|AGORA|
C H R I S T O P H E R F O R D
— Foram cinco diaristas esse mês. — Madelyn comenta, passando o dedo sobre o móvel ao lado da minha cama, esfregando um no outro para usar de indireta de que meu quarto precisa ser limpo o mais depressa possível. — Você pretende viver assim até quando? — ela cruza os braços por cima da grande barriga de oito meses e algumas semanas e estreita os olhos para mim.
Suspiro.
Quando voltei para casa, Madelyn tinha o plano de passar um tempo morando comigo para me dar apoio. Ela está grávida do meu sobrinho Noah e Thomas, seu esposo, também achou que seria bom eles passarem um tempo comigo até eu me acostumar novamente com “essa vida.”
Traduzindo em outras palavras, minha irmã saiu da casa dela e veio cuidar de mim na casa dos meus pais que agora é minha porque eu estava diferente demais do que ela conhecia. Eles ficaram preocupados, ainda mais quando viram o estado das cicatrizes que eu trouxe da guerra. Eles só não contavam com o TEPT. Para falar a verdade, nem eu.
Não sabia o quão real era até quase matar a minha irmã e esfolar a mão do meu cunhado.
Quando Madelyn foi embora com Thomas, eu havia deixado claro que não queria ninguém na casa. Não até que as crises melhorassem.
Não queria correr o risco de que mais alguém presenciasse qualquer comportamento meu. Achei que isso ia passar em alguns dias, mas claro que sem ajuda psicológica, isso seria quase impossível acontecer.
Faz um mês que eles me deixaram sozinho e um mês que Madelyn está tentando me convencer de que preciso de uma diarista para cuidar da casa. Foram cinco que já passaram por aqui.
Ou são barulhentas demais ou puxam assunto demais comigo. Não consigo me sentir à vontade sabendo que a qualquer momento, posso esbarrar com uma desconhecida em casa ou que elas correm o mesmo risco que Madelyn viveu.
Minhas crises de TEPT tem sido tão constantes, que por mais durão que eu tenha aprendido a ser no exército, confesso que tudo o que sinto é medo. Então quase não saio do quarto e tenho evitado ao máximo sair de casa.
Faz dois meses e meio que voltei para casa e sequer tenho dormido direito. Pelo contrário, as crises têm se tornado mais fortes, vindo não só pela noite, mas em qualquer momento, apenas esperando eu dar uma brecha para elas invadirem a minha cabeça.
Sei que a prioridade agora seria passar com um psiquiatra e fazer um acompanhamento com o psicólogo, mas não me sinto preparado para isso. Menos ainda para contar e me lembrar do que aconteceu na guerra, das coisas que presenciei lá. Das coisas que fiz em nome da minha pátria.
— Já disse, não precisa contratar pessoas para cuidar de mim. Estou bem. Você prometeu que não iria se preocupar — digo num resmungo.
— Mas a casa precisa de manutenção. Você emagreceu, não está comendo. Elas me disseram que você só fica nesse quarto. — Minha irmã reclama.
— Será porque falei que não queria ver ninguém? — digo o óbvio.
As diaristas que Madelyn contratou, só serviram para f***r mais ainda a minha cabeça. Foi o pior tipo de experiência que ela poderia me proporcionar. E vai continuar assim, até ela desistir de uma vez por todas dessa ideia.
— Cancelei o contrato com a empresa responsável por contratar as diaristas. Eles vão mandar a última essa semana — ela começa a falar, mas faço menção a recusar o que vem após isso. — Por favor — ela diz antes que eu diga a primeira palavra. — Aceite isso por mim. Vamos tentar de outra forma. Você faz as regras. Noah está próximo de nascer e antes disso, eu só quero ter a garantia de que tudo estará sob controle aqui — ela junta as mãos. — Por favor, faça isso por mim e se não der certo, eu desisto dessa ideia. — ela barganha. — Essa será a última. Tenta pensar positivo, talvez conviver com alguém pode ser uma porta de entrada para você voltar a ter relações sociais. Christopher, por favor, não deixa eu ir para o hospital sem saber que pelo menos vai ter alguém para fazer as compras pra você.
— Você falou com a psicóloga ontem. Ela disse que você não precisava se preocupar e você está…
Madelyn faz um gesto para que eu não repita pela milésima vez que ela está se preocupando demais.
— Maddie, estou fazendo tudo o que posso — sou insistente.
Até inventei que tenho uma psicóloga. Meu subconsciente lembra.
Não existem mais tantas pessoas das quais conheço desde que voltei para pedir favores, ainda mais alguém que aceitasse mentir para Madelyn.
Se tem algo que ninguém tem coragem de fazer, é mentir para a minha irmã, passar a perna nela, trair a confiança ou arrumar uma briga. Tenho certeza que Madelyn é uma das poucas pessoas no mundo que já tem seu lugar reservado no céu. Isso porque, existem poucas coisas ruins vinculadas a ela. Madelyn é uma pessoa boa, exatamente como a nossa mãe era. Está sempre cuidando e se compadecendo da dor dos outros. Minha irmã é o tipo de pessoa que anula as próprias necessidades para dar uma mão amiga a quem ela puder e é justamente por isso, que precisei passar ela para trás.
