CAPITULO 5

1073 Palavras
A fumaça do charuto ainda pairava no ar, mesmo depois de Don Miguel ter deixado a sala. O cheiro era amargo, velho, como os ossos de quem já enterrou demais. Eu ainda segurava o copo de uísque com os dedos firmes, os olhos fixos na porta por onde ele saiu. A conversa com Massimo ecoava na minha cabeça. Catarina. Grávida. E agora queriam usar Adam Scott como isca. Um fantasma do passado dela. Não que eu me importasse com o i****a — Adam sempre foi um acessório na vida dela. Mas eu conhecia Catarina. E se ele se ferisse, ela viria. Com dentes, garras e sangue nos olhos. A porta se abriu. Massimo entrou, e o modo como ele se movia me dizia tudo antes mesmo das palavras saírem da boca dele. — Encontraram ela. — disse ele, ofegante, um leve brilho de satisfação no olhar. — Estava saindo do Joseph M. Sanzari Children’s Hospital. Tomei um gole do uísque e deixei o gelo bater no fundo do copo. — Tudo bem. Massimo se aproximou, impaciente. — Você ouviu? — ele perguntou, quase como se estivesse tentando me provocar. — Joseph M. Sanzari Children’s Hospital. É um hospital infantil. Provavelmente fazem partos lá. Revirei os olhos, mas meu maxilar travou. Senti a pressão. Era insuportável. — Eu ouvi, Massimo. — E o que vai me dizer agora? — ele continuou, cruzando os braços. — Que é coincidência? Que ela só foi lá por caridade? Você ainda vai insistir que ela não está grávida? Levantei os olhos e o encarei. Firme. — Catarina não está grávida. — p***a, Dante! — ele explodiu. — Até quando você vai tapar os olhos? Tudo indica isso. Ela sumiu por meses. Ela apareceu com uma barriga enorme. Ela foi para um hospital infantil. E você continua fingindo que não vê? — Porque se ela estiver... — disse entre dentes — um inocente morreria. Um bebê. Nossa mãe não nos criou para sermos assassinos de crianças. Massimo se aproximou, os olhos flamejantes. — Nossa mãe, não. Mas nosso pai sim. E caso você tenha esquecido, nosso pai morreu por culpa dela. Engoli seco. A lembrança de Don Salvatore, estendido no chão, ensanguentado... — Ela não matou nosso pai, Massimo. — falei, com a voz baixa, controlada. — Ela o salvou. Mesmo sabendo o que ele fez. Ele morreu por escolha própria. — Ah, claro — Massimo bufou. — E o Luca? Ela também salvou o Luca, Dante? Porque o Luca está morto. E era inocente. Assim como esse bebê, mas parece que você escolheu esquecer isso também. — E você já decidiu que vai matar Adam Scott. — rebati, encarando-o. — Ou mudou de ideia e agora vai matar dois inocentes? Ele me encarou, em silêncio. Os olhos dele me diziam que sim. Que mataria todos, se pudesse. — Eu juro por Deus, Dante... Se continuar protegendo essa mulher, Don Miguel vai saber. E ele não vai perdoar traição. A palavra “traição” ficou pendurada entre nós como uma lâmina. Suspensa, pronta para cair. Respirei fundo, levantei-me e fui até a janela. — Então vamos fazer diferente. — falei. Massimo ergueu a sobrancelha. — Diferente como? — Não vamos matá-la. Ainda não. — Você prometeu! — ele berrou. — Prometeu a Don Miguel que Catarina morreria! — Prometi, sim. Mas não disse onde. — Virei-me. — Podemos capturá-la. Trazê-la de volta para a Itália. E então Don Miguel pode matá-la com as próprias mãos. Aqui, onde tudo começou. Massimo cruzou os braços, pensativo. — E quando Miguel perguntar? — Diremos que é uma questão de honra. Que a morte dela deve ser pessoal. E se ela estiver grávida, esperamos o nascimento. — E depois? — Matamos ela. Matamos Adam. E criamos a criança como um Mancuso. Um legado... mesmo que bastardo. — Ou eliminamos o legado. — ele sugeriu. — Matamos o bebê. — Se houver um bebê. — finalizei. Um capanga entrou às pressas. — Senhores... precisam ver isso. Seguimos até a sala de monitoramento. As imagens mostravam o carro de Catarina deslizando pela FDR Drive. O trânsito estava moderado, nada demais. Pegaram a saída da East 61st Street. O carro passou pelo New York-Presbyterian Hospital-Columbia and Cornell. E foi aí que tudo mudou. O veículo fez uma manobra abrupta para a esquerda, atravessando a via como se estivessem fugindo de algo invisível. — Mas que p***a é essa? — murmurei, estreitando os olhos. O carro então virou à direita. Continuou até entrar em... um supermercado? Massimo me lançou um olhar confuso. — Ela foi fazer compras? — Parece uma armadilha. — murmurei. — Ou não. — retrucou Massimo. — O que quer que ela esteja tramando, podemos interromper se entrarmos agora. — Melhor esperar. — disse. Massimo ignorou. Apertou o botão de comunicação no painel. — Equipe Alfa, entrar agora. Repetindo, entrar agora. Do outro lado, uma voz confirmou. — Positivo. Vimos então o carro da equipe se aproximando da entrada. Mas no momento em que estavam prestes a entrar, o carro de Catarina saiu em disparada pelo lado oposto. — Merda! — Massimo gritou. — Vão, vão, vão! A perseguição começou. A câmera mudou para o carro da nossa equipe fazendo a volta de forma abrupta, quase batendo em uma lixeira, antes de seguir atrás deles. Eu me encostei na cadeira, tenso. — Eles sabiam. — falei. — Como? — Massimo perguntou. — Não sei. Mas sabiam. Essa fuga foi planejada. Ela queria que entrássemos. Queria que revelássemos nossa posição. Massimo bateu com força na mesa. — Temos que interceptá-los antes que ela suma de novo. Fiquei em silêncio por um segundo, analisando a tela. Catarina tinha se tornado ainda mais perigosa. Não só pela inteligência, mas pelo que poderia estar em jogo: uma criança. Ou não. Mas se fosse... — Mantenham distância. — ordenei ao rádio. — Sigam, mas não ataquem. Quero ela viva. — Copiado. — veio a resposta. Massimo me olhou com raiva contida. — Você está hesitando. — Estou pensando. — retruquei. — Catarina sempre foi esperta, mas isso é diferente. É pessoal. — Exato. — Massimo disse, se aproximando. — E é por isso que você não pode tomar as decisões sozinho. — Eu não estou hesitando, Massimo. — falei com frieza. — Então dê a ordem. — rosnou Massimo ao meu lado, o suor escorrendo pelas têmporas, o dedo já no botão de comunicação.
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