Rael
Cabeça estava de volta a sala. Na hora em que ele passou ela entrada, seus olhos se recaiam sobre mim.
Ele queria sorrir, eu via. Minha expressão não deveria ser das melhores e embora eu quisesse saber quem era o cara que estava com Maitê, eu não ia dizer. Não mesmo.
— E ai, descobriu quem era o moleque? — Binho perguntou assim que viu Cabeça.
Fingi estar prestando atenção em outra coisa, que não fosse na conversa deles. Mas não consegui resistir e acabei o olhando curioso.
— Vizinho de Dona Neide. Estava ajudando a Maitê com as plantas. — Cabeça fala, mas percebo que me olha de r**o de olho — Nada demais... O moleque é novo...
Ainda estou puto, mas não vou mentir que me da um certo alivio o que cabeça me fala.
Os caras seguem a conversa, e eu sigo fingindo que não presto atenção. Até que um barulho surge.
O radio começou a apitar, avisando sobre a invasão.
Mal nos olhamos, já sabíamos o que tínhamos que fazer. Levantamos os quatros, pegamos nossos fusível e começos a descer.
Meu coração batia mais rápido. Era sempre assim. E eu só pensava em uma coisa: proteger os meus. Seria fácil demais dar uma ordem e ficar na minha própria torre. Mas jamais faria isso.
Esse morro é meu. Então eu vou estar na linha de frente sempre.
O confronto com a milícia foi rápido, mas intenso. Minha gente sabia o que fazer. Expulsamos os vermes do nosso morro. Mas enquanto eu dava as últimas ordens e via meus "crias" limpando o terreno, meus olhos não paravam de voltar para a casa da Dona Neide. Sabia que a Maitê estava lá dentro.
Quando cheguei aqui e a vi desprotegida, a ordem para que ela entrasse saiu natural. Só precisava que ela encontrasse um lugar seguro. O resto eu dava conta.
A cena dela, paralisada de medo na viela, e o jeito que o Mateus tentou protegê-la, rodavam na minha cabeça. Eu senti uma coisa que não sentia há muito tempo: a necessidade de proteger. Não só o morro, mas ela. Aquela forasteira teimosa, com os olhos assustados e o cabelo bagunçado.
— Chefia, tudo certo por aqui. Os covardes correram — Cabeça disse, me tirando dos meus pensamentos. — Tá tudo bem agora, Rael.
— Bom. Ninguém entra aqui sem a minha permissão. Avisa todo mundo. — disse a Cabeça e depois de clarear meus pensamentos, deu uma última ordem — E quando vir tal do Mateus, manda ele ficar esperto. É bom que ele não se meta onde não é chamado. — falei, a voz mais dura do que pretendia. O ciúme ainda era uma coisa que eu não conseguia apagar.
— Vou passar o recado — Cabeça não sorriu e nem fez graça. Ele sabia que não era o momento e nem que eu não estava de brincadeira.
Voltei para a minha laje, tentando esfriar a cabeça. Mulheres, dinheiro, drogas... nenhuma delas me causava essa confusão. Eu sempre tive controle de tudo. Das minhas emoções, dos meus negócios, das pessoas ao meu redor. Mas Maitê era diferente. Ela me irritava, me fascinava, me fazia sentir coisas que eu não queria sentir. Raiva, proteção, e a p***a de um ciúme que me deixava cego.
Eu negava. Negava pra mim mesmo, negava para os meus. Maitê era só uma moradora. Uma peça no tabuleiro. Mas o jeito que o riso dela ecoava na minha mente, o cheiro dela quando a ajudei com a sacola, a imagem dela vulnerável, me olhando com aqueles olhos verdes... Era demais. Eu estava lutando uma batalha interna. A parte racional, o "Don" que eu construí, queria afastá-la. A outra parte, a que eu não sabia que existia, só queria ficar perto. E essa luta estava me deixando louco.
A forasteiro mexe comigo.