Vincent Maddox não era o que Eleanore estava esperando. Quando o chamaram de Mestre e disseram que ele era o dono da casa, ela havia imaginado um homem velho, que possivelmente teria uma longa e grisalha barba. Mas a realidade estava muito longe de ser essa.
– Seu cabelo é branco. – Foi a primeira coisa que Eleanore pensou e raciocinou naquele momento.
Vincent pegou uma mecha de seu cabelo e a contemplou, como se tivesse se esquecido desse detalhe sobre sua aparência.
– Você é muito observadora... – ele fez uma pausa, esperando que ela se apresentasse.
– Eu sou Eleanore VonBerge, é... – Ela engoliu em seco, já que não havia resquícios de saliva em sua boca. – um prazer, senhor Maddox.
De uma forma bem graciosa, ele se levantou da poltrona, era um homem esguio e tinha um porte elegante, postura reta e impecável. Ele pegou o livro, que havia apoiado no braço da poltrona. Ele não estava sorrindo e a vela pairando perto de sua cabeça projetava sombras sinistras em seu rosto, deformando suas feições.
– Não precisa me chamar de senhor, pode ser apenas Vince. – Ele semicerrou os olhos para Eleanore – Que eu me lembre, você não estava aqui quando eu deixei o castelo, mas olha só você, na minha sala.
Um frio percorreu a coluna de Eleanore, fazendo-a estremecer.
– N-não. É que eu estava... chovia muito e eu só quis um lugar para me abrigar. Não sabia que alguém morava aqui, não tive a intenção de invadir.
Vincent a rodeou, mantendo uma certa distância respeitosa, estudando-a como se ela fosse uma peça decorativa particularmente interessante.
– Você é filha daquele homem m*l encarado que tem terras nas montanhas? Albert VonBerge?
Eleanore deu um passo atrás e sentiu o ar sendo arrancado de seus pulmões.
– V-você conhece meu pai? – ela pôde sentir sua voz soar trêmula.
– Apenas de vista. – Vincent vasculhou o rosto da garota, como se estivesse buscando compreender os sentimentos dela. – Está com medo, por quê?
– Eu não quero vê-lo. – ela disse, concisa.
Vincent deu passos calculados na direção de Eleanore, que tinha que erguer o queixo para olhar no rosto dele, já que ele era um tanto mais alto que ela. A vela o seguiu bem de perto, mantendo as sombras macabras em seu rosto.
– E você veio pra cá? Para esse castelo? Sabe o que dizem dele? Deveria, porque me deu muito trabalho plantar essas histórias pelos vilarejos locais. – Um ínfimo sorriso repuxou o canto de seus lábios, mas foi tão rápido, que Eleanore pensou ter imaginado.
– Foi você quem disse que o castelo era assombrado? – Eleanore franziu o cenho, confusa – Eu não entendo porquê.
– A conclusão é simples, querida Eleanore, eu não queria que ninguém viesse pra cá.
Ela recebeu o golpe, recuando para trás mais um passo.
– Me perdoe, eu...
– Me diga, Eleanore, como você entrou aqui? – O rosto de Vincent parecia petrificado, ela não conseguia dizer se ele estava irritado ou não.
– Por que ficam me perguntando isso? Eu só empurrei a porta e entrei. – Eleanore disse na defensiva, colocando os braços à frente do corpo. Será que ele era agressivo? Ela ficou se perguntando, apreensiva.
Vincent notou o medo de Eleanore e se afastou dela, como que para dar espaço, ou manter uma distância que ela considerasse segura.
– Amanhã eu explico para você porque você não deveria conseguir entrar, até lá, sugiro que você durma, já é tarde. – Ele passou por ela e Eleanore pôde sentir o estranho aroma de terra molhada que Vincent exalava, lembrando-lhe da tempestade que passou.
– Espere! – Eleanore se virou na direção dele. Vincent já havia subido sete degraus da escadaria. – Achei que... você quisesse que eu fosse embora.
– Que tipo de homem expulsaria uma garota de sua casa à noite, Eleanore? – ele perguntou severamente.
– Não sei que tipo de homem o senhor é. – Ela encolheu os ombros, sem ter conseguido manter as palavras dentro de sua boca.
Vincent comprimiu os lábios, formando uma linha reta em seu rosto.
– Amanhã conversamos, Eleanore. E já disse para você não me chamar de senhor, eu me sinto velho.
