ISABELA
Eu não lembrava do caminho até a casa dele.
Minhas pernas me levaram sozinhas, como se meu corpo soubesse para onde correr quando minha mente entrava em colapso.
Chorei a caminhada inteira, tentando enxugar o rosto antes que alguém visse.
Quando cheguei à porta do apartamento dele, meu peito queimava como se algo tivesse se partido por dentro. Bati duas vezes, quase sem força.
Ele abriu de imediato.
Um segundo de silêncio.
Só um.
Depois, os olhos dele registraram tudo: meu rosto molhado, meu corpo tremendo, minha respiração cortada em soluços.
— Isabela… — ele sussurrou, escancarando a porta e me puxando para dentro num abraço que quebrou minhas últimas defesas.
Eu desabei ali.
Contra o peito dele.
No cheiro dele.
No único lugar onde, até aquele momento, nada doía.
Ele me abraçou com as duas mãos na minha nuca, como se estivesse tentando proteger minha cabeça do próprio mundo.
— O que aconteceu? — a voz dele era baixa, urgente, desesperada.
— Eu… eu não aguento mais… — murmurei, sufocada.
Ele me conduziu até o sofá, sentou e puxou-me para o colo dele, como se quisesse impedir que eu fugisse de seus braços.
— Fala comigo, meu amor. Por favor.
“Meu amor.”
Ouvir aquilo naquele estado abriu tudo que eu estava tentando esconder.
Respirei fundo e disse:
— Estão falando de mim… estão falando de você… estão falando de nós…
Ele fechou os olhos, como se soubesse que isso aconteceria cedo ou tarde.
— O que exatamente disseram?
Respirei trêmula.
— Que você está repetindo um caso com outra aluna. Que você faz isso com todas. Que eu sou só… só mais uma.
A dor nos olhos dele foi tão real que pareceu física.
— Isabela, isso não é verdade. Você sabe que não é—
— Eu não sei! — explodi, sem querer. — Porque… porque isso tudo… tudo… me lembra coisas que eu passei antes. Coisas que… eu não queria reviver nunca mais…
Ele imediatamente levou a mão ao meu rosto.
— O que você passou? — perguntou com uma voz tão suave que doeu ouvir.
Fechei os olhos.
A verdade saiu em pedaços.
— Eu tive um namorado abusivo… anos atrás. Ele… ele filmou coisas nossas sem eu saber. E quando eu terminei… ele expôs um vídeo.
Minha voz falhou.
— Me chamaram de tudo. Me apedrejaram na internet. Me chamaram de objeto, de fácil, de suja. Eu perdi amigos. Parei a faculdade. Perdi a mim mesma.
Arthur ficou imóvel.
Imóvel porque estava lutando para não quebrar.
Eu continuei, chorando:
— E agora… agora as pessoas estão de novo falando do meu corpo, falando que eu sou irresistível, que você não resistiu, que… que eu sou o motivo de você perder seu trabalho…
Engoli o choro que subia.
— Eu não suporto mais ser essa mulher que “estraga” a vida dos homens. Eu não quero ser motivo de alguém se arrepender…
Ele me puxou mais forte contra ele, tão forte que parecia que queria me reconstruir com os braços.
— Você não estragou nada — ele disse, com a voz mais firme que já ouvi dele. — Você me salvou.
Eu soluçava baixinho quando senti os lábios dele na minha testa, depois no meu nariz, depois roçando a minha boca.
Não era um beijo de desejo.
Era um beijo de cura.
Mas o desejo veio em seguida, quando ele segurou meu rosto entre as mãos e me beijou devagar, com uma delicadeza tão intensa que parecia pecado.
Eu respondi ao beijo como se estivesse voltando à vida.
As mãos dele escorregaram pelas minhas costas até minha cintura, me trazendo para mais perto. Eu deslizei os dedos pelo cabelo dele, pela nuca, sentindo aquele arrepio conhecido.
O beijo foi ficando mais quente.
Não urgente como antes.
Mas profundo, íntimo, cheio de pertencimento.
Ele me deitou gentilmente no sofá, ficando por cima de mim, apoiando o peso para não me machucar.
A boca dele percorreu minha mandíbula, meu pescoço.
