O Olhar Dela

566 Palavras
Rael Voltei para a laje, o sol já a pino esquentando a pele. O encontro com a Maitê na ladeira não saía da minha cabeça. Não que ela fosse a mulher mais bonita que eu já tinha visto — no morro, eu tinha acesso a muitas, e todas se jogavam pra cima de mim. Mas o olhar dela... Ah, o olhar dela era diferente. Não tinha malícia, não tinha medo explícito, apenas uma curiosidade misturada com algo que eu não conseguia decifrar. Uma pureza teimosa que parecia não se encaixar ali. — O que foi, chefe? Meio pensativo hoje — Binho comentou, acendendo um cigarro e soltando a fumaça no ar. Dei de ombros, fingindo indiferença. — Nada. Só a burocracia do inferno pra resolver. Esse morro não se gerência sozinho. Vão procurar o que fazer — digo sem paciência. — Claro, chefe — posso ouvir o sorriso de Binho, mas ignoro. O vejo pegar uma pilha de documentos e se sentar em um lugar próximo ao meu. A verdade é que era a mentira. Só não podia admitir. Minha cabeça voltava para aquele instante na ladeira. O jeito que ela se desequilibrou, o pânico nos olhos, e depois a vergonha. A cor que subiu no rosto dela. Uma reação genuína, sem frescura. Eu estava acostumado com mulheres que já vinham prontas, seduzindo, querendo algo. Ela não. Ela parecia... real. E vulnerável. Vulnerabilidade era uma palavra que não existia no meu dicionário pessoal. Fui criado para ser duro, para não demonstrar fraqueza. Meu pai me ensinou isso na marra. E eu me tornei o que era: o dono, o implacável. Mas o olhar da Maitê por um segundo me fez questionar tudo. E eu não podia me deixar seguir por esse caminho, nem mesmo que fosse por um único instante. — A forasteira é engraçada, né? Quase caiu. Tinha que ver a cara dela, parecia que viu um fantasma — Jhow riu, mas eu não achei graça. Escutei a conversa dos dois e isso me incomodou. Não gostei de ouvir eles falando dela. — Ela estava assustada. O que ja é de se esparerar. Nova aqui. Logo ela se acostuma. -- Binho comenta. — Não acho que ela vá conseguir se misturar. Dá para ver de longe que ela é uma intrusa. Não combina em nada com esse lugar. -- Jhow segue. — Todo mundo se ajeita. Ou é isso, ou ela logo da no pé. Bonita do jeito que é, arruma emprego fácil. Você vai ver, na primeira oportunidade a foraleira se manda daqui. — Até lá, vai ser divertido acompanhar. — Jhow ri — Ela vai ser uma bela vista. — Deixem a garota em paz — a minha voz saiu mais ríspida do que eu pretendia. Binho e Jhow me olharam surpresos. Eu não costumava me importar com as conversas fiadas sobre morador novo. — Desculpa, chefe. — Se concentrem no trabalho. O que essa menina tinha? Por que ela estava me incomodando tanto? Eu me perguntava, enquanto observava o movimento lá embaixo. Mulheres, dinheiro, droga... isso era a minha realidade. E aquela garota, com seus olhos verdes e sua inocência desajeitada, estava começando a se intrometer na minha rotina, nos meus pensamentos. E eu não gostava disso. Não gostava nada. Porque, no meu mundo, tudo que saía do controle era perigoso. E ela, Maitê, tinha um potencial assustador de descontrolar as coisas.
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