso aí, tu vai vender droga igual um aviãozinho hoje e depois vai ter que matar o Bigode.
Bigode é um capitão da polícia muito famoso por aqui, porque derrubou metade dos muleques do morro que serviam o Pinote. Todo mundo tem raiva dele.
– Se você acha que isso é o suficiente, tudo bem. – Falei.
– Honra essa tatuagem de tubarão no braço, garoto. Você acha que um tubarão fica pensando se vai matar um filho da p**a igual o Pinote ou não? Se eu mandar você matar alguém, você mata sem ficar com o cu na mão, entendeu?
– Tá. – Concordei.
Agora eu tô com um p**a peso nas costas, de matar o Bigode e vender droga pra granfino. É f**a.