Eleanore espiou pela janela naquela noite em busca da b***a que vira, não sabia nem o porquê disso, já que apenas serviria para lhe dar pesadelos. Ainda que não fizesse sentido, ela buscou com os olhos pelos limites da floresta, mas mesmo depois de minutos não encontrou nada.
Não sabia ao certo o que pensar de Vincent Maddox, ele não era o que ela tinha imaginado, pensou que era um homem da idade de seu pai ou mais velho. Parecia bastante jovem para ser dono de um castelo. Mas, pensando bem, poderia ser uma herança de família. Além disso, jamais tinha conhecido alguém que praticava magia e que morava em um castelo com criaturas não humanas, então, era difícil supor qualquer coisa à respeito dele.
Ele não a chamou de “senhorita”, como era o costume, simplesmente disse “Eleanore”, como se eles fossem velhos conhecidos e não pessoas que haviam acabado de se conhecer.
Ficou óbvio que ele não ficou feliz em vê-la ali, assim como June, que parecia não aceitar bem a presença de Eleanore. Ela já sabia que quando o horário fosse aceitável, Vincent provavelmente a colocaria para fora, não sabia se ele seria solidário ao ponto de lhe dar algum mantimento. Pensar sobre isso a deixava inquieta e preocupada. Para onde ela iria? O que iria fazer da vida?
Como não conseguia dormir, decidiu dar uma olhada nos livros que estavam em cima da mesa. O primeiro deles, de capa azul marinha, tinha um título em uma língua que Eleanore não conhecia, mesmo que falasse quatro línguas. Ela o folheou e viu vários símbolos estranhos gravados nas páginas, além de muito texto.
Eleanore pegou o segundo livro, de capa preta e detalhes dourados, deixando o livro estranho de lado. Este tinha um título em inglês e chamava-se “feitiços básicos”. Ela folheou o livro, assim como fizera com o outro e viu pequenos versos, como em uma poesia, mas com intitulações esquisitas como “feitiço para abrir portas”, “feitiço para plantio”, “feitiço para fazer fogo”.
Ela se aprumou na cadeira e deixou o livro aberto na mesa, logo à sua frente. Em seguida, ela seguir as instruções, inspirou profundamente e se concentrou em seu calor corporal, assim como estava no livro. Eleanore colocou as mãos a frente do corpo, os dedos curvados bem separados, quase se encostando. Então, concentrou-se e mentalizou as palavras escritas nas páginas “Ignis. Calor. Lux. Incendium!”.
Não estava mesmo esperando que algo acontecesse, como não aconteceu. Mas ela tentou de novo, porque estava sem sono e não havia mais nada que pudesse fazer.
Sete tentativas depois, Eleanore não havia produzido o fogo que o feitiço prometia.
Ela se recostou contra a cadeira e olhou para as próprias mãos, não sentindo absolutamente nada de diferente, mesmo ao seguir todas as instruções. Como será que Vincent conseguiu enfeitiçar um castelo inteiro?
Eleanore olhou para a lamparina apoiada na mesinha de cabeceira e apontou para ela com o dedo indicador, inspirou fundo e se concentrou no calor de seu corpo. “Incendium!”.
De repente, a pequena chama produzida pela lamparina se expandiu, até não caber mais na cúpula de vidro, que explodiu, enviando estilhaços de vidro por todos os lados. Eleanore se protegeu com os braços, mas sentiu um pequeno corte em sua mão. Ela podia sentir o calor das chamas em sua pele e o forte clarão que feria seus olhos.
A esfera de fogo expandindo no quarto enviou fagulhas para os lençóis, o chão e mesinha de cabeceira. Rapidamente, elas foram crescendo, consumindo a mobília.
Eleanore soltou um grito de pânico. Ela olhou ao redor, buscando por algo que pudesse ajudar.
Foi então, que todas as chamas convergiram para o mesmo ponto, como se fossem sugadas pelo vento, espiralando-se no meio do quarto, diminuindo cada vez mais, até se tornarem um pequeno ponto luminoso. O fogo deslizou pelo ar, transformando-se em um pássaro, pousando na mesa.
– Eleanore? O que houve aqui? – era a voz de Amber.
– Amber?! – Eleanore finalmente conseguiu respirar direito, quando não havia mais uma esfera de chamas crescente prestes a engolir o quarto todo e queima-la viva. – Você fez isso?
– Não. Senti uma perturbação na casa e a localizei aqui. Eu posso controlar qualquer fogo presente no castelo, então eu diminuí as chamas. Mas o que aconteceu?
Eleanore engoliu em seco, olhando para o livro de feitiços que estava ao lado de Amber. A pequena cabeça de pássaro dela se voltou para onde Eleanore olhava e, mesmo que fosse difícil dizer, já que era feita de fogo, ela pareceu espantada.
– Você fez um feitiço?
– E-eu... não foi minha intenção... N-não achei que fosse possível. Foi sem querer, eu juro – Ela estremeceu devido as velhas lembranças que tinha do que acontecia quando aborrecia alguma pessoa e as consequências disso.
– Tudo bem, Eleanore. – Amber disse gentilmente – É bom não fazer isso de novo. Magia sem controle pode ser muito perigosa.
Eleanore balançou a cabeça firmemente. Ela não pretendia fazer novamente mesmo que Amber não a avisasse. Magia era perigosa demais e quase a matou.
– Boa noite, Eleanore – Por fim, Amber saiu voando pela janela aberta, levando a luz consigo, banhando o quarto em escuridão.
Vincent estava andando inquieto de um lado para o outro na sala social, uma das mãos apoiadas em seu queixo, a expressão fechada como um tempo nublado. Quase era possível ver as engrenagens de seu cérebro funcionando, enquanto era envolvido por milhares de pensamentos turbulentos.
Sebastian estava jogado no sofá, na forma humana, mordendo suas unhas. June estava em uma poltrona, sentada empertigada, como se fosse levar uma bronca. Amber crepitava na lareira, que costumava ficar sempre acesa. Sam flutuava próximo a June, de pernas e braços cruzados. Dimitri, o corvo, estava empoleirado no encosto do sofá, grasnando em intervalos aleatórios.
– Então, essa garota chegou há três dias. – declarou Vincent, depois de minutos inteiros de silêncio.
– Sim, estava chovendo muito na noite que ela chegou. Encontramos ela de manhã caída na entrada, toda suja de lama e com a perna ferida. – June explicou – Nós achamos melhor não deixá-la ali, então trouxemos ela pra dentro. Eu a lavei e curei a perna dela. Ela dormiu por dois dias inteiros, sem acordar. Achávamos que ela ia morrer, mas, bem, não morreu.
– Ela me disse que o pai dela é c***l e a forçou a ter um casamento arranjado. Falou que ele a vendeu para ganhar dinheiro, porque está falido. – Amber acrescentou, sua voz ecoando pela lareira – Por isso ela fugiu e acabou encontrando o castelo.
– Ela disse como conseguiu entrar? – Vincent questionou sem olhar para ninguém especificamente.
– Falou que simplesmente abriu a porta – June deu de ombros, irritada.
– Isso não é possível. – declarou Vincent olhando para ela.
– Vai ver você não é um feiticeiro tão poderoso quanto pensa que é, já que foi vencido por uma garotinha indefesa. – Bash abriu um sorriso cheio de dentes. – Isso fere seu ego incomensurável?
Vincent dirigiu um olhar glacial para Bash que não pareceu captar o aviso silencioso.
– Talvez a p******o tenha enfraquecido – sugeriu June timidamente.
– Não. Passei a noite verificando e corrigindo a magia, mas não havia nenhum erro. – Um vinco profundo se formou na testa de Vincent, que apertou com mais força o polegar e o indicador contra seu queixo.
– Houve algo ontem – Amber falou repentinamente – No quarto de Eleanore.
– Ah, sim – Vince descartou o assunto como se não fosse nada. – O incidente com o fogo. Sabe, Amber, não pensei que você fosse do tipo que ficava assustando as pessoas assim. Eleanore já me pareceu uma garota assustada sem nenhum incentivo.
A chama da lareira tremulou, de uma forma que todos no castelo já haviam aprendido a identificar como um desconforto de Amber.
– Na verdade, não fui eu. Eleanore criou uma bola de fogo enorme no quarto dela, tive que controlar. Aparentemente, ela reproduziu um feitiço que viu em um livro.
Todos fixaram sua atenção na lareira naquele instante.
– Ela fez magia? – questionou Bash, perplexo.
– Mas ela não é... – June olhou para Vincent, buscando algum tipo de resposta.
– Com certeza não é feiticeira. Eu a vi ontem e Eleanore é completamente... comum, ao menos visualmente falando. Está mais do que óbvio que tem alguma coisa diferente nela. – Vince inspirou e expirou profundamente – Ela é filha de Albert VonBerge, aquele p****e que tem uma fazenda na montanha.
