Eva
Há uma magia em tentar superar os próprios limites. É a sensação de arriscar tudo por um sonho que só você vê.
(Menina de ouro)
— Hã... Eu... Desculpe-me, pensei que você...
A garota começou a se afastar, mas eu a impedi de sair.
— Repete o que você acabou de falar.
Incrível como minha voz estava saindo suave, apesar de um nó começar a se formar na minha garganta.
— Falaram que vocês haviam terminado e...
— Todos sabem? Digo, todos da escola?
Ela olhou para meus olhos e vi a resposta. Então era isso. Agora tudo fazia sentido, o estranho comportamento dos dois quando retornei de férias.
— Houve alguns comentários, mas pararam quando viram vocês juntos... E sua amizade com Alice...
— Aquela vaca... – soltei.
A garota aproveitou meu descuido e correu para fora do banheiro.
Eu não estava acreditando que isso estava acontecendo comigo. Minha melhor amiga e meu namorado. Os dois tinham me traído bem debaixo do meu nariz.
Filipe tinha acabado com um namoro de cinco anos ficando com minha amiga.
Eu precisava ficar calma. Tudo o que planejei precisava acontecer como estava no cronograma. Meus pais estavam na plateia para ver meu desempenho e eu não podia vacilar.
Segurei a bancada da pia com força e fiz longas respirações.
— Tudo vai dar certo. Essa é minha noite – falei como um mantra.
Segui até a porta e segurei forte na maçaneta, temendo sair.
Quando saí, encontrei a garota conversando com suas amigas. Todas se viraram quando me viram, mas disfarçaram logo seus olhares. Vaguei meu olhar até onde estava sentada minutos atrás e vi Filipe. Estava conversando com o acompanhante da Alice.
Como se algo os avisassem, ambos olharam em minha direção e vi suas expressões mudar. Eles sabiam que eu sabia. Alice ficou pálida e Filipe ameaçou se levantar, mas com um aceno de cabeça, avisei que não. Eu não sabia o que faria se eles me alcançassem.
Ouvi alguém iniciando a cerimônia. Os alunos começaram a se levantar a medida que seus nomes eram chamados. Alice perdeu a primeira chamada, olhando em minha direção ainda paralisada.
Quando meu nome foi chamado, vesti minha melhor máscara e sorri para meus pais antes de subir no palco e pegar o meu bastão e seguir para o meu lugar.
— Eva...
— Se não quer ter seu último ano marcado com escândalo, sugiro que permaneça calada – falei sem nem ao menos dirigir um olhar para ela.
Meu olhar estava seguindo Filipe pegar seu bastão, sorrir, apertar a mão do diretor e agradecer e depois seguir para sentar ao meu lado. Não movi meu olhar quando ele passou por mim e se sentou.
— Meu amor...
— Não me chame assim – falei controlando a respiração, sem olhar para ele.
— Eu não contei...
— Não quero ouvir suas mentiras – falei baixinho.
Tentei manter um pouco de controle para não gritar com os dois no meio da cerimônia. Eu já estava envergonhada por descobrir a traição, não precisava que o auditório todo presenciasse minha vergonha.
— Eva...
— Se eu ouvir mais uma palavra sua, vou me levantar e ir embora.
Ficamos o restante da cerimônia olhando para frente, embora eu sentisse o olhar dos dois em minha direção.
Quando ouvi meu nome sendo anunciado como oradora da turma, foi como ser salva de um afogamento. Passei as mãos pelo meu vestido, alisando o tecido e segui para o palco. Depois de um cumprimento rápido, um microfone foi colocado em minhas mãos e fui deixada diante de um auditório lotado de adolescentes esperando minhas palavras de incentivos.
Foi impossível não olhar para Filipe e Alice. Os dois estavam congelados olhando em minha direção.
Soltei um longo suspiro antes de soltar as primeiras palavras.
— Boa noite a todos, estou muito honrada em representar todos vocês essa noite...
As batidas do meu coração perderam um compasso, mas logo cuidei para voltasse ao normal.
— Lembro-me do meu primeiro dia nessa escola, eu estava tão assustada, com medo de que algum bicho papão saltasse de algum lugar e me devorasse, mas isso não aconteceu.
