O tempo cada vez mais fechado começa a revelar seu tom azul n***o, quase preto escuro, replicando a noite das nove horas noturnas em plena sombra das seis horas da tarde. O que era para ser uma tarde comum, bem típica para todos, vem se tornando algo com um efeito colateral enorme. Tudo aquilo que um personagem fará a partir de agora, ressoará positiva ou negativamente no próximo.
Talvez, algumas das melhores sensações da vida, custem apenas coragem. Outras, talvez não. Você pode até escolher surpreender, mas a pessoa que deve responder, decide qual será o efeito colateral do ato.
— Então... Como tem passado? — perguntou Angélica sorridente.
— Eu vou bem, não melhor do que você, mas bem. — respondeu Belisário feliz.
Os dois nem se importaram com o fato de estar chovendo, o reencontro emocionante deles parecia uma cena de despedida, cheia de chuva, lágrimas e pensamento contratante com a realidade. Mas como nada para esses dois era comum, aquilo parecia até bem que comum para suas realidades.
— Não estou tão bem assim...
— Você consegue ouvir e falar agora, como é que não está bem?
— Devo isso ao aparelho auditivo e as minhas idas ao fonoaudiólogo.
Os olhos de Belisário estavam encantados pela alma de Angélica que ressoava em todos os seus átomos de atitude.
Irritada com a situação que se formava em sua frente, nossa empregada favorita solta um pouco de seu veneno sem perceber.
— Mas quem é essa garotinha que consegue entender o Belisário? Achei que ele não ia com a cara de todo mundo. — questionou Débora.
Dona Antônia lhe deu uma olhadela de canto de olho fatal. Débora nem ao menos percebeu que estava falando alto ao invés de ficar nos pensamentos.
— Ela é um antigo affair do meu filho. — respondeu.
— Uma ex-namorada? — questionou Débora.
— Não, eles nunca passaram de um affair, uma amizade romântica, jamais tiveram um compromisso formal ou até mesmo informal. — exclareceu.
— Que triste.
— Porque? — questionou Antônia.
— Porque não é isso que aparentam, essa garotinha veio para cá decidida a falar com Belisário que mesmo sendo bem resolvido das coisas, veio para cá somente pra falar com ela?
"É um bom ponto". — pensou Antônia.
— Mas o que veio fazer no Brasil? Não vai me dizer que está aqui só para ver meus lindos olhos claros? — brincou Belisário.
— Surgiu a oportunidade deu ir ao Brasil caso vencesse um concurso literário.
— Nossa!
— O que?
— É que se você está aqui, quer dizer que venceu, certo? — parabenizou Belisário.
— Não...
— Como assim?
— Eu havia ficado em segundo, mas por algum motivo, a vencedora desistiu.
— É o deus do destino agindo ué? Uma vitória é uma vitória, seja ela como for.
— Ainda bem que ele agiu, assim eu consegui revê-lo. — respondeu Angélica encarando os lindos olhos de Belisário.
— Eu fico sem jeito de vê-la falando essas coisas.
— Porque?
— Porque hoje em dia eu estou namorando... — é a primeira vez que Belisário fala de seu namoro sem tanta animação assim.
— Como assim? Namorando? — questionou Angélica realmente achando que era mentira.
— Porque? Acha que não tenho condições?
— E alguém além de mim consegue te compreender tão bem? — debochou.
— E você já me compreendeu tão bem assim?
— E a pessoa por acaso é o amor da sua vida? A pessoa que você se apaixonou na escola e te acompanhou por tantos anos? — insistiu em debochar.
Belisário realmente ficou encabulado com a situação que se forma em sua frente. Ele ama a Zoe, mas nunca pensou em como reagiria ao reencontrar Angélica, tão pouco em como ela ficaria se soubesse que namora.
— Eu realmente namoro Angélica, com alguém de verdade e que também me ama.
— Mas eu duvido muito que ela tenha vivido tudo aquilo que eu vivi contigo, vocês m*l devem se compreender ou ela só está te usando por saber quem é a sua mãe.
Belisário teve de intervir.
— Você não a conhece e está redondamente enganada.
— Sério? — confrontou Angélica.
— Se quiser sair comigo qualquer dia desses, eu te explic... — dessa fez Belisário que foi interrompido.
— Eu não cairia nessa, pode parando de iludir minha autora.
É bem claro que Belisário não o escutou, mas Dona Antônia que estava de frente para a situação, vê a cena daquele senhor que ela parece conhecer saindo do Taxi Executivo e reclamar com seu filho.
— Como ousa falar assim dele? — afrontou Dona Antônia.
— Eu sabia que ela viria aqui para a casa de uma amadora. — rebateu Gonçalves.
Lembra das labaredas de fogo e dos relâmpagos que saíram dos olhares de Angélica e Débora? Pois deste dois, a reação química era ainda pior. Lembrava muito o momento em que a lava vulcânica encontra o mar aberto.
