Domingo

2360 Palavras
Já era domingo, graças a Deus. Não que meu trabalho fosse difícil, mas o Sanders e suas tiradas de sem vergonha dificultam um pouco o trabalho. Oliver era o presente que toda professora de educação infantil quer: Lindo, gentil, educado, obediente e muito, muito esperto. Fiz amizade com ele quase que imediatamente, então, eu podia considerar que estava realmente feliz com meu novo trabalho. Usei meu dia de folga para terminar a mudança. Sanders gentilmente me emprestou a chave de uma SUV onde caberia tudo e mais um pouco. Os meus pobres e pouquíssimos móveis, deixei para minhas amigas. Não fazia nenhum sentido levar coisas usadas e não usar todas as coisas do quarto que Sanders separou para mim. – Pode me contar como que é viver debaixo do mesmo teto que o gostoso mais cobiçado de New York! – Karen disse. Ela, sempre direta, não esperou eu tocar no assunto. – Nada demais. Mas confesso que ver um bonitão andando pela casa só de bermuda, me deixa com um pouco de calor. – Não pude deixar de ver o sorriso satisfeito nos lábios dela. – Mas e o menino? É um amor, como as revistas dizem? – Dessa vez, quem perguntou foi Stella. Eu tirei o celular do bolso e mostrei uma foto minha com ele, que tiramos no dia em que fizemos o piquenique. – Meu Deus, ele é uma graça! – A criança dos sonhos. Ele gosta muito de adesivos, já enfeitamos quase a parte de dentro inteira do guarda-roupa dele. – Não pude deixar de sorrir, pois Oliver é realmente uma criança incrível. Minhas amigas e antigas colegas de quarto me ajudaram a levar as últimas coisas até a SUV e eu as abracei, na despedida. Dei um abraço tão forte em Karen que achei que ela iria quebrar, mas não pude deixar de me despedir desse momento sem um abraço de urso. Com a Stella, fiz o mesmo. – Não é como se você fosse sumir, não é mesmo? Você é meio que nossa mãe, você sabe disso. – Eu respirei fundo. É realmente doloroso encerrar ciclos que foram tão bons. – Estarei sempre por perto. É só me ligar, vocês sabem. – Olhei com seriedade para as duas, e no fim, acabamos nos abraçando em grupo. Karen e Stella são minhas melhores amigas. Devo dizer que já aprontamos muito juntas na época da faculdade, e foi realmente bom. As vezes sinto falta das loucuras que vivemos, mas agora, com tanta responsabilidade, fica difícil repetir. Lembro-me que Karen participou do concurso "camiseta molhada" e ganhou. Era basicamente um concurso onde você ia com uma camiseta branca, se molhava inteira de cerveja e ganhava dinheiro. Eu e Stella rimos tanto que voltamos com a bochecha doendo... E Karen voltou com mil dólares. Mil dólares por tomar um banho de cerveja! Cheguei na casa de Sanders e entrei com cuidado, pois ouvi uma mulher falando e saltos ecoando pelas casa. Observei de longe, tentando entender se eu devia me esconder ou passar direto para meu quarto, mas logo ouvi aquela voz grave me chamando. – Senhorita Hills? – De tanto ser chamada assim por ele, já tinha até esquecido meu nome. – Poderia vir aqui na sala, por favor? – Sim, senhor Sanders. – Caminhei até a sala e vi uma senhora de, talvez uns sessenta anos, mas com aparência muito jovem. Seu cabelo era pintado de vermelho e ela tinha micropigmentação nas sobrancelhas. Sim, foi a primeira coisa que notei. E era MUITO feio. Mas fiquei quieta... Depois, os olhos azuis enormes me chamaram atenção. Tão azuis quanto os de Sanders e Oliver. – Essa é minha mãe, Ella. – Estiquei a mão gentilmente, com um sorriso nos lábios. Percebi que ela era uma cretina quando se recusou a me cumprimentar e ainda fez questão de recolher as próprias mãos em desaprovação. Reparei no colar de pérolas no pescoço dela, e eu pude jurar que estava diante de uma cópia esnobe da rainha Elizabeth – Muito prazer... Senhora Ella. – Eu não devia ter dito o nome dela, não é mesmo? – Desculpe, como devo chamá-la? – Senhora Schneider. – Assenti com a cabeça. Pelo que me lembro, esse nome é alemão, deve ser daí que eles puxaram esses olhos tão lindos. – Certo, meu nome é Wendy Hills. Sou a nova babá do Oliver. – Ela me olhava de cima a baixo. Eu estava vestindo uma saia florida até o joelho e uma blusa de alcinha branca, que combinava com meu tênis também branco. Meu cabelo estava preso em um coque e eu estava com os mesmos brincos de quando conheci o senhor Sanders. – Não faço questão de chamar as babás pelo nome. Elas geralmente tem segundas intenções com meu filho e são demitidas. Se é que você me entende. – Ela se virou, me lançando um olhar esnobe e caminhou até o sofá. O terninho que ela vestia também parecia com os que a rainha da Inglaterra usava, só que sem o chapéu, e isso me fez pensar que talvez ela se inspirasse nela para se vestir. – Tenho mais o que fazer do que me apaixonar por seu filho, não se preocupe. – Sanders arregalou os olhos num misto de admiração e surpresa pela resposta. Saí da sala carregando uma pequena caixa com minhas coisas dentro, levando-as até meu quarto. Sempre soube que nenhum trabalho é perfeito. Trabalho desde os dezesseis anos, sei que existem pessoas megeras, e que nós precisamos aceitá-las. Mas é sempre esquisito quando uma delas pisa em nosso jardim. Quando sai novamente do quarto para buscar o restante das coisas, Senhora Schneider estava cheirando meu orégano fresco com alegria. Queria ser uma bruxa pra fazer a terra virar pó de mico, só para ver aquela chata se coçar um monte. Oliver veio correndo do quarto vestido com seu pijama e sorriu ao ver sua vó. Ela deu um abraço nele, tirou algumas fotos e depois se afastou. – Passei para ver como estão as coisas. Parece que estão em ordem... – Ela olhou para mim com desdém novamente. Vaca. – Não vai fazer o café da manhã do menino? – É meu dia de folga, mas vou, porque gosto que ele coma coisas frescas. – Dei a mão para Oliver que segurava um pequeno paninho amarelo. Ele sempre dormia com ele. – Pra que esse paninho, Oliver? Não está muito grande para usar fraldinha? – Ela se abaixou na intenção de tirar do menino, mas Sanders interrompeu. – Deixa ele, mãe. Ele gosta do paninho dele. Caminhei até a cozinha desviando da megera e peguei alguns ovos, farinha, leite e o liquidificador. O café da manhã seria panquecas. Fiz talvez oito panquecas, bem gordinhas e saborosas. Cortei alguns morangos e mirtilos para o prato de Oliver, e reguei com um pouco de calda. Se eu gostasse de postar comida no i********: com certeza tiraria uma foto do prato, porque modéstia a parte, ficou lindo. Oliver, sentado no balcão, comeu sua panqueca inteirinha. Sanders comeu duas, e eu comi uma. Elle não quis ficar para o café, e foi embora antes de eu fritar a primeira panqueca. – Pai, nós vamos ao aquário hoje? – Os olhos de Oliver brilhavam cheios de esperança. – Sim, conforme o combinado. – Oliver aplaudiu. Legal, um movimento com as mãos diferente do jóia. – Se não se importam, vou arrumar a cozinha e depois vou curtir minha folga lendo um livro no meu quarto... E bebendo um vinho. – Informações demais, Wendy, fique quieta. – Achei que não bebesse. – Touché, senhor Sanders. – Não enquanto estou trabalhando. – Um sorriso gentil surgiu em meu rosto e eu fui lavar a louça. Depois de deixar tudo em ordem, fui para meu quarto curtir o dia. A vista era maravilhosa. Acho que o terreno da casa de Sanders era o maior do condomínio. Sentei na sacada do meu quarto, em uma pequena mesa disposta ali, e abri meu vinho. Me senti um pouco o senhor Marco por estar olhando tudo pela sacada, mas pelo menos não estava incomodando ninguém, a menos que as árvores frutíferas e as flores se incomodassem. Abri meu livro, tirei o marca página e servi o vinho. Meu Deus, que silêncio, que paz... Acho que em anos, nunca me senti tão relaxada. Tive tempo pra mim sem me preocupar com nada. Horas depois, já era quase noite, e eu estava terminando de organizar as coisas no grande guarda-roupa branco do quarto. Era bastante óbvio que minhas coisas não ocupavam nem um terço do guarda-roupa. – Senhorita Hills? – Ouvi a voz grave de Sanders me chamar na sala. Já era noite, quase onze horas, e Oliver provavelmente já estava dormindo. Eu estava vestindo uma camiseta larga, um short curto e meu cabelo estava preso em um coque. Acabei saindo assim mesmo para atendê-lo de maneira rápida, e caminhei pelo longo corredor até a sala. – Posso ajudar, senhor Sanders? – Cheguei na sala e o homem estava bem arrumado, com uma camiseta branca e um jeans preto. Vestia um tênis, no estilo vans, também branco. Parecia que havia acabado de tirar da caixa. Seu pulso estava enfeitado com um grande relógio prata, e o cheiro no ar era de alguém que estava prestes a sair. – Tem planos para essa noite? – Confesso que fiquei confusa, mas respondi com sinceridade. – Só dormir. – Ele assentiu com a cabeça ao me ouvir. – Se importaria de ficar de olho no Oliver enquanto saio com alguns amigos? Acrescento horas extras ao seu salário. – Ele pegou a carteira que estava na estante da sala e colocou no bolso da calça. Parece que ele já sabia a resposta. – Claro, sem problemas. Não é necessário pagar nada a mais, o senhor já me dá um bom salário. – Tonta? Talvez. Mas na minha cabeça fazia sentido. – Bom, te trarei um presente da minha viagem à Inglaterra então. Irei nessa quarta e volto na sexta. Minha mãe se ofereceu para ficar aqui, mas acredito que prefira fazer as coisas do seu jeito. – Ele terminou passando a mão nos cabelos dourados. Ele sabe que é bonito. – Certo... Sanders saiu com a chave da BMW na mão. Ele apontou para o porta-chaves que ficava ao lado da porta e falou que se precisasse, eu podia usar o SUV. Voltei para meu quarto, pois Oliver dormia muito bem, a noite inteira. Deixei a porta do meu quarto e a do quarto de Oliver abertas, para ouvir caso ele chorasse. A noite passou sem intercorrências. Eu dormi profundamente e Oliver também. Lá pelas cinco da manhã, fui acordada com um estrondo na porta de entrada da casa de Sanders, e meu coração veio parar na garganta. Levantei em um pulo e corri para o quarto de Oliver, trancando a porta com cuidado para que o menino não acordasse. – Que merda! – O xingamento veio seguido de um barulho de vidro quebrando. É, parece que alguém chegou bêbado da noitada. Eu sabia que era Sanders, só não esperava que ele bebesse tanto assim. Destranquei a porta do quarto e saí, andando cuidadosamente pelo corredor até a sala. Senhor Sanders estava caído ao lado da mesa de centro da sala, que quebrou o vidro de seu centro. Ele acabou fazendo um corte feio no braço, e dava pra ver o sangue escorrendo do corte. Fui correndo até o banheiro social, peguei a primeira toalha limpa que vi e voltei para meu quarto apenas para colocar meus chinelos. Não precisávamos de duas pessoas machucadas. – Senhor Sanders! – Falei, enquanto me aproximava. Envolvi o braço na toalha e o pressionei. Percebi que o corte era bem superficial, mas ainda assim, era feio. Dei a mão para que ele levantasse, e meio cambaleante, ele o fez. Se sentou no sofá, completamente indignado consigo mesmo. – O que houve? Vou pegar algo pra limpar isso aí. – Levantei e rapidamente fui até meu quarto, voltando com uma bolsinha de primeiros socorros, um spray antisséptico e uma caixa de pontos falsos. – Exagerei na bebida, hoje não é um bom dia. – Ouvi Sanders respirar de forma profunda. Me sentei ao lado dele novamente, retirei a toalha e espirrei o antisséptico. Acabei tendo que tirar dois cacos que ficaram presos dentro do ferimento com uma pinça. Sanders parecia não se importar. – Está doendo? – Perguntei, desviando meus olhos do ferimento e olhando para Sanders por uma fração de segundos. Voltei a me concentrar no ferimento, para colocar o ponto falso de maneira correta. – Ardendo, apenas. – Ele olhava para baixo. Sanders definitivamente está envergonhado. Terminei de cuidar dos ferimentos e me apressei em limpar os cacos de vidro do chão. Sanders parecia indignado consigo mesmo. Eu parei no meio do corredor, já estava voltando para meu quarto, quando pensei melhor e voltei. – Quer falar sobre o que houve hoje, senhor Sanders? – Olhei para ele, que ainda estava sentado no sofá, apoiando os cotovelos nos joelhos e apoiando o rosto em suas mãos. – Não. Obrigado, senhorita Hills. – Assenti com a cabeça e me virei, retornando ao quarto. Até onde Karen e Stella me contaram, Dimitri Sanders não era um homem bêbado. Pensei que talvez ele estivesse em um dia atípico mesmo. Eu estava prestes a deitar novamente na cama, quando ouvi batidas leves na porta aberta do meu quarto. – Senhorita Hills? – Desviei o olhar para ele, que estava parado novamente no batente de minha porta. – Eu não sou esse tipo de homem. Hoje seria meu aniversário de casamento. É o primeiro que passo sem minha esposa. – Eu o ouvi e me sentei na cama. – Todo mundo tem dias difíceis. Eu sinto muito, senhor Sanders. – Meu coração doeu um pouco ao lembrar que, dois anos atrás, perdi meu pai. Ele era minha única família, razão de eu passar todos os dias dos pais chorando. – Obrigado. Sanders saiu, e eu pude me deitar em minha cama. Seria difícil dormir depois do pequeno acidente com a mesinha de centro.
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