E L I Z A F I T Z
— Separei alguns pães que sobraram do fim de semana — Clemente diz assim que chega a minha vez na fila de fazer o pedido.
Sorrio para ela, agradecida.
Não sei o que seria de mim, sem ela. A senhora Clemente tem por volta os seus cinquenta e poucos anos e trabalha na mercearia desde que vim para Nova York com dezenove anos. Hoje tenho vinte e cinco e ela me olha com os mesmo olhos bondosos de quando eu ainda estava grávida de Aelin.
Foi a vovó Celine que a conheceu primeiro. Lembro que eu ainda estava grávida quando a vovó chegou em casa com alguns alimentos que ela havia separado e entregue para que eu conseguisse ter ao menos três refeições completas ao dia na minha gestação.
“Cuide dessa garota, Celine. Ela vale ouro.” é o que ela sempre dizia para vovó quando minha barriga começou a crescer de tal forma que já não dava para esconder. Desde então, ela nunca mais parou de nos ajudar da forma que podia e nunca me fez perguntas sobre onde estava o pai do meu bebê.
Não era difícil adivinhar. O semblante de exaustão que tomou conta da minha vida após isso, foi o suficiente para que todos soubessem que Aelin não teria uma figura paterna.
Ela também ajudou a vender a cama da vovó quando ela morreu, anunciando para os clientes que passavam pela mercearia. Era uma cama boa, que seria mais confortável para mim e Aelin, mas vovó ficou meses naquele leito, até dar seu último suspiro. Eu só queria me desfazer daquela cama o mais rápido possível. Além disso, era a cama de casal que ocupava boa parte do cômodo em que moramos.
Agora, Aelin tem mais espaço para praticar novos passos de ballet e também consegui comprar sua primeira sapatilha meia ponta. Eu sei que a vovó ia querer isso. Tenho certeza que ela ia querer que em meio ao luto, eu tentasse encontrar motivos para pensar positivo.
Vovó Celine era a minha força, e agora, preciso ser a força de Aelin.
— Hoje não viemos buscar as sobras.
— A mamãe me deixou pegar cereal e M&Ms! — Aelin anuncia, pendurando-se no balcão enquanto passo nossas compras.
Clemente me olha orgulhosa.
— Conseguiu um trabalho? — ela pergunta.
Nego.
— Não, mas fiz um trabalho por fora e essa semana quero arrumar um novo emprego — digo, colocando as compras na sacola.
Clemente ergue a sobrancelha, lembrando-se de algo.
— Tem anúncios de novas vagas na banca do Charlie. Estão fresquinhas. Ele colocou hoje pela manhã. Guardou uma para você — ela conta e eu aceno em agradecimento.
— Obrigada, senhora Clemente. Vou passar lá com Aelin agora mesmo — digo, pagando as compras.
Entrego a sacola com o cereal e os M&Ms para Aelin segurar e saio da mercearia em direção à banca de jornal do senhor Charlie. Ele sempre destaca algumas vagas na lateral de sua banca, com telefone e e-mails das empresas contratantes.
Observo todas com atenção e descarto a maioria que pede experiência ou algum ensino superior. Infelizmente, não me enquadro nelas.
Eu tinha dezenove anos, quando uma caça-talentos me encontrou e fui aceita na Juilliard School com uma bolsa integral. Saí do interior da Virginia e vim para Nova York com a vovó.
O ballet era tudo o que eu tinha. Todas as minhas expectativas e economias estavam nisso. É o que eu era boa em fazer. Era a oportunidade da minha vida.
Até não ser mais.
Até eu engravidar dele.
Até meu sonho ser reduzido a ruínas.
Até eu perder a bolsa.
Até ele me abandonar.
Até ele apagar completamente qualquer chance que eu tinha para ser quem eu havia nascido para ser.
— Bom dia, Moça-bonita. O que veio procurar hoje? — Charlie pergunta, lançando uma piscadinha para Aelin.
— Mamãe comprou cereal! — Aelin conta, balançando a sacola para ele.
O senhor Charlie sorri, dando um tapinha carinhoso na cabeça dela.
— Clemente disse que tinham novas vagas — comento e ele assente.
— Sim. Ela disse para eu guardar essa para você — ele diz, voltando para trás da caixa registradora.
Eu o sigo, entrando na banca.
Ele me estende uma folha.
— As chances seriam poucas se eu colocasse lá fora.
Leio os dizeres da vaga ali mesmo.
É uma vaga de diarista. O salário é ótimo. Muito maior que de uma vaga de diarista comum. Mas são muitas tarefas.
Limpeza da casa completa. Garantir que as compras do mês estejam sempre feitas. Cozinhar todos os dias. Manter os serviços de jardinagem em dia. Lavar as roupas. Limpeza de vidros e azulejos. Certificar de mandar as contas da casa para a administradora.
São muitas tarefas para uma pessoa só fazer, mas a responsável está pagando muito mais do que seria o suficiente para que eu e Aelin tenhamos uma vida confortável.
Com esse valor eu conseguiria alugar um lugar melhor para ficar com a minha filha e até conseguiria colocar ela em aulas de Balett.
Vejo também que o início da vaga é imediato e o salário já é depositado na conta após uma semana de início.
— Você tem crédito para ligar? — ele pergunta ao ver a esperança em meu semblante.
— Posso usar seu telefone? — peço.
— Sim. Pode. — ele assente e me estende seu celular.
Faço a ligação na mesma hora e na mesma pressa que ligo, outra mulher atende do outro lado da linha. Como se estivesse ao lado do telefone.
— Oi, bom dia. — digo. — Estou ligando para marcar uma entrevista a respeito da vaga de diarista na Residência Ford.