Capitulo2

841 Palavras
Um ano antes... O sino da porta tilintou no mesmo instante em que eu ajeitava o avental pela enésima vez. O cheiro de café fresco e pão de milho invadia o salão, misturando-se ao som suave de conversas e garfos batendo nos pratos. Eu levantei os olhos... e então o vi. Alto, a jaqueta de couro surrada moldando o corpo largo, a barba por fazer acentuando a linha forte do queixo. Os olhos — meu Deus, os olhos — eram de um cinza quase prateado, cortantes e ao mesmo tempo estranhamente tristes, como se carregassem tempestades inteiras dentro deles. Ele passou pela porta como se o mundo ao redor não existisse. Um homem que parecia não pertencer àquela cidade pequena, e mesmo assim, naquele momento, tudo nele parecia inevitável. Meu coração bateu forte, sem pedir permissão. Ele caminhou até uma das mesas do canto, jogando o corpo na cadeira de um jeito que era descuidado e ainda assim... cheio de uma presença que ocupava todo o espaço. Peguei meu bloco de anotações, respirei fundo e me aproximei, com as pernas quase traindo minha tentativa de parecer natural. — Bom dia — falei, tentando sorrir, mesmo que minha voz saísse meio vacilante. — O que vai querer? Ele levantou os olhos para mim, e eu juro que o ar entre nós pareceu se tornar mais denso. Taylor sorriu de lado, aquele tipo de sorriso lento, malicioso, que você sente primeiro no estômago antes de alcançar o coração. — O que você acha que eu preciso? — perguntou, a voz baixa, arranhada, carregada de uma provocação que fez minha pele se arrepiar. Minha boca secou. Pisquei, tentando processar a pergunta, mas tudo o que consegui fazer foi segurar o bloco mais firme contra o peito. — Depende — retruquei, recuperando um pouco da minha voz. — Está com fome de quê? Ele riu, e foi um som tão íntimo que parecia destinado só a mim. — De surpresa — disse. — Me traga algo que combine com você. Fiquei paralisada por um segundo. Combine comigo? Ele m*l me conhecia. Mas, de algum jeito, essas palavras ficaram gravadas em mim como uma tatuagem. — Tudo bem... — murmurei, com um sorriso tímido. — Vou tentar. Me virei, sentindo o olhar dele queimar minhas costas enquanto caminhava até a cozinha. A cada passo, eu sentia que algo dentro de mim já estava mudando. Como se aquele homem desconhecido tivesse o poder de virar meu mundo de cabeça para baixo... e eu nem soubesse o quanto ainda iria cair. Preparei um prato especial — ovos mexidos, bacon crocante, panquecas macias com geleia de amora feita pela dona do restaurante. Coloquei o melhor café que tínhamos, forte o suficiente para acordar qualquer alma. Voltei com a bandeja nas mãos, tentando não deixar transparecer o quanto minhas pernas tremiam. Ele me observava com a mesma intensidade de antes, os olhos prateados fixos em cada movimento meu, como se já me conhecesse. — Aqui está — falei, colocando o prato à sua frente. — Espero que seja surpreendente o bastante. Taylor apoiou o cotovelo na mesa, inclinando o corpo para frente, sem desviar o olhar de mim. — Eu já fui surpreendido — murmurou. — Só não era pela comida. Meu rosto ardeu. Ele não estava falando do prato. Estava falando de mim. — Serena — apresentei-me, a voz quase um sussurro. Ele repetiu meu nome em voz baixa, como se estivesse provando o som, saboreando cada sílaba. — Serena... — Sorriu. — Um nome bonito pra uma mulher que não parece pertencer a esse lugar. Eu ri, nervosa. — Acho que você também não parece — devolvi, antes que pudesse me censurar. Ele inclinou ainda mais a cabeça, como se estivesse me estudando. Como se estivesse decidindo algo ali mesmo. — Talvez seja isso que nos torna interessantes — disse, com aquele sorriso preguiçoso e perigoso. — Dois estranhos em um mundo que não nos entende. Minha garganta secou. Sorri de volta, sem saber direito o que dizer, e comecei a recuar devagar. Mas antes que eu pudesse sair, ele acrescentou, rouco: — Não some. Quero ver você de novo. Meu coração saltou no peito. Balancei a cabeça, sem confiar na minha própria voz, e voltei para o balcão com passos desajeitados. Enquanto fingia limpar uma caneca, espiava discretamente. Taylor comia devagar, saboreando cada pedaço como se fosse um rei jantando num palácio. De vez em quando, levantava o olhar e me capturava no meio da espionagem. E cada vez que nossos olhos se encontravam, era como ser puxada para um redemoinho do qual eu já não sabia se queria escapar. Naquele dia, eu não sabia que estava me apaixonando. Naquele dia, tudo que eu sentia era que, pela primeira vez, alguém olhava para mim como se eu fosse feita de algo raro. Se eu soubesse da dor que me esperava, teria corrido. Mas não corri. Eu me joguei de cabeça. E amar Taylor Smith... foi a melhor e a pior escolha que eu já fiz na vida.
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