Ela estava insistindo demais para que eu começasse a terapia. Decidiu por ela mesma que se eu fosse a um psiquiatra, talvez ele pudesse resolver as minhas crises com algum remédio que me deixaria mais tranquilo e coisas desse tipo que resumem nas entrelinhas que “talvez você devesse se cuidar porque está agindo como louco.”
Eu arrumei uma psicóloga, só não no lugar que ela queria.
Pensando pelo lado bom, essa decisão me fez sair de casa, já que, eu não dirigia desde que voltei da guerra.
Pelo menos ela vai demorar um tempo para descobrir que essa psicóloga não existe.
Minha irmã está prestes a dar à luz ao seu primeiro filho. Ela tem trinta e três anos e está ansiosa, cansada e preocupada com o parto. Ela se casou com Thomas aos vinte e sete anos e desde então, eles vêm tentando engravidar. Só conseguiram após seis anos. A última coisa que ela precisa, agora, é se preocupar com seu irmão caçula de trinta anos.
Sou muito grato por ela ter encontrado um cara legal como Thomas para construir uma família e dessa vez, ao que diz respeito a mim, quero deixar ela de fora o máximo que eu puder.
A coisa mais sensata que passou na minha mente, foi ir em uma casa noturna e pedir ajuda a qualquer p**a que estivesse disponível para se passar como psicóloga e dizer com todas as letras para a minha irmã, que eu estava bem e não precisava se preocupar.
Foi uma boa ideia na teoria e péssima, na prática.
Precisei sair de casa, dirigir, ouvir muitos ruídos ao mesmo tempo, e ainda me deparei com a pior cena que eu poderia pedir. Um cara prestes a estuprar uma mulher.
Sei que os homens procuram aquele tipo de lugar justamente para sexo, e as mulheres que trabalham ali, esperam que isso aconteça, mas não aquela mulher.
Não da forma que vi da brecha da porta quando ele abriu um vão para dizer que o quarto já estava ocupado. Não quando ela chorou baixinho enquanto o canalha discutia comigo sobre estar no quarto errado. Não com os olhos assustados que ela direcionou a mim quando tirei minha camisa jeans para entregar a ela.
Existem poucas coisas na vida que tenho o costume de julgar, mas aquela mulher não deveria estar ali. Ela m*l sabia como tirar os próprios sapatos. Não perguntou meu nome, sequer encostou em mim, e apesar de estar sexy pra c****e com aquelas peças que deixavam quase todo seu corpo à mostra, tenho certeza que ela não tinha costume de usar. Sequer combinavam com ela.
Não era uma prostituta. Tinha rosto de anjo, falava como um, e tinha os olhos azuis mais lindos que eu já vi na minha vida. Ela era uma divindade perdida em uma toca de demônios.
Em outra ocasião, eu teria me interessado. Perguntaria o nome da filha dela e o que aconteceu que ela havia recorrido áquilo tão desesperadamente. Em outra ocasião, eu teria apreciado seu corpo frágil e feito daquilo algo que nenhum homem, jamais profanaria. Em outra ocasião, ela não teria mentido para minha irmã sob pressão em troca de dinheiro. Em outra ocasião, eu teria desejado ela como um peregrino no deserto sedento por uma gota de água.
Mas a única coisa que eu queria, era fazer aquilo e sair dali o mais rápido que conseguisse. Usando todas as minhas forças para conter os tremores.
Era um quarto escuro. Eu não conseguia enxergar muitas coisas a não ser as que estava perto. Desde então, é nisso que tenho pensado cada vez que uma crise tenta invadir a minha mente.
No meio dos escombros, os olhos dela estão lá. No meio das ruínas, é a pele dela que dou a vida para proteger dos estilhaços.
— Chris? — Madelyn toca meu braço e eu dou um passo para trás, fechando os olhos. — Ouviu o que eu disse?
— Desculpe — digo e ela suspira, sentando em minha cama.
— Você precisa se esforçar. Tenho certeza que pode ser um primeiro passo. Talvez se você conversasse com a sua psicóloga, ela concordaria. Tenho certeza que você não contou para ela que já está aparecendo teias de aranha na despensa — Madelyn tenta usar seu último fio de paciência para me convencer, mas ao ver que isso não vai acontecer, ela se levanta, preparando-se para ir embora. — De qualquer forma, é a última mesmo — ao dizer isso, ela se prepara para deixar o quarto, mas barro ela.
— Eu faço as regras — digo e ela tenta conter um sorriso de satisfação.
— Tudo bem.
— Mas se ela descumprir, eu a mando embora e não vai ser nenhum pouco agradável — garanto e Madelyn assente, sustentando meu olhar.
— Deixarei ela avisada.
— É a última chance que vou dar. — aviso.
— Pode deixar. Eu mesma farei parte da entrevista.