Uma quietude mutua se instalou naquela sala, juntamente com o vento frio que soprava para dentro do castelo.
– Não é ele que tem negócios com Maximus Lennox? – Sebastian franziu o nariz.
– O próprio. – Vincent respondeu.
– Será que vendeu a filha para pagar dívidas com Lennox? – Amber questionou indignada.
– Isso é bastante possível. – Vincent esfregou a mão em sua testa, pensando sobre o assunto. – Mas por que Lennox estaria interessado em Eleanore?
– Ela é uma moça bonita – Bash comentou.
Vincent fez um gesto com a mão como se descartasse a hipótese.
– Duvido que esse seja o caso. Primeiro, ela entra no castelo mesmo com a p******o mágica. Segundo, ela pode ter uma ligação com Maximus Lennox, mesmo que não saiba. Isso não pode ser coincidência, tem alguma coisa excepcional nessa tal de Eleanore.
June bufou, mas não disse nada.
Sem dizer qualquer outra coisa, Vincent marchou em direção a escadaria.
– Vince, onde você vai? – June inquiriu.
– Falar com Eleanore.
– Eleanore. – a voz soou alta e severa.
Ela acordou de súbito, sentando-se ereta, agarrando com força suas cobertas. Seu coração estava disparado e ela olhou de um lado a outro, mas novamente se viu no quarto do castelo e não em sua antiga casa.
Quando olhou em direção a voz, viu Vincent Maddox parado no meio do quarto de braços cruzados e levou um susto. Ele não estava mais com as roupas folgadas de dormir, ao invés disso, vestia calças justas cinza chumbo, botas marrons escuras, uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos, embora estivesse frio, e suspensórios pretos. E seu longo cabelo estava agora preso em uma trança, que descia feito uma corda branca por suas costas.
Na claridade da manhã, Eleanore pôde notar como Vincent era pálido, quase do tom de seu cabelo cor de neve. Mas não era só isso, seus cílios e sobrancelhas também eram claros, parecendo até que estavam salpicados de flocos de açúcar. A única coisa que tinha cor nele eram seus olhos, que possuíam um belo tom violeta, feito pétalas de uma flor.
– Senhor Maddox... Quer dizer, Vincent. Bom dia. – Ela olhou, atônita, para a parte da cama que foi chamuscada pelo fogo e que agora estava preto e cinza, queimado. Mas, se percebeu, Vincent não demonstrou o menor interesse.
– Bom dia. – O rosto dele ainda era uma máscara inexpressiva. – Eu gostaria de conversar com você.
– Tudo bem – Ela estava com as cobertas erguidas na altura de seu peito, apertando-as com mais força contra o corpo, a fim de esconder sua camisola. – Mas eu preciso me trocar primeiro.
Vincent a olhou e parecia prestes a dizer alguma coisa, mas mudou de ideia. Ele deu as costas para ela e foi até a saída, mas parou quando estava embaixo do portal.
– Vou esperar você no meu quarto, só subir a escada, no fim do corredor, é a última porta.
Eleanore não demorou mais do que alguns instantes para vestir seu vestido verde, a meia calça e suas botas. Ela tentou domar seus cachos selvagens, mas como não conseguiu, apenas passou uma água para abaixa-los um pouco.
Ela saiu do quarto e andou pelo corredor até a escadaria em espiral, que havia no fim dele. Os degraus de pedra eram um pouco escorregadios, o que fez com que Eleanore subisse com cuidado.
Aquele corredor era totalmente diferente daquele que ela estivera minutos antes. Este tinha arcos de pedra em intervalos e, entre eles ficavam altas janelas com vista para os jardins dos fundos, era mais escuro, os candelabros das paredes eram de metal preto. Do logo oposto as janelas, haviam mais portas e Eleanore se perguntou o que haveria em todos aqueles cômodos, considerando que era um castelo mágico. O teto não tinha nenhuma pintura do céu, ao invés disso, era n***o como se não tivesse fim, o que o deixava assustador.
No meio do corredor havia mais uma escadaria de pedra reta, que levava à mais um andar. Mas Eleanore prosseguiu, porque Vincent havia lhe dito que era o último quarto do corredor.
A última porta era enorme, feita de um carvalho escuro, estava entreaberta, então Eleanore bateu nela de leve e a abriu sutilmente.
