Maitê
Depois do encontro com Rael, eu não conseguia parar de pensar nele. Não era medo, bom, não só medo. Era uma mistura de curiosidade, fascínio e uma pontada de... atração?
Não sou alguém experiente, mas não sou cega.
Nunca ninguém me chama atenção como aquele cara.
Não que eu tenha o costume de ver muitos homens bonitos. De onde eu vim, ninguém era diferente. Todo mundo se conhecia, crescíamos juntos, então, por mais bonita que uma pessoa seja, ela não era uma “novidade”
Sim, por mais louco que parecesse, aquele homem rude, com o olhar frio e a aura de perigo, me intrigava.
Ele era tudo que eu não conhecia, tudo que eu deveria temer, mas ao mesmo tempo, algo me puxava para a complexidade que eu sentia por trás da fachada.
Talvez, por ele ser alguém distante do já conheci, minha curiosidade ficou aguçada. E o que era todas aquelas tatuagens?
Não é nada difícil encontrar alguém com tatuagens por aqui, mas preciso ser sincera. Nunca tinha visto alguém que combine tão bem com todas elas como Rael.
Rosto, pescoço, braços, mãos e sabe lá mais quais lugares aquele homem as tinha.
Comecei a notar mais as coisas no morro. Os sussurros quando ele passava. Os olhares de respeito e de temor. Ninguém ousava levantar a voz perto dele, ou sequer encará-lo por muito tempo.
Ele era o eixo que girava tudo. O "Don". E a cada dia, eu ouvia uma história nova. De como ele resolveu uma briga, de como ele protegeu uma família, de como ele era implacável com quem ousava cruzar seu caminho.
Dona Neide, que se tornou uma espécie de confidente para mim, percebeu minha curiosidade.
— Não estou dizendo nada demais. Só que ele é bonito e que chama a atenção. Aquela cara fechada de quem tem controle sobretudo me intriga.
— Ele é o chefe. Dono desse lugar. É claro que ele controla tudo. Mas toma cuidado minha filha. Você é tão nova.
— Só disse que ele é bonito — falo de forma despreocupada.
— Não se meta com essa gente, Maitê. Principalmente com o Rael. Ele é homem de bem, na medida do possível, mas o mundo dele... o mundo dele não é para moças como você — ela disse, enquanto me ajudava a pendurar umas roupas no varal. Sua voz era carinhosa, mas firme.
— Mas... ele parece tão... poderoso. E as pessoas respeitam ele — eu rebati, sem conseguir disfarçar o meu interesse.
Dona Neide suspirou, balançando a cabeça.
— Poder no morro é uma coisa, minha filha. É força. É medo. É lealdade à base do respeito forçado. Não é o poder que você sonha para sua vida. E o Rael... ele é um homem marcado. Criado na rua, endurecido pela vida. Não conhece outro jeito.
— Talvez ele não seja o que as pessoas pensam.
— Rael é o que é. Dentro dessa favela, ele é Dono do Mundo. Está cercado de todo tipo de gente. Se lembre do que você veio fazer aqui. O que veio buscar. Se quer um conselho. Não se desvie desse caminho.
As palavras dela me fizeram pensar. Eu sabia que ela tinha razão. Eu vim para a cidade grande em busca de uma vida melhor, de algo diferente. E o mundo de Rael era o oposto disso. Era perigo, incerteza, violência. Mas havia algo no jeito dele que me dizia que havia mais. Um lampejo de humanidade por trás da armadura que ele usava. E eu, teimosa como sou, queria entender. Queria saber o que havia por trás daqueles olhos duros e daquele jeito de "dono do mundo".