O Convite Inesperado

555 Palavras
Maitê. A conversa na laje com Rael foi intensa. Eu senti que tinha tocado em um ponto sensível dele. Ele se fechou depois, mas percebi que ele me ouviu. Aquela faceta de guardião, de homem que protegia o morro, me fez ver que havia camadas por baixo da dureza. Ele não era apenas o traficante. Era um homem que tinha nascido e crescido ali, sem muitas opções. Nos dias seguintes, a tensão entre nós cresceu. Os olhares se tornaram mais longos, os encontros "casuais" mais frequentes. Eram sempre breves, poucas palavras, mas carregadas de significado. Era final de dia, eu estava voltando do curso de assistente administrativa que eu finalmente tinha conseguido no asfalto – um passo pequeno, mas um passo em direção aos meus sonhos. Lembro que Cabeça me deu muita força quando contei a ele. Fiquei feliz em ver que o amigo que eu fiz aqui, estava mesmo torcendo por mim. Hoje eu estava cansada, suada, mas feliz por ter um objetivo. Rael estava parado perto da minha casa, conversando com uns caras. Ele me viu, e a conversa parou. Os olhos dele se fixaram em mim. Passei por eles, tentando parecer natural, mas meu coração batia forte. Quando eu já estava quase na minha porta, ouvi a voz dele, mais alta que o normal, chamando. — Maitê! Virei, curiosa e um pouco apreensiva. O que ele queria agora? Ele caminhou até mim, os outros homens observando em silêncio. Parou a um passo de distância. O cheiro dele, uma mistura de suor e algo amadeirado, me inebriou. — Amanhã à noite vai ter um churrasco na laje principal. Todo mundo vai. É para comemorar a vitória de hoje — ele disse, a voz num tom neutro, mas o olhar fixo no meu era intenso. Era um convite. Mais do que isso, era uma ordem disfarçada de convite. — Um churrasco? — perguntei, surpresa. Eu nunca tinha ido a uma festa no morro. E olha que Cabeça estava tentando me convencer. Mas meus medos e preconceitos ainda eram fortes. — É. Você pode ir. É bom pra conhecer a comunidade — ele respondeu, sem desviar o olhar. Havia uma expectativa silenciosa nele. Hesitei. Meus pensamentos estavam em conflito. Minha razão gritava "perigo", "não vá", "fique longe". Mas meu coração, teimoso, queria ir. Queria ver aquele homem fora do seu papel de Don, queria entender mais sobre o mundo dele. — Eu... eu não sei, Rael. Não sou muito de festa — disse, tentando disfarçar minha indecisão. Ele levantou uma sobrancelha, um sorriso irônico brincando nos lábios. — Não perguntei se você era de festa, Maitê. Perguntei se você vai. Vai ser bom para você. E para mim. A última frase me pegou desprevenida. — Para você? Ele apenas me olhou, um brilho enigmático nos olhos. — É. Para mim. — Ele não explicou mais. Era a sua forma de comunicação: poucas palavras, muita intensidade. Me rendi. — Tudo bem. Eu vou. Um sorriso sutil cruzou o rosto dele, quase imperceptível. — Certo. Te vejo lá. Não se atrase. E ele se virou, voltando para seus homens, deixando-me ali, com o coração aos pulos. Ele me queria na festa. E eu, por mais que soubesse dos riscos, estava ansiosa para ir. O convite era inesperado, mas inevitável. E eu sabia que aquela noite mudaria tudo.
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