Aquele quarto era enorme e uma bagunça absurda. Havia livros empilhados por todo canto, em cima das mesas que haviam ali, ao redor da cama, em estantes, jogados pelo chão, assim como folhas avulsas, que se espalhavam por todos os cantos, amassadas ou íntegras. Havia quatro janelas altas como as do corretor, maiores do que uma pessoa, cobertas por grossas cortinas vermelhas escuras. E velas, velas derretidas em cima de livros, em cima da mesa, em cima das estantes, flutuando pelo quarto.
Além disso, ainda havia diversos potinhos de tinta de várias cores diferentes, inclusive um de tinta amarela havia sido derramada sobre um livro, espalhados em cima das mesas. Vários pinceis se encontravam em um copo d’água, alguns estavam no chão e um deles era usado para marcar um livro. Havia um cavalete todo sujo de tinta no meio do quarto e diversas telas apoiadas contra a parede, algumas brancas, outras exibindo pinturas muito coloridas e vívidas de paisagens vibrantes, não parecendo o tipo de coisa que se via na realidade, mas algo vindo da imaginação.
Assim como no quarto de Eleanore, havia uma banheira branca em um canto, um armário enorme em uma das paredes, três mesas diferentes, duas poltronas, além da cama que ficava em frente a porta à vários passos de distância, cujos lençóis e cobertas estavam completamente desarrumados.
Depois que Eleanore assimilou toda a informação contida naquele quarto, ela encontrou Vincent parado perto de uma das mesas, quase escondido atrás de uma torre de livros perigosamente empilhados. Ele parecia analisar alguns papeis que segurava em suas mãos.
– Vincent – ela chamou para se anunciar, ainda parada na entrada do quarto.
Ele ergueu a cabeça e fez um gesto com a mão para que Eleanore se aproximasse, mas ela permaneceu plantada no mesmo lugar. A ideia de entrar no quarto de um homem sozinha não parecia boa.
Vincent percebeu a hesitação dela e largou os papeis na mesa, focando sua atenção nela. Ele cruzou os braços e empinou o queixo, de forma desafiadora.
– Acha que vou fazer alguma coisa com você? Não precisa se preocupar, eu não mordo. Entre.
Lentamente, Eleanore entrou no quarto, andando em direção a Vincent, sem ter certeza se ele poderia ou não morde-la.
– O que queria conversar comigo? – ela questionou, quando parou a uma segura distância dele.
– Você conhece um homem chamado Maximus Lennox? – ele estava muito sério quando perguntou.
Eleanore buscou em sua memória por aquele nome específico. Mas Maximus Lennox era um nome bastante incomum e ela estava certa de que, se já o tivesse ouvido antes, teria se lembrado. Por fim, Eleanore negou com a cabeça.
– Me desculpe, nunca ouvi falar.
Vincent balançou a cabeça, enquanto girava, distraidamente, um fino anel de prata que se encontrava em seu dedo anelar esquerdo. Eleanore percebeu que ele usava vários anéis diferentes.
– Você disse que me explicaria porque eu não deveria ter conseguido entrar no castelo – Eleanore sutilmente o lembrou.
– Ah, sim – Vincent assentiu – Quando você veio para o castelo o que você viu?
– Um castelo cinza, de janelas quebradas, grama alta, árvores mortas, teto quebrado.
Vincent vasculhou a mesa e retirou vários papéis do lugar, assim como um livro, que estava em cima de uma esfera de cristal. Ele pegou a esfera e ergueu a mão à frente de Eleanore, passando o dedo indicador sobre a superfície lisa e transparente, fazendo com que uma névoa colorida tremulasse no interior da bola de cristal e formasse uma imagem.
O que viu, foi um castelo de pedras beges, um telhado vermelho, todas as janelas estavam integras. Ainda havia heras cobrindo uma parte das pedras, porém estavam bem cuidadas agora. O gramado em frente ao castelo estava aparado, havia duas enormes faias que pareciam guardiões da propriedade. Circulando as árvores haviam roseiras amarelas, brancas, vermelhas, crisântemos vermelhos, lírios brancos, jacintos e cosmos rosas, colorindo a paisagem. Da mesma forma que surgiu, a imagem se dissipou, tornando a deixar a esfera transparente.
– Esse é o castelo real, aquilo que você viu foi uma ilusão que criei. Essa foi a primeira magia que coloquei no castelo. A segunda foi uma magia dimensional, que faz com que apenas as pessoas que eu permito entrem no castelo verdadeiro, este que estamos agora. Sem minha permissão, quem abrir a porta da frente verá apenas um interior vazio, empoeirado e sem qualquer vida. – Vincent juntou as pontas de seus dedos e olhou para Eleanore – Toque em mim, vou lhe mostrar.