Gonçalves irritado por rever sua antiga inimiga íntima, simplesmente esbarra em Belisário o assustando, segura Angélica pela mão e a trás em direção ao Taxi Executivo.
— Ela é sua agenciada? Eu deveria notar a falta de talento. — implicou Antônia.
— Não posso revelar muito por hoje. — rebateu Gonçalves.
Contudo, mesmo sem entender direito o que estava acontecendo, Belisário viu que sua mãe estava estressada e que havia um homem puxando Angélica pela mão. E numa rápida reação, ele puxou Angélica com a mão esquerda enquanto empurrava Gonçalves pelas costas o pegando desprevenidamente.
Mesmo que por alguns instantes, ele havia protegido sua donzela do perigo. Os dois meio que ficaram de mãos dadas por um breve momento, mas foi o suficiente para que outra personagem dessa desalinhada orquestra clássica aparecesse.
"Às vezes, assim, bem raramente, me dá vontade de trazê-la de volta só para tirar o tédio de meus dias". — pensou Belisário no exato momento em que puxou Angélica pela mão.
"Neste dia chuvoso, eu só desejo cair na nostalgia de seus braços e beijos para espantar o tédio que afronta essa alma sedente de amor". — pensou Angélica ao sentir mais uma vez as mãos de Belisário.
Enquanto pensavam demais e agiam de menos, como bem disse, quem surgiu do meio daquele acinzentado dia chuvoso, foi Zoe. Ela realmente não das coisas que escutou, principalmente por ter ouvido uma voz feminina desconhecida no meio daquela orquestra toda.
— Que bom que chegou, a Angélica está de mãos dadas com o Belisário, eu já iria te ligar. — exclamou Antônia.
Belisário imediatamente largou a mão de Angélica que ainda não havia notado que Zoe era cega ou simplesmente que ela era a Zoe.
"Ela que é a namorada do Belisário?" — pensou Angélica.
"d***a". — imaginou Belisário.
"Ele está me traindo? Impossível". — pensou Zoe.
Sr. Gonçalves acha a trama no mínimo interessante enquanto Dona Antônia admira o que a sua espirrada de veneno pode fazer.
"Eles tinham minha curiosidade, mas agora têm a minha atenção". — pensou Débora.
— Eu realmente não sei se vocês estão de mãos dadas, tão pouco sei quem é a garota, mas por favor pare, eu sou a namorada do Belisário.
Belisário a encarou e Angélica não acreditou em como uma mulher tão bonita quanto ela se atraiu por ele.
— Belisário, olhe para mim. — comentou Zoe.
Nosso herói concentrou suas atenções nela quando algo ainda mais mirabolante aconteceu, pois Zoe usou a LIBRAS para se comunicar com Belisário.
— Eu estou decepcionada com você. — Zoe sinalizou em LIBRAS.
— Ela falou em LIBRAS mesmo sendo cega? — disse Belisário.
Angélica acaba sabendo que Zoe é cega pela reação de Belisário, Antônia e Débora. Mas como ela falou em LIBRAS? Pois bem, é aqui que o Sr. roteiro tem que explicar o que aconteceu.
Genuinamente não há dúvidas de que a comunicação pode parecer impossível, mas não é, graças a Libras, embora seja um pouco difícil de imaginar, é humanamente possível que um cego venha a se comunicar com um s***o e vice-e-versa. Mas essa conversa se dá de uma forma diferente, mão a mão. Símbolo por símbolo e não com palavras e expressões inteiras como as que Débora e Angélica usam para conversar com Belisário.
— Angélica? — disse Sr. Gonçalves.
— O que foi?
— Eu não sei o que está acontecendo, mas esta é a Zoe, aquela antiga escritora da Nightmeare.
O ar envolta de Angélica mudou, imediatamente ela se tornou fria. O deus do destino havia lhe pregado outra peça, pois a pessoa que ela sempre buscou ultrapassar, estava namorando com a pessoa que ela sempre quis namorar. A vida é uma piada sem graça.
— É um bom momento para você saber que o Belisário veio me procurar, Zoe.
— Você me conhece? — perguntou nossa protagonista.
— Como eu não conheceria a pessoa que desistiu de escrever e será a derrotada no concurso da Bienal?
— Quem é você afinal de contas?
— Eu sou a autora número um da Nightmeare e postulante a título do prêmio da Bienal. Angélica Bruske.
— Bruske? A número dois, você quer dizer? — rebateu Zoe.
O clima entre elas mudou, até mesmo Zoe ficou um pouco mais fria depois dessa afronta.
— Nunca entendi o porque você ter desistido de tudo aquilo que construiu, mas enxergando daqui, sei que foi porque você ficou cega, não?
— É que para te vencer, ter dois olhos atrapalhava.
— Como assim?
— Eu te vencia antes e te vencerei agora. Pode apostar.
— Uma cega não pode escrever, m*l consigo descrever com palavras as dificuldades que você deve enfrentar.