Ouvi risos na plateia.
— Não vou mentir, foi h******l – eu ri – os garotos não foram gentis, e algumas meninas também. O segundo dia foi melhor, eu já não me assustava facilmente. E com o passar dos anos, criei laços com todos, fiz amigos, comecei a pensar no meu futuro, no que eu queria ser, e pai, me perdoe pelo o que vou falar agora... – olhei em sua direção – eu não queria ser mais a filha do vereador, agora prefeito da cidade. Eu queria ter minha identidade, eu queria o mundo... Então eu embarquei profundo nesse sonho, e hoje estou a um passo para conseguir o que eu quero. Essa noite não é apenas o meu sonho a ser iniciado, são os de vocês também. Até aqui, os nossos pais nos acompanharam, mas quando passarmos por aqueles portões, será nossas decisões que indicará o nosso caminho.
Alguns assovios e gritos foram ouvidos da plateia, o que me deixou ainda mais empolgada para falar.
— Vejo aqui futuros jornalistas, médicos, advogados, psicólogos... Vejo defensores da natureza, dos direitos humanos... Nossa... Eu vejo futuros brilhantes. E espero muito, de verdade, que daqui a alguns anos, possamos voltar aqui e contar às maravilhosas descobertas que fizemos lá fora. Não somos adultos, mas seremos em breve e é nosso dever ser os melhores adultos para o que fomos treinados. Obrigada.
Baixei o microfone, enquanto todos se levantavam para bater palmas. Meus pais eram os mais felizes e empolgados. Fui cumprimentada pelos professores e por fim, pelo diretor que não poupou elogios.
Ao invés de ir para minha cadeira, fui falar com meus pais. Eu estava usando qualquer motivo para me manter longe de Filipe e Alice.
— Você estava perfeita no palco – meu pai me puxou par um apertado abraço.
— Obrigada pai.
— Estava linda mesmo. Acho que sou a mãe mais orgulhosa aqui.
— Tem que ser. Fui a melhor em quase todas as matérias, com exceção de história. Eu simplesmente não me dei bem nessa matéria.
— Ninguém pode ser bom em tudo. Veja seu pai, ele é péssimo em guardar nomes importantes.
— Eu não esqueço nomes importantes – ele se defendeu.
— Esquece sim.
Rimos.
— Eva.
Meu sorriso morreu quando ouvi a voz de Alice atrás de mim.
— Oi Alice, você está linda essa noite – disse minha mãe.
— Obrigada senhora Marta. Senhor Prefeito...
— Rafael, minha jovem – meu pai riu.
— É mais divertido chamá-lo de senhor prefeito.
Meus pais sempre gostaram de Alice. Nossos pais eram amigos e sempre estavam juntos nas comemorações. Então era fácil ser amiga dela.
— Vamos indo querida? Precisamos acordar cedo amanhã para nossa viagem. – disse meu pai falando com minha mãe.
— Claro, meu amor, vamos indo. Eva, o motorista virá buscá-la no horário marcado.
— Mãe, acabei de fazer um discurso maravilhoso, não acha que mereço umas horinhas a mais por conta disso?
— Você terá muitas "horinhas" quando for uma adulta.
Minha mãe me deu um abraço forte e depois foi acompanhado pelo meu pai para a saída.
— Será que agora podemos conversar?
Por um momento eu esqueci que Alice ainda estava atrás de mim.
— Não, não podemos.
Comecei a me afastar quando Alice me acompanhou.
— Eu quis muito te contar quando você voltou, mas você estava tão feliz falando sobre sua viagem, sobre seus planos com o Filipe... Acabei deixando o tempo passar...
— Você teve muito tempo para me contar o quanto foi prazeroso ficar com meu namorado enquanto estive fora – falei quando Filipe começou a se aproximar – me façam um favor, os dois, sumam da minha frente.
Passei por Filipe, esbarrando em seu ombro e indo par a o ginásio sozinha.
Terminar meu último ano sem namorado e sem minha melhor amiga não estava nos meus planos, mas logo isso não me importaria. Em menos de dois meses, eu estaria indo para o Rio de Janeiro e iria iniciar a faculdade, deixando para trás tudo que referia o ensino médio.