Timidamente, Eleanore esticou o braço e tocou de forma sutil em seu ombro.
Vincent respirou fundo e fechou seus olhos por um instante, parecia concentrado. Quando abriu seus olhos novamente, o ambiente ao redor deles mudou, como se alguém varresse tudo que os rodeava. De repente, não havia qualquer mobília, ao invés disso, as janelas estavam quebradas, o chão coberto com uma película de poeira, havia madeiras quebradas e podres no chão, além de folhas secas sobre o piso e teias de aranha no teto.
– Eu deveria ter entrado em um castelo abandonado, então? – Eleanore perguntou.
– Isso. O fato de você ter entrado no meu real castelo significa que você quebrou minha magia, o que seria impossível para uma pessoa que não é feiticeira. – Vincent separou suas mãos e a imagem de seu quarto bagunçado surgiu novamente, o que fez Eleanore retirar a mão de seu ombro e se afastar de novo. – Amber me disse que você fez um feitiço ontem.
– Eu não sou uma feiticeira! Nem sabia que podia fazer aquilo, apenas li as informações em um livro, não pensei que pudesse fazer isso, foi um acidente. – Eleanore se atropelou nas palavras, falando rapidamente. Ela encolheu os ombros e desviou o olhar. – Eu queimei um pouco a cama, mas posso tentar concertar...
Vincent ergueu a mão, calando-a.
– Não estou te acusando de nada e acredito em você. E não precisa concertar a cama. – Ele a olhou com certa amabilidade, mesmo que não estivesse sorrindo. – Só estou insinuando que, talvez, você tenha certa aptidão mágica.
Aptidão mágica. Em nenhum momento de sua vida, Eleanore pensou que fosse ouvir algo parecido. Ela tinha mesmo quebrado o feitiço de Vincent? Não fazia ideia de como havia feito aquilo, só sabia que, naquele noite, queria muito entrar no castelo e se proteger da chuva. Não havia nada de mágico nisso.
– O que você trouxe quando fugiu, Eleanore? Suas coisas, quero dizer.
Eleanore segurou suas saias e olhou para as próprias roupas.
– Só as roupas do meu corpo.
– Certo. Você precisa pegar suas coisas e eu preciso conversar com seu pai.
Ela deu um passo atrás, sentindo seu coração martelar seu peito de forma dolorosa e um pânico gélido a invadiu.
– V-você... eu não posso voltar... M-meu pai... Ele...
– Acalme-se. Não vou manda-la de volta para seu pai. Eu preciso falar com ele sobre um certo assunto e você precisa das suas coisas, não pode usar o mesmo vestido todo dia.
Eleanore sentiu uma esperança desabrochar em seu peito, reaquecendo todo seu corpo.
– Você... vai me deixar ficar?
– Sim. Pelo menos, até arranjar um lugar mais definitivo para você.
Um enorme sorriso se abriu no rosto de Eleanore, sem que ela pudesse se conter.
– Muito obrigada, Vincent. Não sei nem como agradecer.
– Isso não é necessário. – Vincent foi até uma das janelas, afastou as cortinas e a abriu, permitindo que a brisa externa entrasse no quarto. Ele subiu no parapeito e se voltou para Eleanore, esticando o braço, oferecendo a mão a ela. – Vem, vamos lá.
– O que? Vamos agora? Pela janela?! – Eleanore olhou espantada para Vincent – Não podemos sair pela porta da frente?
– Confie em mim. – Vincent pediu, ainda oferecendo-lhe a mão e um ínfimo sorriso, quase imperceptível, esticou sutilmente seus lábios pálidos.
Eleanore lembrou-se repentinamente do sonho que teve na primeira noite que estivera naquele castelo, do homem oferecendo-lhe a mão e sorrindo para ela. Embora não pudesse saber se o homem de seu sonho era Vincent, já que não viu seu rosto, não pôde deixar de sentir uma certa familiaridade naquela cena.
Calmamente, ela se aproximou, colocando a mão sobre a dele. Por algum motivo, havia imaginado que Vincent era gelado, porque ele parecia feito de neve, mas sua mão era quente.
Eleanore sentia que podia confiar nele, mesmo que tivessem acabado de se conhecer. Então, foi isso que ela fez, confiou em Vincent Maddox.