Mesmo sem saber, Angélica tocou numa ferida de Zoe.
Angélica se virou para Dona Antônia e exclamou.
— ESSA É UMA DECLARAÇÃO DE GUERRA PARA VOCÊ E PARA AQUELA CEGA.
Dona Antônia e Zoe prestaram atenção no que sairia da boca de Angélica.
— EU VOU DERROTAR A MULHER QUE INSISTIA EM DIZER QUE EU NÃO TINHA TALENTO E A GAROTA QUE DESISTIU DE ESCREVER. — pontuou.
Angélica foi para o lado Gonçalves no Taxi Executivo.
— E Belisário? — Angélica fez de maldade, pois estava longe demais para que ele pudesse ler seus lábios, mas alto o suficiente para que Zoe pudesse escutar.
— PARE DE ME PROCURAR ENQUANTO ESTÁ ME PROCURANDO, TERMINE COM ELA PARA VOLTAR A SAIR COMIGO.
Por essa, nem Dona Antônia parecia acreditar.
Sr. Gonçalves e Angélica entraram no Taxi Executivo, mas a implicância não terminaria por ali, pois ele colocou o braço para o lado de fora e esbravejou para sua inimiga íntima.
— TE ESPERO NA BIENAL!
É com estas palavras que o primeiro ato do capítulo se encerra.
O segundo ato ocorre de maneira um pouco mais calma e gradativa, mas repleto de grandes expectativas para os futuros embates dos nossos personagens literários. Não há dúvidas de que Zoe contra Angélica é um bom embate, mas realmente? Ambos não são tão favoritos assim quando comparamos com Edmundo e Anne, que por falar nela, é a próxima personagem a termos uma interação maior.
Anne e Oliver saíram um pouco da região central de onde haviam chego pelo Aeroporto e foram até o Maracanã onde Anne mantinha um apartamento alugado para enviar dinheiro para suas filhas enquanto elas moravam com a falecida avó.
Tanto o apartamento quanto o bairro trazem nostalgia aos nosso personagens que moraram ali quando eram crianças e começaram a dar início em seu relacionamento nada fácil. É duro, mas Deus consegue escrever certo por linhas tortas.
Caso esteja um pouco confuso, saiba que o Maracanã, além de um estádio de futebol famoso, é um bairro de classe média e classe média alta da Zona Norte do município do Rio de Janeiro.
— Lar doce lar. — brincou Anne.
— O lugar cheira bem mesmo estando "abandonado?" — questionou Oliver.
— Eu pedi para que uma amiga o limpasse, ela trabalhou para minha mãe quando ela era viva.
— Entendi.
O jovem casal começou a desfazer as malas rapidamente, pois ainda nesta noite, teriam uma reunião com o dono de uma grande Editora.
Não tão distante de lá, mas retornando a região central da cidade, voltamos a Editora Sweet Hearth, onde Valentina tentava confortar Lilian, abalada por ter cometido um erro tão infantil.
— Mas amiga, estava perfeito, você tinha que ver, eu me odeio, fiz as coisas rápidas demais, eu realmente não sei o que fiz. — comentou Lilian.
Pedro chegou na mesa de Valentina e atrapalhou a conversa.
— O que aconteceu?
— Eu escrevi toda a parte final do meu livro para a Bienal e não salvei nem me lembro onde está a cópia que fiz. Já pesquisamos em todo o nosso servidor e nada. — reclamou nossa autora descontrolada.
— Calma Lili, olha, deixa que eu corrijo a parte que me deu, certo? Aí, enquanto isso, você finaliza e manda pra mim, pois enquanto você arruma o início eu corrijo o final, que tal?
Lilian a abraça desesperada.
— EU NÃO SEI O QUE FARIA SEM VOCÊ AMIGA!
Pedro caiu na risada.
Agora, indo bem longe da região central, traçamos uma linha reta seguindo de ônibus até a zona oeste da cidade, mais precisamente no mais completo centro de eventos e convenções do Brasil, o Riocentro é o único que reúne em um só lugar pavilhões, anfiteatro, centro de convenções, hotel, academia, estúdios de gravação e jardins para programações ao ar livre.
É claro que falo do Riocentro, o lugar que recebe a Bienal do Livro a cada 2 anos. Quem havia chego aqui, foi Luciana.
"Esse era o meu plano, uma vez aqui, posso arrumar um lugar para ficar aqui perto e assim gasto menos dinheiro com passagem, eu vim única e exclusivamente para vender meu peixe e me tornar escritora, não posso me distrair". — imaginou Luciana enquanto encarava o Riocentro de frente.
É uma pena, mas ela não sabe que os bairros próximos do Riocentro são de classe média quase alta, ou seja, bem mais caros que o normal para a região. Para assumir um apartamento destes, ela terá de trabalhar por pelo menos metade do seu dia enquanto caça uma Editora.
A aventura pré-bienal está apenas começando!