Pré-visualização gratuita Episódio 1
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Vários anos antes
Chicago, Illinois
A porta rangeu ao se fechar atrás dela, e o som pareceu mais alto do que o normal. Talvez fosse por causa do tremor nas suas pernas. Talvez fosse porque o seu coração não parava de bater desde que Allegra a chamara.
— Allegra? Ela perguntou suavemente, como se chamá-la em voz alta pudesse ser um convite ao desastre.
Ela avançou com passos irregulares sobre o tapete grosso, arrastando a perna direita, que ainda doía daquela queda idi*ota do cavalo. Nunca contou a ninguém, mas desde então odiava estábulos, campos abertos e bailes da sociedade, onde tinha que fingir que mancava.
— E-estou aqui... e-e-o chofer chegou. Ela relatou com esforço, gaguejando mais do que o normal. — Estão nos esperando para o baile de Hawthorne.
Allegra, reclinada teatralmente na chaise longue de veludo, olhou para ela. O seu vestido azul-celeste realçava os seus olhos claros e os seus cabelos loiros perfeitamente ondulados.
— Não consigo encontrar o meu cachecol. Disse ela, sem se mexer. — Aquele azul-celeste. Tenho certeza de que você o pegou.
Emely congelou.
— O-o quê? N-não, eu não... Eu não roubei nada.
— Ah, não? Respondeu Allegra, sentando-se com um sorriso congelado. — Então procure, porque se não aparecer, eu vou fazer uma cena. E você sabe o que acontece quando o vovô fica chateado.
— Allegra...
— Não iremos ao baile se o meu cachecol não aparecer, entendeu, sua id*iota?
Emely engoliu em seco. Ela sentiu a humilhação como uma onda espessa nublando a sua visão.
— E-deve estar no-armário. Disse ela, arrastando-se em direção à porta de madeira branca. — V-você provavelmente não olhou com atenção...
Os seus dedos trêmulos envolveram a maçaneta dourada e ela abriu o armário com esforço. A escuridão lá dentro a fez hesitar. Ela sempre teve medo de espaços fechados. Desde criança, desde aquela vez em que ficou presa na despensa do porão por horas.
Mas naquele momento, a sua prima a observava. E ela não queria que ela pensasse que era fraca. De novo, não.
Ela se abaixou e começou a separar os cabides, com as costas doendo por causa da posição e a respiração ficando mais ofegante.
Então a porta bateu atrás dela.
— Allegra! Ela gritou, virando-se imediatamente e colidindo com a madeira. — Não! Por favor, abra a porta!
A sua palma bateu desesperadamente contra a porta. Não havia maçaneta por dentro. As paredes do armário se fecharam como um caixão ao seu redor.
Não, não... não era um espaço fechado. De novo, não.
— Allegra, p-p-por favor... você sabe que eu n-não gosto de lugares escuros. P-por favor...
O riso da sua prima foi abafado.
— Isto é por ter contado ao meu pai que dormi com o Vladimir em Cancún.
— N-não fui eu! Juro que não fui eu!
— Você me traiu. Sussurrou Allegra com uma calma arrepiante. — E agora você vai ficar aqui. Você não verá o seu precioso Willian esta noite.
— Allegra, não! Por favor, Allegra! Emely soluçou, arranhando a madeira com as unhas, tremendo da cabeça aos pés. — P-p-por favor, m-me tire d-d...
A sua prima não disse nada. Depois de alguns segundos, ela percebeu que a loira havia sumido, e o confinamento a envolveu como uma parede. A escuridão a envolveu como uma segunda pele. A sua respiração tornou-se irregular, difícil. Ela ofegava por ar, mesmo sabendo que havia algum, mas o medo era tão físico que doía.
— N-não... p-p-por favor... Ela sussurrou entre gemidos, tentando se acalmar, procurando um ponto de luz onde não havia nenhum.
Ela sentiu como se o seu peito estivesse se partindo em dois. A ansiedade transformou-se em vertigem. A vertigem, em náusea. O seu corpo inteiro entrou em pânico. Ela bateu na porta com os punhos cerrados, sem se importar que a tinta branca lascasse contra os seus nós dos dedos.
— E-eu não consigo... E-eu não consigo respirar...
O mundo encolheu, como se o armário estivesse ficando menor a cada segundo.
E então, simplesmente... escuridão.
Emely desabou no chão.
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Lá embaixo, na entrada da mansão, Allegra desceu como uma rainha. O seu vestido de tule moveu-se como um suspiro.
O avô a esperava na varanda, com a bengala apoiada na perna esquerda.
— E a Emely? Ele perguntou, franzindo a testa.
— Ela não vem. Disse ela descaradamente.
— Achei que ela realmente queria ir ao baile desta vez. Ela não saía desde o acidente. Comentou o avô, pesaroso.
Allegra ajeitou o lenço azul-celeste que havia escondido debaixo da poltrona antes.
— Ela se trancou de novo. Disse ela com um sorriso falso. — Você sabe como ela é.
O velho suspirou.
— Aquela menina é sempre tão inconstante...
— Vamos, vovô. Não vale a pena esperar.
— Não, eu vou buscá-la. Ele insiste, tentando subir as escadas.
— Não, vovô. Ela o interrompe. — Você não vai estragar a minha noite só por causa daquela Emely chorona, ok? Você me prometeu, você disse que eu me divertiria esta noite.
— Sim, mas eu quero apresentar vocês duas à sociedade, não só você.
— Meu Deus, como se algum Hawthorne fosse notá-la, ela é gorda, manca e gagueja. Cospe a loira, m*aliciosamente.
— A Emely é linda, filha, não fale assim. Aconselha o vovô. — A sua prima já sofreu o suficiente.
— E eu tenho que pagar pelo sofrimento dela? Não, né? Vamos, ela não vai descer. Ela pega o homem pela mão. — Não me irrite, vovô.
O homem mais velho suspirou, olhando para a janela do quarto de Emely. O seu coração apertou, como sempre acontece quando ele se lembra de como a luz da sua pequena Emely havia se apagado lentamente.
E assim, a limusine partiu em disparada.
Enquanto isso, no segundo andar da casa, uma boneca quebrada jazia inconsciente em meio à escuridão e à humilhação, sem saber que aquela noite a marcaria para sempre.
Porque há feridas que você não consegue ver... e há traições que você não consegue esquecer.
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