Oliver já estava quase na porta quando ouviu o som.
Um gemido curto, abafado… mas de dor verdadeira.
Ele parou imediatamente, o corpo inteiro tensionando como se alguém tivesse puxado um gatilho invisível. Em seguida, girou sobre os calcanhares e voltou para o lado da cama com passos rápidos.
— Clarice? — a voz veio baixa, porém firme. — Onde dói? Mostra pra mim.
Ela levou a mão até a nuca, apertando o local com cuidado, como se o simples toque piorasse tudo.
— Aqui… bem aqui atrás. — sua voz estava fraca, o rosto contraído.
Oliver se aproximou até ficar bem perto, inclinando-se para examinar.
O cheiro suave do shampoo dela, misturado ao cheiro do hospital, atingiu ele por um segundo mas ele se forçou a focar.
Ele pediu:
— Baixa um pouco a cabeça pra mim. Devagar.
Clarice obedeceu.
Por um momento Oliver se esqueceu do que tinha que fazer, a mão tocando em seu pescoço, a visão perfeita dos cachos ruivos de Clarice, o cheiro do shampoo, tudo aquilo era demais pra ele.
Oliver deslizou os dedos firmes, mas gentis até a base da nuca dela.
Ele procurava por rigidez, temperatura, reação nervosa, sensibilidade anormal.
Assim que tocou o ponto exato, Clarice arqueou um pouco o corpo, o rosto se contraindo numa expressão quase instantânea de dor.
— Assim dói? — perguntou ele, a voz mais grave agora.
— Sim… — ela respondeu, respirando fundo como se o ar estivesse pesado.
Oliver não gostou daquilo.
Não gostou nem um pouco.
Havia rigidez.
Havia sensibilidade profunda.
E havia aquele tipo de dor aguda na nuca que acendia alarmes internos alarmes que ele nunca ignorava.
Ele reposicionou a mão, examinando outros pontos da região occipital, enquanto Clarice apertava os lençóis com uma das mãos, tentando suportar.
— Clarice, isso começou quando? — perguntou, ainda avaliando.
— Hoje de manhã… mas ficou muito pior agora há pouco… — a respiração dela estava acelerada. — Não consigo relaxar… parece que tudo está muito… apertado.
Oliver sentiu o maxilar travar.
Levou poucos segundos para concluir o que faria.
Ele tirou a mão da nuca dela devagar, como se não quisesse provocar mais dor, e falou com uma calma tão calculada que só aparecia quando ele estava, de fato, preocupado.
— Eu vou pedir uma tomografia agora mesmo. Não pode esperar.— Ele olhou nos olhos dela com uma intensidade que a fez engolir em seco. — Pode ser algo simples… ou não. Eu preciso ter certeza.
Clarice assentiu, confiando sem hesitar.
Mas antes de se afastar, Oliver fez algo inesperado talvez até involuntário:
Ele pousou a mão no ombro dela, um toque firme, protetor.
— Eu estou aqui. Eu vou resolver isso. Não deixa a dor assustar você.
Ela tentou sorrir, mesmo com a dor atravessando sua expressão.
Quando Oliver se virou para chamar a equipe, seu coração já batia acelerado não de medo clínico, mas de outra coisa:
A ideia de que algo pudesse estar acontecendo com ela…
A equipe respondeu ao chamado rápido de Oliver. Em poucos minutos, Clarice estava sendo levada em uma maca pelos corredores silenciosos da ala noturna. O hospital parecia ainda mais frio durante a madrugada cada passo ecoava, cada luz branca refletia nas paredes como se realçasse a gravidade do momento.
Oliver caminhava ao lado da maca, de braços cruzados, olhar fixo nela.
Como se, de alguma forma, só sua presença pudesse mantê-la segura.
Centro de Imagem — 23h11
A sala da tomografia estava quase vazia.
A técnica ajeitou Clarice com cuidado, mas era Oliver quem dava as instruções com uma firmeza que deixava todos mais atentos do que o normal.
— Movimento mínimo, Clarice. Qualquer dor mais forte, você me sinaliza. Eu estou bem aqui.
Ela assentiu, ainda apertando a mandíbula para suportar as novas pontadas na nuca.
Oliver ficou ao lado da cabine de vidro durante todo o exame, os olhos nunca deixando a figura dela deitada, imóvel, como uma pintura frágil cercada por máquinas frias.
Seu coração não batia em ritmo de médico.
Batida por batida, ele contava o tempo como se fosse uma ameaça.
Quando o exame terminou e Clarice foi retirada do arco da tomografia, ela piscou devagar, ainda tonta.
— Eu posso… voltar ao quarto? — ela perguntou em um sussurro.
— Só depois que eu olhar as imagens — ele respondeu, delicado mas firme. — Você espera comigo.
E ele fez algo que ninguém esperava de um cirurgião de renome mundial:
Sentou-se ao lado dela.
Não em uma poltrona distante.
Não atrás do computador.
Mas na própria maca, ao lado do corpo dela, como alguém que não conseguia ou não queria ficar longe.
Clarice o olhava com olhos meio cansados, meio inquietos.
— Você parece… preocupado — murmurou.
Oliver respirou fundo, desviando o olhar por um único segundo.
— É o meu trabalho me preocupar — respondeu.
Mas a tensão no maxilar o entregava.
A técnica trouxe as primeiras imagens na tela ao lado. Oliver se levantou imediatamente e a seguiu.
O silêncio que veio em seguida pesou.
Ele analisou linha por linha, contraste por contraste, ampliando imagens, retrocedendo, avançando como se procurasse algo que apenas ele sabia identificar.
A técnica observava de canto de olho a forma agressiva como ele manipulava a tela um misto de precisão cirúrgica e febre emocional.
Até que Oliver parou.
Congelou.
Seu rosto mudou.
Não para pânico, mas para algo mais distante e mais calculado: preocupação mortal.
— Doutor? — a técnica chamou, hesitante.
Ele piscou devagar, como quem volta ao próprio corpo.
— Chame um neurologista. Agora.— A voz dele era clara, fria, rápida demais.
A mulher assentiu e saiu às pressas.
Oliver fechou a imagem, respirou fundo, e só então voltou para Clarice.
Ela percebeu o olhar dele e se endireitou um pouco, mesmo tonta.
— O que… é? — perguntou com medo na voz.
Oliver colocou uma das mãos no corrimão da maca, inclinando-se o suficiente para que só ela o ouvisse.
Sua voz estava mais baixa. Mais séria.
— Clarice… eu preciso que você confie em mim.
— Ele tomou um cuidado absurdo com as palavras. — Encontramos algo. Não é grave a ponto de te colocar em risco imediato… mas precisa ser investigado agora.
Os olhos dela se arregalaram.
— O tiro… tem a ver com isso?
Oliver hesitou por meio segundo.
Apenas meio segundo.
Mas Clarice percebeu.
Ele sorriu não para tranquilizar, mas para blindar sutilmente a verdade até ter certeza absoluta.
— Eu vou cuidar de você. Isso eu posso te prometer.
E antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, o neurologista chegou.
E Oliver, ainda com o coração acelerado, posicionou-se ao lado dela como se estivesse prestes a enfrentar um inimigo que só ele conseguia enxergar.
era insuportável.