Eu arfei, puxando ele mais perto.
— Eu estou aqui — ele murmurou contra minha pele. — Eu não vou te soltar.
E eu acreditei.
Por alguns minutos, não existiam fofocas, faculdade, coordenação.
Só nós dois e aquele amor que se recusava a ser medo.
Mas o mundo sempre volta.
Sempre.
⸻
ARTHUR
Na manhã seguinte, recebi o e-mail.
“Comparecer à coordenação às 10h.”
Eu já sabia.
A coordenadora me recebeu com uma expressão que tentava ser neutra, mas era impossível esconder o julgamento.
— Professor Moretti… surgiram comentários envolvendo você e uma aluna. Não podemos ignorar.
— São apenas rumores — respondi firme.
— Espero que sim. Mas, até que tudo se acalme, precisamos que mantenha distância dela. Nada de conversas. Nada de atenção especial. Seja… mais rígido. Mais formal.
Cada palavra foi uma faca.
— Se o senhor não cooperar, teremos que abrir um processo oficial. E isso afetará sua carreira.
Eu fechei os olhos.
Havia apenas uma escolha correta: protegê-la.
— Eu entendo — respondi. — Farei o necessário.
E assim foi.
Naquela mesma tarde, quando Isabela entrou na sala, eu desviei o olhar.
Não beijei sua testa com os olhos.
Não segui seus passos.
Não sorri.
Fui frio.
Rígido.
Distante.
E a expressão dela…
Nunca vou esquecer.
A dúvida.
O medo.
A dor.
A pergunta silenciosa: “ele está desistindo de mim?”
Eu quis levantar, atravessar a sala e puxá-la nos meus braços.
Mas fiquei parado.
Trancado.
Para protegê-la.
Quando ela saiu da sala ao final da aula, estava pálida.
Como se estivesse prestes a desmaiar.
E naquela noite, recebi a mensagem dela:
“Acho que vou trancar o curso.”
Meu chão desapareceu.
⸻
ISABELA
Eu tinha decidido que ia largar tudo.
Era mais fácil do que ver meu nome sujo outra vez.
Era mais fácil do que ouvir ele me tratar como desconhecida.
Era mais fácil do que pensar que talvez… eu fosse mesmo só mais uma.
Mas quando a campainha tocou naquela noite, meu coração reconheceu antes da minha mente.
Era ele.
Abri a porta.
Arthur estava ali, ofegante, tenso, com o cabelo desgrenhado e o olhar de um homem que estava prestes a perder alguém.
— Isabela… não fecha essa porta — ele pediu, antes mesmo que eu pudesse pensar.
— O que você quer? — tentei dizer, mas minha voz saiu fraca.
— Você — ele respondeu, sem hesitar. — Eu quero você. Mas eu preciso te proteger. Eu estava tentando fazer isso da maneira errada.
Ele respirou fundo.
— Eu recebi uma proposta. Uma faculdade em Los Angeles me quer. É meu sonho desde antes de você. E… eu pensei em aceitar.
Meu coração parou.
— Porque… talvez assim eu não arruine sua vida.
Eu senti uma pontada tão forte no peito que precisei apoiar a mão na parede.
— Não faz isso — sussurrei.
— Eu não quero te perder — ele respondeu, com a voz quebrando. — Mas eu quero que você termine a faculdade. Quero você brilhando no futuro. Não quero você carregando meu nome como fardo.
Eu me aproximei.
— E eu não quero perder você — confessei. — Então a gente dá um jeito. Mesmo longe. Mesmo difícil. Mas juntos.
Ele fechou os olhos, respirou fundo, e quando abriu…
Era amor.
Era tudo amor.
Ele me puxou para si e me beijou como se o mundo estivesse acabando.
— Então fica comigo — ele murmurou entre beijos. — Mesmo longe.
— Eu fico.
— E eu volto para você.
— Eu sei.
Aquela noite, o amor aconteceu de novo entre nós — quente, doce, desesperado — percorrendo a casa inteira em beijos, toques permitidos, corpos que se encaixavam como promessa.
Não explícito.
Mas claro.
Profundo.
Perfeito.
Eu dormi no peito dele.
E soube:
**A distância não ia nos destruir. Iria nos fortalecer.