EPISODIO 8

1293 Palavras
A minha mãe também estava nos Estados Unidos, mas também não queria cuidar de mim, e demorou um ano até que eu pudesse vê-la. Eu não poderia morar com Gavril, porque ele morava num quartel-general da máfia russa, e não seria seguro para mim. Não é que ele tenha me oferecido, nem que eu tivesse interesse em ficar em um espaço fechado com ele. Então, assim que peguei os meus novos documentos, me matriculei na universidade e ele pagou adiantado os próximos dois anos de curso e aluguel de um pequeno estúdio para mim. Depois disso, não o vi mais por muito tempo. Ele me avisou para não contar a ninguém onde eu estava, caso Alex usasse isso para me achar. A única pessoa que contatei algumas vezes foi minha avó e ela conseguiu me mandar um dinheirinho, arriscando ser descoberta, de tão desesperada que estava. Não muito tempo depois ela faleceu. Eu realmente gostaria de levar flores para ela, mas isso não era mais uma opção. No ano seguinte, eles nos levaram para uma visita com a universidade ao Grand Canyon. Achei que era a oportunidade perfeita para enviar uma carta, porque se a enviasse de lá, do restaurante dentro do hotel, onde passámos uma noite, era impossível para eles rastrearem, e se o fizessem, era bastante longe da minha faculdade. Quando me sentei para escrever as palavras não saíram. Naquela noite, enquanto as minhas duas colegas de quarto dormiam, me tranquei no banheiro e escrevi para Antonio, embora também sentisse muita falta dos outros. Os seus olhos escuros, quase pretos, me perseguiam sem parar, e quase todas as noites eu adormecia pensando nas vezes em que ele apertou a minha mão ou me abraçou para me confortar. Quando eu era mais jovem, só queria estar com ele. Claro, naquele momento ele deve ter ficado horrorizado porque ele é dois anos mais velho que eu, e eu era muito pequeno para ele. Na minha mente, apenas se repetiam os momentos em que nos beijamos, os muitos momentos em que adormeci nos seus braços. Nunca falávamos sobre o que éramos, o que sentíamos, sempre tive muito medo de perguntar a ele. As garotas com quem ele costumava sair pareciam supermodelos, magras e altas e sofisticadas e eu sou baixa e redonda e as únicas roupas que ele já tinha me visto eram as dos seus irmãos, ou dele ou da minha avó, o que eu poderia oferecer a ele? Eu nunca tive nada. Mesmo assim, ele sempre me ajudou e me confortou, todas as noites eu chorava quando o meu pai era c***l, quando Oleg não estava por perto, quando a minha avó se esquecia de mim. O fato de não saber quem matou Oleg também estava me matando. E se Daniel ou Antonio tivessem puxado o gatilho? Eu poderia viver com isso? Eu poderia perdoá-los? Por fim, a última crueldade do meu pai comigo foi tirar tudo o que eu tinha e causar a morte do meu irmão. Ele me deixou sozinha em vida e depois da morte dele também. Quando coloquei a carta no envelope, era uma confusão inteligível de letras com todas as marcas de lágrimas. Mas eu enviei de qualquer maneira porque não era como se ele ou eles pudessem me responder. Era quase como enviar uma carta para o além, para o espaço, para outra realidade em que ainda estávamos todos juntos. Assim que voltei da excursão, Gavril veio me ver no meu estúdio e me deu um recorte de um jornal de Moscou. Lá, em uma das páginas da sociedade, Antonio posava com a sua nova namorada, filha de um conhecido empresário e político. Ela era magra e elegante e devia ter pelo menos 15 centímetros a mais do que eu, fazia apenas alguns meses desde que saí correndo, e ele já tinha me esquecido. Não pude jogar fora o recorte que guardei por anos para me lembrar o quanto eu fui descartável. Assim que entrei na universidade, cortei todos os laços com a Rússia. Nem mais uma palavra na minha língua nativa. Nunca coloquei uma foto minha em rede social, nem mesmo com o meu novo nome: Nina Zima,dando lugar a Anna White. Fui morar com a minha mãe por um tempo, antes de conseguir uma bolsa de estudos para o meu terceiro ano nos EUA, que também incluía morar nos dormitórios do campus, não queria ter que pedir ajuda extra a ninguém da Bratva ajuda. Foi quando descobri o verdadeiro motivo pelo qual Gavril me ajudou a sair do país. Também soube então que ele havia feito o mesmo por minha mãe muitos anos antes, quando não queria mais ficar com o meu pai. Era amor, ou o que quer que aquele ser desprezível com dentes de ouro fosse capaz de dar. A minha mãe era linda quando jovem, com os seus cabelos dourados, seu sorriso angelical, muito mais alta e esguia do que eu. Quando a vi novamente em Los Angeles, aquela pessoa não existia mais. Ela estava quase perdida e a sua dieta principal era baseada em álcool. Ela acordava bebendo whisky, vodca, cerveja e qualquer coisa que tivesse álcool, era impossível ter uma conversa coerente com ela a qualquer hora do dia. Quando eu era pequena eu ouvia os seus gritos. Eu nunca a culpei por ir embora porque ele acabaria matando ela. Foi um casamento de conveniência, o único amor que minha mãe sentia naquela família era por mim e o meu irmão. O que eu não sabia quando criança, nem por muitos anos, é que ele também a estuprou e a obrigou a fazer s*x*o com outros homens. Imagino que Gavril tenha prometido a ela que a trataria melhor e que ela estava tão desesperada para acabar com a situação que aceitava qualquer coisa. Não que Gavril fosse mais atencioso, muitas vezes eles se embriagavam e se agrediam, mas nunca a vi com mais ninguém. Morávamos num pequeno apartamento muito perto da calçada da fama, num beco bastante estranho. Gavril estava ficando mais e mais vezes e me deixando desconfortável com os seus olhares. Eu nem ousava mais ficar de pijama em casa e, além disso, algumas vezes ele tentou entrar no banheiro enquanto eu tomava banho. Tentei contar para minha mãe, mas ela nunca quis me ouvir. E esse foi o gatilho para eu ter que sair antes que eles me dessem a bolsa de estudos. Faltava muito pouco para eu conseguir uma vaga nos dormitórios e pelo menos eu tinha o meu carro, então podia dormir nele. Eu trabalhava meio período como recepcionista numa academia, então também podia tomar banho. Algumas noites eu estava com medo e às vezes a polícia me perguntava por que eu estava dormindo no carro, mas a verdade é que eles sempre foram muito gentis quando eu explicava a minha situação. Às vezes eles me levavam para um abrigo, mas lá eu realmente não conseguia pregar o olho, cercado de estranhos. Então eles me designaram um quarto na residência estudantil e eu tive vários meses de felicidade absoluta. Eu nunca tive um quarto tão bom quanto o meu dormitório da faculdade. A minha parceira, Megan, também era adorável, super divertida e sempre a rainha da festa. Ela me ensinou a me maquiar e parar de me vestir como uma avó. Encontrei um emprego de meio período na lanchonete do campus, comecei a fazer novos amigos, fazer matérias que adorava, cortar qualquer conexão com a minha mãe e a minha antiga vida e até começar a sentir atração por alguns caras. Embora nenhum dos dois fosse tão interessante quanto Antonio. Quando pensei que a tragédia havia acabado na minha vida, Gavril me encontrou e me disse que 'chegou a hora de pagar minha dívida'.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR