Primeiro dia em Toronto.( Isabella)

1524 Palavras
TREZE ANOS ANTES.... " A vida não é complicada os humanos é que complicam tudo, cometem seus erros e para não carrrgarem a culpa, joga está nos " ombros" da vida." Por: Isabella. Eu sinto as dores de ver meus pais seguirem por lados opostos, aos dez anos de idade nunca sequer me ocorreu que isso pudesse acontecer comigo. Ser uma filha de pais separados não é fácil, eu amo os dois e embora os adultos, com seus inúmeros problemas, não percebam o meu coração também está sendo dilacerado. E o que mais me deixou triste, foi a ferrenha disputa para entre os dois para saber com quem eu iria ficar. Eu não sou um prêmio ou um objeto, sou um ser humano de carne e osso que sente o tanto ou até mais essas tribulações que é ver uma família se desfazer. Tudo ruiu, igual um castelo feito de cartas. Por falta de amor? Talvez, mas acredito que a rotina caótica do meu pai contribuiu e muito. Senhor Ignácio , vivi para o trabalho, era raro os momentos em que sentamos à mesa para compartilhamos de uma refeição ou apenas assistirmos televisão, os três, juntinhos no sofá. Na maior parte do tempo, era eu e minha mãe. Acabei ganhando o apelido de companheirinha, por parte dela, afinal é o que somos, companheiras uma da outra. Dona Valquiria, gosta de dizer que meu pai em sua própria casa é apenas uma visita e nisso tenho que concordar. Cuidar de uma companhia que produz e comercializa etanol, açúcar, combustíveis e bioenergia. Demanda muito do tempo dele, ainda mais quando entravamos no período da safra. Senhor Ignácio é o gerente geral da companhia Trevo Verde e o serviço de demanda estratosféricas o roubou de nós. Alguém sabe o que é sentir saudades de uma pessoa que reside conosco na mesma casa? Minha sabe e eu também. Muitas das vezes, fui dormir sem ver meu pai chegar e quando eu despertava, ele, não mais se encontrava. Isso chegou a acontecer por três semanas seguidas. Eu tenho pai e não tenho pai, tudo muito complicado para minha cabeça. Talvez impulsionada por isso, pelos momentos de solidão em que muitas vezes vi minha mãe tomando uma taça de vinho sozinha, com seus olhos presos no nada, ela decidiu encerrar o que vinha fracassando e se arrastando, como um morto que foge de sua cova por não aceitar que acabou, chegou ao fim. Hoje estamos aqui no Canadá, América do Norte, segundo país do mundo em extensão territorial. Faz fronteira com os Estados Unidos ao sul e ao noroeste (Alasca) e ao norte com o oceano Atlântico. Meus olhos percorrem o amplo espaço, muito maior que nossa antiga casa no Brasil. _ Esse apartamento é muito grande, mãe. - falo ao terminarmos de organizar nossas malas. _É bom termos espaço. Você vai poder brincar em muitos lugares diferentes. Apenas não pode gritar, correr e nem pular, por causa dos nossos vizinhos que moram aqui embaixo. - diz, apontando para o piso, fazendo referência ao apartamento de baixo. _ Quando vamos visitar a tia Amora? - pergunto, querendo sair e dar uma olhada na nova cidade que me recebeu. _ A empresa me deu três dias para nos instalarmos, preciso ver uma escola para você. Segundo apurei, a educação no Canadá é altamente descentralizada. O Canadá não possui um órgão governamental central encarregado de monitorar e/ou ditar regras e padrões quanto à educação no país. Ao invés disso, a educação é responsabilidade das províncias e territórios. - diz, meio que frustrada. _ Isso é r**m? _ Depende, meu amor, vamos ver como funciona aqui em Toronto. - profere, dando um leve aperto em minha bochecha. Corro para a janela de vidro e fico vendo os carros passarem nas ruas; eles parecem mais brinquedos pequenos, diante da altura em que estamos. _ Nós seremos muito felizes aqui, minha princesa. Começaremos uma vida nova com o pé direito. _ Mãe, aqui neva? - pergunto, com minha mente imaginando os flocos congelados descendo do céu e passando rente à enorme janela. _ Sim, em janeiro é o mês que mais neva por aqui. Não posso esquecer de comprar roupas térmicas para nós duas e casacos pesados, janeiro e fevereiro fazem muito frio por aqui, devemos estar preparadas. _ A senhora pode me comprar brinquedos? Deixei todas as minhas bonecas no Brasil. - falo com tristeza, uma vez que algumas eram o meu tesouro. _ Claro! Vida nova, tudo novo, minha linda menininha. Um sorriso abre-se em minha face. A noite chega e com ela, minha tia Amora, irmã da minha mãe. _ Abre a porta, Bel, que sua tia está subindo. - avisa dona Valquíria. Dou uma corridinha e logo meu nome ecoa pela sala. _ Isabella Savoie de Freitas! O que falei sobre correr?- paraliso no lugar, olho para a mulher de pele alva e cabelos escuros e olhos rígidos. _ Eu, esqueci...desculpas. - peço, pisando macio no piso e indo até a folha de madeira. Tia Amora, entra carregando um monte de sacolas. _ Trouxe a janta! Nossa! A empresa foi bem generosa! Olha para esse imóvel que lindo!- exclama, recebendo um abraço desengonçado da minha mãe. _ Sua irmã é ótima no que faz. Posso estar enferrujada, mas ...sou eficiência purinha!- diz aos risos. _ E nenhum um pouco modesta! Trouxe Poutine.- tia Amora diz, entregando as sacolas para minha mãe que segue para a cozinha e as coloca em cima da ilha. Sigo bem atrás dela! curiosa e faminta, querendo muito experimentar a comida. _ Mãe o pudim não é depois da comida?- pergunto achando estranhando nós comermos doce antes da comida de sal. Minha tinha olha para mim e me dá um abraço. _ Isa, meu amor, você está se tornando uma mocinha linda! Presta atenção, à titia trouxe poutine e não pudim. A sonorização é parecida, mas são pratos diferentes. Entendeu, boneca?- me pergunta tocando em meus cachos. _Como pode mudar tanto de um ano para outro, nem parece que fui à festinha de aniversário dela no ano passado. - Amora diz, me dando outro abraço. _ Ignácio, não estava vendo a própria filha crescer, isso debaixo das vistas dele. - minha mãe diz com os olhos marejados. _ Tá difícil, Val? _ Muito, minha irmã! Você não imagina o quanto! A conversa é interrompida pelo barulho vergonhoso que meu estômago faz. Ambas me olham. _ Ops! - falo sem graça. _ Que mãe desnaturada estou sendo. Vamos alimentar essa princesa. Lave as mãozinhas e venha para a mesa. - dona Valquíria pede assim, e eu faço. Quando retorno do banheiro, me sento à mesa e encaro o pranto cheio. _ E se eu experimenta e não gostar? - pergunto, olhando atravessado para a comida esquisita. _ Você não come. Ninguém vai te obrigar a comer o que não lhe agradar. - olho para minha tia e anuo. Pego o garfo e começo pelas beiradas catando uma coisinha aqui, outra ali e quando dou por mim, estou devorando o conteúdo todo. _ É gostoso! - profiro assim que termino de comer. _ Que bom que gostou, agora escova os dentinhos, coloca o pijama e caminha. Já passa da hora de uma certa senhorita está dormindo.- minha mãe diz, assim que saio da cadeira. _ Boa noite, tia. Boa noite, mãe. _ Boa noite, floquinho de neve!- escuto dona Amora me chamar por meu apelido, por eu ter uma pele muito clara. _ Boa noite, princesinha, mamãe te ama. _ Também, te amo, mãe. - profiro entrando corredor a adentro. Paro na porta do quarto que, agora, é meu. Olho para todos os lados, sentindo falta das minhas coisas. Do porta-joias que ganhei da Bruna, do tapete de pêlo alto que cobria boa parte do piso, dos meus livros infantis, das minhas bonecas, das almofadas coloridas organizadas num canto perto da parede que tinha uma foto enorme minha. Levo a mão ao meu cordão. De tudo que eu tinha na minha antiga vida, a única coisa que veio comigo, além das roupas e dois pares de sapatos, foi ele. Beijo a minha ferradura, nunca mais vi o moço que me deu esse presente e agora é que tenho plena certeza de que nunca mais irei vê-lo. Troco de roupas e, quando estou escovando meus dentes, penso no meu pai; em como ele está e se sente minha falar. Porque ,apesar de ausente e negligente, eu sinto saudades dele. Ficou decidido que as festas de final de ano e as férias eu passarei com o senhor Ignácio, no entanto, acredito que, com o tanto de trabalho, isso fique esquecido num canto. Eu tenho medo de que ele me apague por completo da vida dele, que aos poucos me esqueça e eu me torne uma ninguém para o meu próprio pai. Choro baixinho no banheiro, sentindo o monstro do medo me assombrar. Quando termino toda a minha higienização, me deito e puxo o grosso cobertor por cima de mim. Será a minha primeira noite de muitas nesse país e eu espero que coisas boas aconteçam ao longo desse processo de adaptação.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR